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Artigo publicado na edição nº 6 de outubro de 2005.
Uma burguesia de pés descalços: a trajetória do empresariado do calçado no interior paulista[*]

Agnaldo de Sousa Barbosa

Em um texto escrito há quase três décadas, o sociólogo José de Souza Martins demonstrava certo pessimismo com a evolução dos estudos acerca do processo de industrialização no Brasil, expresso nas seguintes palavras: “Apesar de todos os esforços, a história e a análise histórico-concreta da industrialização brasileira ainda estão por ser feitas. De fato, temos hoje, infelizmente, mais interpretação e generalização do que a pesquisa empírica realizada permitiria”.[*1]

Por mais que tenham avançado as discussões acerca do tema, passados quase trinta anos, o conteúdo crítico de tal ponderação não perdeu totalmente a razão de ser. Desde meados da década de 1970, uma idéia vem sendo bastante difundida na bibliografia que trata do tema da industrialização brasileira e de outros assuntos que lhe são adjacentes: a concepção de que o capitalismo industrial não tenha conhecido no país as fases do artesanato e da manufatura, ingressando já na etapa da grande indústria. Na análise dos que advogam tal interpretação, a característica tardia do capitalismo brasileiro impôs a grande indústria como padrão necessário às exigências do momento histórico em que emergiu a indústria nacional; ao surgir já na fase monopolista do capitalismo mundial, a indústria brasileira teve como imperativo a sua organização em grandes empreendimentos, sob pena de sucumbir facilmente à concorrência dos produtos importados, aos gigantescos trusts internacionais. Ainda de acordo com esta interpretação, embora a pequena indústria artesanal tenha sido uma realidade presente até as últimas décadas do século XIX, ela acabou por desaparecer, pois a competição em condições altamente desvantajosas com os novos conglomerados industriais acarretou uma espécie de seleção natural entre as unidades fabris. As interpretações que seguem essa linha[*2] derivam da tese consagrada por Sérgio Silva, a qual, partindo do exame crítico dos censos industriais de 1907 e 1920, procurou demonstrar, por meio de evidências estatísticas, a carência de legitimidade das análises que enfatizavam a predominância das pequenas empresas industriais voltadas para os pouco significativos mercados locais e regionais no período da hegemonia cafeeira. Conforme Sérgio Silva se esforçou em comprovar, no Brasil, a atividade fabril já nasceu tendo na grande indústria o seu principal sustentáculo econômico; tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo, as grandes empresas concentravam a maior proporção do capital aplicado na indústria e também empregavam a maior parcela dos operários fabris.[*3]

A partir do estudo de Sérgio Silva, a idéia da desvinculação do artesanato da evolução posterior da indústria, assim como o enfoque central na prevalência do grande capital, mesmo quando há fortes indícios de que ele não está presente em alguns contextos, parece ter se tornado requisito básico para o estudo do processo de desenvolvimento industrial seja qual for a realidade a ser analisada.

Contrariando esta perspectiva, em pesquisa recente na qual procuramos vislumbrar a origem dos empresários fabris em Franca – tradicional centro produtor de calçados no interior paulista –, optamos por não partir de uma explicação estabelecida a priori para o caso em questão, mas pela construção de um intenso diálogo com a documentação disponível. Neste sentido, buscamos nos valer de um corpus documental tanto farto quanto diversificado, do qual constaram livros de registro comercial, inventários, financiamentos industriais, falências, processos criminais (especialmente os referentes à usura), hipotecas e habilitações de crédito, além de jornais e revistas locais e de circulação nacional, revistas especializadas do setor e entrevistas com empresários e executivos ligados ao segmento. Tendo a teoria como instrumento, não como fundamento, observamos que essa indústria teve como característica marcante a evolução gradativa da fase artesanal, passando à manufatureira, para depois de quase meio século começar a alcançar o estágio da grande indústria. Encontramos a origem do empresariado do calçado em modestos empreendimentos iniciados por artesãos e pequenos comerciantes.

Em Franca, o grande capital esteve ausente da formação da indústria do calçado, somente se fazendo presente a partir dos anos 1970, quando o setor já se encontrava plenamente consolidado no município. Se utilizarmos parâmetros de análise semelhantes aos empregados por Sérgio Silva para classificar as empresas nos censos de 1907 e 1920, veremos que até mesmo as médias empresas são pouco expressivas no período inicial de desenvolvimento da estrutura industrial em questão.

Examinando o Censo de 1907, Silva chama de grandes empresas aquelas constituídas com capital de 1.000 contos de réis (equivalente a 64 mil libras) ou cem ou mais empregados. Em 1920, se considerarmos a equivalência em libras para o valor proposto, o coeficiente de capital exigido para a classificação na categoria de grande empresa seria de cerca de 1.440 contos.[*4] Pensamos que o coeficiente de trabalhadores proposto por Sérgio Silva como uma das variáveis para a definição de grande empresa seja questionável, pois, em muitos casos, tal número pode não refletir a realidade da grande indústria, caracterizada pelo alto nível de mecanização, mas a de estabelecimentos de natureza manufatureira, nos quais há emprego intensivo de mão-de-obra.[*5] Assim, em nosso estudo, optamos por privilegiar o capital aplicado como fator de classificação dos empreendimentos fabris, por considerarmos que este seja o elemento que melhor expresse o componente fundamental da indústria moderna representado pela maquinaria; todavia, não desprezamos o contingente de operários como fator complementar na demonstração de nossa hipótese de trabalho.

