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Artigo publicado na edição nº 2 de junho de 2005.
Terras e Imigração em São Paulo: Política Fundiária e Trabalho Rural

Kátia Cristina Petri

Em 1898 cheguei em S.Paulo como imigrante (...) sendo eu e minha mulher dirigidos nesta Colônia de Piaguhy onde nos foi concedido um lote de terra de nove hectares, terras ingratas e seccas, paguei a muito custo e a poder de suor, padecendo e às vezes passando fome (carta de um imigrante sueco ao Cônsul da Suécia e Noruega, 08/03/1905).

Tencionando a Diretoria do Serviço de Propaganda e Exportação Economica do Brasil no Extrangeiro redigir um opusculo, salientando as condições favoraveis de que gozam os colonos estabelecidos no Brasil (...) solicito (...) que sejam remmettidos cartas de colonos, dirigidas a parentes seus na Europa e nas quaes elles façam allusão á sua satisfação por haverem emigrado para aqui (...) ao melhoramento que obtiveram nas suas condições econômicas (Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 13/02/1909).

Primeiras Iniciativas

Com o objetivo de promover pouco a pouco a substituição do braço escravo na lavoura e povoar algumas áreas da Colônia, recorreu-se, em meados do século XIX, à colonização estrangeira. O objetivo dessa política era, sobretudo, demográfico, reconhecia-se a necessidade de povoar o país, para isso recorrendo à colonização.

O ponto de partida foi o decreto de 25 de novembro de 1808, de autoria de D. João VI. Visando atrair europeus, esse decreto permitia aos estrangeiros o acesso à propriedade da terra. Em 1818 é fundado, por imigrantes suíços, o primeiro núcleo em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro. Logo em seguida, teremos novos núcleos no Espírito Santo, em São Paulo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Essa tentativa da Administração imperial nem sempre chegava a ser bem sucedida. Em 1827, o Ministério do Império encaminhou para São Paulo alguns imigrantes. Depois de muita discussão sobre a região em que deveriam ser estabelecidos, acabou-se por enviá-los para as regiões de Itapecerica, Embu e Santo Amaro, zonas de difícil acesso, solos pobres e longe do mercado consumidor. Depois de enfrentar muitas dificuldades, os imigrantes abandonaram a maioria dos lotes.

A política imperial de terras não garantia incentivos concretos para fomentar a imigração européia. Aos fazendeiros, o que interessava era conceder aos colonos terras de sertão, longe das estradas e de exploração impraticável. Essas, evidentemente, não ofereciam condições de sobrevivência aos colonos. Por outro lado, a concessão a estes de terras melhor localizadas, já ocupadas por posseiros ou pertencentes a sesmeiros, implicaria em despesas que viriam sobrecarregar a Administração, que era obrigada a construir casas, caminhos e a sustentar os colonos até que pudessem produzir o suficiente para proverem-se.

Portanto, a fórmula usada desde os tempos de D. João VI, cuja finalidade fora especificamente servir a uma política demográfica, apresentou-se inconsistente, não sendo a solução ideal para atender às necessidades da lavoura, e sim para povoamento. No primeiro, atendia às necessidades das elites agrárias em detrimento aos interesses imperiais; no segundo, os núcleos coloniais para povoamento apresentaram-se ineficientes e não promoveram um aumento demográfico substancial, pois, muitas vezes, esses núcleos localizavam-se em regiões fronteiriças e de difícil acesso. Ideou-se, então, o sistema de parcerias, visando a fixação dos colonos nas fazendas.

Os colonos eram contratados na Europa e trazidos para as fazendas de café. Tinham sua viagem paga, assim como o transporte até as fazendas. Essas despesas, entretanto, entravam como adiantamento feito ao colono pelo proprietário, assim como, igualmente, lhe era adiantado o necessário à sua manutenção, até que ele pudesse se sustentar. A cada família deveria ser atribuída uma porção de cafeeiros, na proporção da sua capacidade de cultivar, colher e beneficiar. Aos colonos também era facultado o plantio, em certos locais pré-determinados pelo fazendeiro, dos mantimentos necessários ao seu sustento. Vendido o café, o fazendeiro era obrigado a entregar ao colono metade do lucro líquido. Sobre as despesas feitas pelo fazendeiro em adiantamento aos colonos, eram cobrados 6% de juros, a contar da data do adiantamento e aplicando-se na sua amortização, pelo menos, metade dos seus lucros anuais. O colono, além de ser obrigado a cultivar e manter o café, não podia abandonar a fazenda sem ter previamente comunicado por escrito a sua intenção de retirar-se, e só o poderia fazer após saldar todos os seus compromissos. Essa medida também encontrou entraves.

Os proprietários queixavam-se dos colonos, diziam que eram preguiçosos e que sua produtividade era baixa, acusavam os colonos de recusarem-se a receber cafezais novos e ainda improdutivos ou velhos e já em declínio de produção.

O descontentamento por parte dos colonos era o sistema de contas, feito para deduzir sua parcela de lucro sobre a produção de café obtida. Rezavam os contratos que, vendido o café, caberia ao colono a metade do seu lucro líquido; porém, na maior parte das vezes, os colonos sentiam-se roubados. Com o intuito de reduzir esse tipo de queixa, acabou-se por estabelecer o pagamento ao colono de um preço fixo por alqueire cultivado ou para outras fórmulas, em geral baseadas num sistema de salários. Esse último sistema parece ter-se revelado mais adequado, naquela época, do que o sistema de parceria.

“O Café dá para Tudo”

Anuário Estatístico do Café. Departamento Nacional do Café, 1938, p. 12.

O slogan originário da era da escravidão, ainda repetido entre os fazendeiros paulistas na década de 1920, era “o café dá para tudo”.[*1]

A mais importante região para a história do café e da imigração fica em torno de Ribeirão Preto, onde se concentrava o melhor solo para o plantio de café em todo o mundo.

A abundância de terra e a continuada disponibilidade de solo virgem foram elementos fundamentais na história agrária de São Paulo, mas não podemos considerar todo o Estado como um grande plantio cafeeiro, pois algumas áreas já estavam em declínio no início da imigração e havia áreas nas quais jamais se plantara café.

Aliando solo fértil e tecnologia, a produção cafeeira paulista foi responsável pela maior parte das exportações do Brasil durante o final do século XIX e a primeira metade do século XX. Os navios a vapor e as estradas de ferro, avanços europeus do século XIX, foram elementos facilitadores para a expansão do café em São Paulo.

Segundo Thomas H. Holloway, a navegação era a linha vital que tornava possível para São Paulo a participação na economia mundial. Os navios levavam café para os mercados internacionais e traziam trabalhadores da Europa Meridional. O complemento terrestre da navegação transatlântica era a estrada de ferro, ligando o interior à costa. Durante a primeira fase de dominação do café, da década de 1830 à de 1870, a produção esteve centrada no Vale do Rio Paraíba do Sul, ao Norte e Oeste do Rio de Janeiro, estendendo-se rumo a Sudoeste, para dentro da província de São Paulo.

São Paulo cresce em importância nas décadas de 1840-50, inicialmente transportando café no lombo de burro para o porto de Santos e, a partir de 1880, por meio da estrada de ferro.[*2]

Quanto ao enfoque sobre a cafeicultura e a presença imigrante em São Paulo, devemos nos concentrar na região do Oeste Paulista.

Para Paula Beiguelman, a designação de Oeste tem como referência o Vale do Paraíba. A lavoura cafeeira que se expande a partir de Campinas localiza-se, na verdade, na região Leste, orientando-se a seguir no sentido Norte. Ou seja, o Oeste histórico corresponde, grosso modo, ao Leste e ao Nordeste geográficos. Da mesma forma, o Vale do Paraíba, localizado no Sudeste, era chamado de Norte, também em função do direcionamento do café, em marcha progressiva no sentido Sul, a partir da província do Rio de Janeiro, para depois contornar para o Oeste. A imigração, que será subvencionada pelo Estado, é a região correspondente à Alta Mogiana, que fica conhecida como Oeste Novo.

Sendo assim, o Oeste Antigo corresponde às regiões de Campinas, Limeira, Rio Claro, Araras, Descalvado e Casa Branca, enquanto o Oeste Novo, às regiões de Ribeirão Preto, Pinhal, São João da Boa Vista, Casa Branca, São Simão, Cajuru, Batatais e Franca. Com os dois oestes e mais o Vale, constituía-se três áreas socioeconômicas nitidamente distintas.[*3] O período da década de 1880 até a de 1930 foi a época em que o Oeste de São Paulo predominou entre as áreas produtoras de café do mundo.

*média do período ** média de 1904-05 *** média de 1908-09
Anuário Estatístico do Café. Departamento Nacional do Café, 1938, p. 12.

A província de São Paulo era rica em áreas férteis e muitas vezes, sem influência do poder local, tanto dos fazendeiros de café como do governo imperial, o que facilitava a sua ocupação por aqueles que delas precisassem. Como o Estado não tinha controle sobre as propriedades que se desenvolveram no Oeste Paulista, principalmente na segunda metade do século XIX, os títulos de posse eram comercialmente válidos para aqueles que ocupavam de fato a terra.

A imigração intensifica-se após 1850, quando passa para responsabilidade dos governos provinciais e, ao mesmo tempo, se abrem para a iniciativa privada. As atividades imigratórias de São Paulo começaram muitos anos antes do fim da escravidão, portanto, as leis imperiais, que limitaram o cativeiro em 1850, 1871 e 1885, não refletiram nas atividades do Oeste Paulista, tendo em vista que os fazendeiros tinham imigrantes para substituir os escravos.

Em agosto de 1871, antes da assinatura da Lei do Ventre Livre, o presidente da província, Antônio da Costa Pinto e Silva, reuniu vários financistas e fazendeiros para formar a Associação Auxiliadora da Colonização e Imigração, com o propósito de “facilitar para nossos fazendeiros a aquisição de trabalhadores livres”. A lei provincial de 30 de março de 1871 pretendia ajudar os fazendeiros, entre seus artigos podemos destacar:

N. 42 – Dita de 30 de março
Antonio da Costa Pinto e Silva, Presidente da Provincia de São Paulo, etc., etc.
Art. 1º. O Governo da Província fica autorisado a emittir apolices até a quantia de 600:000$000 ao juro de 6% e ao minimo de noventa.
§ 1º. O producto das apolices, ou estas, serão exclusivamente empregadas em auxiliar aos lavradores da Província que quizerem mandar vir colonos para os seus estabelecimentos agrícolas (...).
§ 2º. O auxílio da Província é concedido para pagamento das passagens e mais despezas que cada colono fizer até o estabelecimento rural do lavrador que o houver solicitado.
§ 6º. O auxílio será de preferência prestado aos lavradores que se obrigarem a introduzir colonos do Norte da Europa.
§ 7º. Computar-se-hão no numero dos colonos os menores de cincoenta annos e maiores de dez.
§ 12º. O lavrador auxiliado, que, no prazo de um anno, da data do recebimento do auxilio, salvo casos de força maior verificados, não mostrar por documentos authenticos e attestações dos Consules do Imperio, d’onde vierem os colonos, Ter satisfeito as condições desta Lei, introduzindo para a sua lavoura o numero de colonos correspondente ao auxilio, será executivamente obrigado a entrar com a importancia recebida, e mais o premio á razão de 15% ao anno, capitalisado semestralmente.[*4]

Uma outra medida adotada pela Assembléia Provincial, em 1881, foi a organização de uma comissão para planejar uma hospedaria que recebesse imigrantes.

Naquele mesmo ano, o Governo da Província adquiriu um prédio no bairro do Bom Retiro, na capital, que tinha capacidade para apenas quinhentas pessoas e localização inconveniente. Em 21 de março de 1885, a Assembléia Provincial autorizou a construção de uma nova hospedaria e uma comissão especial escolheu um ponto de junção das estradas de ferro que penetravam na cidade de São Paulo, vindas do Rio de Janeiro e de Santos, rotas pelas quais entravam na Província todos os imigrantes. Em 1888, a nova Hospedaria de Imigrantes tinha capacidade para quatro mil pessoas e tornou-se o ponto focal do programa de imigração de São Paulo.

Entre as centenas de milhares de imigrantes trazidos depois de 1886, alguns protestaram abertamente contra as condições de superlotação e a falta de higiene reinante nos navios, no porto de Santos ou na hospedaria de São Paulo. Outros acusaram a prática de fraude e maus-tratos nas fazendas.

Em meados da década de 1880, a publicidade negativa que prejudicaria o Brasil durante anos já se tornara um sério obstáculo ao maior desenvolvimento da imigração européia. Para resolver essa questão e promover o Brasil no exterior foi criada, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração, que tinha como finalidade promover a vinda de braços para lavoura de café. Os diretores da Sociedade iniciaram imediatamente suas atividades promocionais. Uma das primeiras realizações foi a publicação de uma brochura, pormenorizando as atrações de São Paulo. O texto, sempre que possível, fazia comparações favoráveis com a Argentina, os Estados Unidos e países europeus. Não havia menção a problemas raciais ou à existência, ainda, da escravidão, mas se assinalava cuidadosamente que em São Paulo “a maneira de vestir, mobiliar as casas, alimentar-se e, em geral, todos os costumes são europeus (...) transporte do Rio de Janeiro ou Santos para a cidade de São Paulo, comida para até oito dias e alojamento na hospedaria, incluindo tratamento médico gratuito e transporte ferroviário igualmente gratuito para a destinação final no interior da Província”.[*5] A Sociedade funcionou até 1896, tendo recrutado 120.000 imigrantes, em sua maioria italianos.

Durante a última fase do Império e começo da República, os interesses do café tinham influentes porta-vozes no governo do Brasil, e o governo nacional ajudava ocasionalmente os paulistas. O Governo de São Paulo era, ele mesmo, o instrumento dos fazendeiros de café. A política imigratória deve ser entendida neste contexto.

Em 1891, a Constituição Federalista da Nova República colocou toda a terra pública e os regulamentos de propriedade sob a jurisdição dos Estados.

Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo á União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construcções militares e estradas de ferro federaes.[*6]

Neste mesmo ano, São Paulo criou a Repartição de Terras, Colonização e Imigração, vinculada à Secretaria de Agricultura. Sua função, entre outras, era a de validar os títulos de terras, fiscalizar e alienar terras públicas. No ano seguinte, a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas de São Paulo ficou encarregada do serviço de imigração estadual.

Nos seus primeiros anos, a Secretaria seguiu a prática da Sociedade Promotora, assinando contratos exclusivos com companhias particulares de navegação. Todos aqueles que entravam sob o contrato deviam fazer parte de unidades familiares, cuidadosamente definidas como se segue: a) casais com menos de quarenta e cinco anos de idade e sem filhos; b) casais com filhos ou pupilos, com ao menos um homem em idade ativa por família; c) viúvos ou viúvas com filhos ou pupilos, com pelo menos um homem em idade ativa por família; d) membros dependentes da família que podiam ser incluídos na passagem subsidiada eram os pais, avós, irmãos solteiros e cunhados e sobrinhos órfãos do chefe da família; mulheres casadas, que iam se reunir aos maridos já no Brasil, podiam ser escolhidas, mas primos e parentes mais distantes, não.

O Estado não financiaria: a) famílias ou imigrantes solteiros que não satisfizessem aquelas condições; b) os que declarassem sua intenção de se estabelecer em outro Estado que não São Paulo; c) aqueles que já tivessem anteriormente recebido passagem paga para o Brasil e mais tarde retornado à sua terra natal.

A companhia comprometeu-se a repatriar às suas próprias custas quem não satisfizesse às exigências dentro de trinta dias após a chegada do indivíduo ao Brasil. Já o Estado comprometia-se a pagar as passagens seguindo os seguintes critérios: a) passagem inteira para as pessoas elegíveis de doze anos de idade ou mais; b) meia passagem para crianças de sete a onze anos; c) um quarto de passagem para as de três a seis anos; d) crianças abaixo dos três anos de idade tinham transporte grátis.

Os subsídios para transporte propiciaram ao Estado um considerável controle sobre as ocupações que os imigrantes deviam exercer depois da sua chegada a São Paulo.

De 1889 ao início do século seguinte, chegaram quase 750.000 estrangeiros a São Paulo, dos quais 80% eram subsidiados pelo Governo. De 1886 a 1934, entraram quase 2.250.000 imigrantes, comparados a uma população-base de 1.250.000 habitantes em São Paulo, em 1886. Cerca de 58% dos imigrantes naquele período foram subsidiados pelo Estado. A imigração para São Paulo representou sozinha, 56% dos 4.100.000 imigrantes que entraram no Brasil de 1886 a 1934.

Há muito que a imigração para São Paulo tem sido identificada com os italianos. Embora seja certo que constituíam o maior grupo de uma única nacionalidade, os italianos representaram 46% de todos os imigrantes no período de 1887 a 1930. Durante a transição para o trabalho livre e o subseqüente surto cafeeiro, os italianos na verdade predominaram, representando 73% de todas as chegadas de 1887 a 1900. Durante o período de 1887 a 1900, a Espanha forneceu 11% dos imigrantes de São Paulo, Portugal 10% e outros países, 6%. De 1901 a 1930, a distribuição de nacionalidades foi mais diversificada. A proporção de italianos caiu para 26%, a de espanhóis subiu para 22%, a de portugueses subiu para 23% e as outras nacionalidades alcançaram 28%. Desta última categoria, o mais importante grupo de uma única nacionalidade foi o de japoneses, que começaram chegando em pequeno número, em 1908, e se transformaram numa corrente contínua após 1917. No período entre 1911 e 1930, mais de 96.000 japoneses foram para São Paulo. O Japão, dessa forma, seguiu a Itália, a Espanha e Portugal como a mais importante fonte de força de trabalho para as fazendas de café.[*7]

De qualquer maneira, durante a Primeira República, continuam a existir as duas correntes de imigração para o Brasil: uma promovendo o povoamento de áreas escassamente povoadas por meio de estabelecimento de pequenas propriedades – herança imperial – e outra fornecendo braços para a grande lavoura do café.

Neste contexto, a colonização em São Paulo diferencia-se das outras regiões do Brasil. Primeiro, ela privilegia os trabalhadores rurais e não incentiva a propriedade da terra para os imigrantes; segundo, não se construíram colônias etnicamente homogêneas como ocorreu, por exemplo, no Sul do país; terceiro, pequenas propriedades surgem na periferia dos grandes latifúndios de café muito depois de iniciado o processo migratório; e por último, os subsídios estaduais para atrair imigrantes resultaram no maior contingente de imigrantes para o Estado paulista.[*8]

Os Núcleos Coloniais

“Braços para a lavoura.” Esse foi o slogan que orientou a política de imigração de São Paulo, a partir do declínio da escravatura até o final da década de 1920.

Mesmo nos melhores tempos, o trabalho de um colono de café era muito penoso. Os fazendeiros mantinham um controle estrito sobre a rotina diária dos trabalhadores. O cuidado médico não existia e quando era extremamente necessário, era caro. Poucas escolas eram mantidas para colonos. Em muitos casos, sofriam violência física, recebiam salários reduzidos por multas e tinham que pagar preços exorbitantes por gêneros essenciais nos armazéns das fazendas.

A elite paulista tentou ou não monopolizar a terra e limitar o desenvolvimento da pequena propriedade? Num primeiro momento, seria de se esperar que os fazendeiros se preocupassem com a mobilidade geográfica da força de trabalho e encarassem as oportunidades de pequenos sítios como uma competição indesejada para atrair e reter colonos. Também devemos considerar que as instituições governamentais, que eram responsáveis pela vinda e distribuição dos imigrantes como mão-de-obra, não tinham interesse em torná-los lavradores independentes, pois isso representaria uma ameaça ao principal objetivo dos subsídios, que era a mão-de-obra para a lavoura cafeeira. No entanto, a pequena propriedade – depois da Abolição da escravatura – começou a ser vista como uma solução para o problema de força de trabalho do café nos períodos de entressafras, onde não era necessário arregimentar todos os lavradores. Essa medida apresentou-se como uma boa alternativa às pequenas propriedades e aos colonos independentes, e não como uma competição indesejável.

Esta alternativa para o sistema de colonato foi conhecida em São Paulo como o Plano do Viveiro, seguindo a mesma lógica adotada com os pés de café, ou seja, o viveiro fornecia mudas para substituir os cafeeiros que a doença ou a velhice tornavam improdutivos ou pés para serem plantados nos novos cafezais. O viveiro referia-se a uma fonte local de mão-de-obra, a que os fazendeiros de café podiam recorrer quando necessário. O propósito dos fazendeiros e das autoridades governamentais era o suprimento de mão-de-obra estável e com baixos custos e, ao mesmo tempo, atendiam às necessidades dos imigrantes europeus, que poderiam fixar-se como lavradores independentes.

Para incentivar as pequenas propriedades em terras particulares, o Estado atuou diretamente em projetos que substituíssem ou até mesmo complementassem o sistema de colonato para o de viveiros de trabalhadores. O principal projeto foi o programa de núcleos coloniais, estabelecendo-se colônias de pequenos sítios sob a tutela direta do governo.

Com os núcleos das décadas de 1880 e 1890, estabeleceu-se um padrão que o Estado seguiu no século XX. O governo adquiria terras marginais, muitas vezes de solo fraco, não apropriado para o café. Essas terras pertenciam a fazendeiros endividados. A Secretaria de Agricultura inspecionava a área e delimitava os lotes, que variavam entre dez e quarenta hectares, metragem considerada suficiente para sustentar as famílias de imigrantes. O Estado, então, nomeava um administrador, que ficava responsável pela ajuda aos recém-chegados e pelo registro dos pagamentos dos lotes feitos pelos colonos, além de orientar nos trabalhos comuns, como a manutenção de estradas e a fiscalização do cumprimento de numerosas regras. Os imigrantes poderiam pagar esses lotes de acordo com vários planos, sendo o prazo de cinco a dez anos o mais utilizado.

Na passagem do século XIX, a solução de viveiros já se tornara parte da política oficial de imigração e trabalho em São Paulo. Cândido Rodrigues, Secretário de Agricultura, informou que, em 1899, a Comissão de Obras Públicas do Senado de São Paulo recomendou que fossem estabelecidos mais núcleos coloniais, “de modo a constituí-los em viveiros de trabalhadores para a grande lavoura” e serviriam para fixar o imigrante ao solo, à disposição da lavoura do café e ainda aliviariam o fazendeiro das obrigações de construir a sua custa casas para os colonos e de formar ou cercar pastos para as criações dos mesmos. Também em 1901, o governador do Estado, Rodrigues Alves, disse que era “preciso fixar o imigrante ao solo, mas é preciso fazê-lo de modo que ele fique ao alcance da grande lavoura, quando precisar do seu braço, e de maneira que os núcleos a serem fundados, pela sua situação, sejam viveiros de trabalhadores”. Essa parceria possibilitou a formação de vários núcleos.

Em 1904, Bernardo Avelino Gavião Peixoto, importante político dos fins do Império, herdara uma sesmaria colonial, conhecida como a Fazenda Cambuí, que se estendia à Oeste de Araraquara, numa área de quase trinta mil alqueires. Gavião Peixoto fez o acordo de doar três mil alqueires para o Estado e o governo comprometeu-se a comprar dele um adicional de três mil alqueires. A terra, toda constituída por áreas ociosas e marginais da propriedade, foi dividida em três núcleos distintos, inaugurados em 1907, cada um com cerca de 190 lotes rurais de vinte e cinco hectares.

Em 1905, mais um núcleo foi estabelecido. Um especulador havia comprado um trato de terra, perto de Rio Claro, numa venda hipotecária. Formou a Companhia Pequena Propriedade e subdividiu os 4.250 hectares em lotes rurais, mas teve dificuldades para financiar a empreitada. O Estado pagou cem contos de réis pela participação de 50% na sociedade e assumiu o controle administrativo. Metade dos lotes, em divisão alternada, passou a ser propriedade do Estado e a Companhia Pequena Propriedade reteve o restante. Daí nasceu o núcleo Jorge Tibiriçá, em homenagem ao então governador do Estado.

Também em 1905, o Estado abriu o núcleo Nova Odessa, no município de Campinas. Inicialmente, o objetivo era acomodar 380 judeus russos que tinham emigrado para o Brasil, mas, em 1909, o núcleo abriu-se para outras nacionalidades.

Em 1913, o ímpeto dado aos núcleos coloniais esmoecera e Paulo de Morais Barros, Secretário de Agricultura, estava desiludido com os resultados. O sistema, segundo Barros, baseava-se na suposição de que os recém-chegados queriam tornar-se lavradores independentes e precisavam de proteção especial e ajuda do Estado. Mas em vez de beneficiar novos imigrantes, “a experiência tem demonstrado que o povoamento dos núcleos se dá quase que exclusivamente pelos colonos que já têm pecúlio e experiência adquiridos no trabalho da grande lavoura”. Barros recomendou que não fossem estabelecidos mais núcleos, mas que, em seu lugar, medidas legais e administrativas tinham de ser usadas para tornar as terras públicas nas áreas de fronteira em expansão, referindo-se ao território recém-aberto ao longo da Estrada de Ferro Noroeste, acessível aos ex-colonos.

Os núcleos oficiais nunca representaram mais do que uma pequena parte do complexo agrícola de São Paulo e começaram a receber críticas dos fazendeiros. Em 1911, em Amparo, foi realizado um encontro de fazendeiros preocupados com a competição que os núcleos coloniais representavam. Afirmavam que ao invés de tornarem-se viveiros para a mão-de-obra sazonal, acabavam competindo com a lavoura cafeeira.

Do ponto de vista dos fazendeiros, os problemas eram: primeiro, sua localização, que raramente era ideal, pois muitas vezes os núcleos localizavam-se distantes das fazendas de café; segundo, o alto custo para operacionar os núcleos, como a construção de moradias, estradas de acesso e condições para fixar os imigrantes recém-chegados. Além destas queixas, o maior problema apontado pelos fazendeiros era a não obrigação contratual dos imigrantes de alugar seu trabalho para a colheita do café, ou seja, não existiam garantias de que os lavradores dos núcleos estariam ou não ocupados com suas próprias lavouras domésticas durante a colheita do café ou se os fazendeiros poderiam oferecer salários bastante altos para atrair trabalhadores sazonais ou até os colonos poderiam começar a ditar as condições sob as quais iriam colher o café.

No período de 1897 a 1911, os colonos também apresentavam suas dificuldades em estabelecer-se nos núcleos coloniais patrocinados pelo Estado. As colônias do Oeste Paulista ficavam em terras marginais e a maioria localizava-se em solos onde o café não se dava bem ou onde o ciclo do café estava entrando em declínio.

Mesmo com as reclamações apresentadas pelos fazendeiros e colonos, o Estado manteve vivo o seu programa de núcleos, primeiro objetivando a propaganda no exterior e segundo, para fornecer uma alternativa ao trabalho do colono. O Estado sabia que São Paulo mais tinha terra boa para café disponível do que realmente as utilizava, e que o solo fértil para o plantio do café era apenas uma pequena parte da área total do Oeste Paulista.

Em fins da década de 1920, com a proporção do imposto de exportação de café caindo na receita do Estado e as fontes não-subsidiadas de trabalhadores crescendo, o colapso da economia internacional atingiu São Paulo duramente logo após o término do programa subsidiado. Como resultado, os cafezais mais velhos foram abandonados, ocorrendo, conseqüentemente, uma retração na necessidade de mão-de-obra, gerando uma diminuição no fluxo de imigrantes e fazendo com que a economia regional entrasse num período de retração.

Bibliografia

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Bacharel e licenciada pela PUC/SP em história, pós-graduanda em História, Sociedade e Cultura pelo COGEAE/PUC e professora.
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HOLLOWAY, T. H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 68.
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