Tomamos como referência o ano de 1920, haja vista ser na década que se segue a tal ano o momento histórico de surgimento de um maior número de empresas, assim como de aparecimento das fábricas que constituíram a base local da indústria do calçado. Levando em conta o fato de que muitas vezes o capital declarado nos registros não traduz a situação real das empresas, e que o setor calçadista tem como característica o emprego menos intensivo de capital se comparado a outras indústrias, utilizamo-nos de valores bastante inferiores aos estipulados por Silva (1976): classificamos como grandes aquelas empresas cujo capital era igual ou maior a 500 contos, como médias as que apresentaram capital entre 100 e 500 contos e como pequenas as que tiveram capital inferior a 100 contos.

Note-se no gráfico abaixo a inexistência da grande empresa entre os 33 estabelecimentos fundados em Franca entre 1900 e 1940, embora tenhamos estipulado um valor correspondente a quase um terço do valor definido por Sérgio Silva para esta categoria.[*6]

Capital inicial das empresas calçadistas registradas entre 1900 e 1940
Fonte: AHMF[**] – Livros de Registro de Firmas Comerciais do Cartório do Registro Geral de Hipotecas e Anexos de Franca-SP

Das duas empresas que poderíamos classificar como médias no gráfico acima, uma é a “Calçados Jaguar” e a outra, a “Calçados Peixe” (Honório & Cia.). Em valores corrigidos, o capital da primeira chegava à cerca de 220 contos e o da segunda a pouco mais de 100 contos. Cabe aqui um breve comentário sobre ambas. A “Calçados Jaguar” teve um tempo de vida bastante curto: funcionou entre 1921 e 1926. Das empresas pioneiras, que sobreviveram aos anos 1930/40 e se firmaram como estabelecimentos importantes, a “Calçados Peixe” é seguramente um exemplo singular. Tendo à frente, em seu início, um homem de posses como Claudomiro Honório da Silveira, cinco anos após sua fundação, a Peixe incorporou Hercílio Baptista Avellar, seu gerente de oficina, como sócio de indústria;[*7] em 1943, com a saída de Silveira da sociedade, Avellar assumiu o comando da empresa juntamente com Abílio Altafim, mudando a razão social da empresa para “Avellar & Cia.”. Tem-se aí, a saída de cena de uma figura certamente de origem burguesa para a entrada, em posição de destaque, de outra de origem operária. Se tivéssemos nos deixado guiar pela lógica da superioridade do grande e médio capital a eliminar pela competição desigual os negócios dos empreendedores mais modestos, poderíamos ser levados a pensar que as demais empresas que compõe o Gráfico 1 não passaram de pequenas fábricas que sucumbiram à concorrência com a Jaguar ou a Peixe – ou mesmo com os estabelecimentos mecanizados surgidos nas duas décadas seguintes. Tal conclusão mostrar-se-ia equivocada. As fábricas “Spessoto”, “Palermo”, “Mello” e “Edite” (futura Samello), todas elas constituídas com capitais inferiores a 30 contos não apenas sobreviveram como se tornaram, juntamente com a “Calçados Peixe”, as mais importantes empresas locais a partir dos anos 1940/50. Estas cinco empresas formaram a base da indústria calçadista local no momento histórico em que ela se firmou como força econômica além do nível local.

Mesmo se considerarmos os setenta anos entre 1900 e 1969 – ou seja, todo o período de origem, evolução e consolidação da indústria do calçado de Franca –, chegando até a época em que se iniciou a fase exportadora, não encontraremos uma presença significativa de empreendimentos iniciando seus negócios já como médias empresas; pelo contrário, sua presença é insignificante. Analisando o capital inicial das 562 fábricas de calçados registradas em Franca nas sete primeiras décadas do século XX, constatamos o evidente predomínio das empresas que iniciam suas atividades de maneira bastante modesta. Optamos pela conversão em dólar dos capitais em questão, por se tratar de um período muito longo e marcado por várias mudanças da moeda nacional. Tomamos por base para a nossa classificação o valor em dólar do parâmetro anteriormente estabelecido, isto é, a equivalência em moeda norte-americana dos valores em contos de réis. Assim, de acordo com o ano de referência – 1920 –, se estabelecemos 500 contos de capital como a definição de uma grande empresa, em dólar tal parâmetro será, segundo a média cambial, de US$ 110 mil; para as médias, entre US$ 22 mil e US$ 110 mil, e as pequenas abaixo de US$ 22 mil.[*8]

Capital inicial das empresas calçadistas registradas entre 1900 e 1969
Fonte: AHMF – Livros de Registro de Firmas Comerciais do Cartório do Registro Geral de Hipotecas e Anexos de Franca-SP

Quando comparamos os números das principais fábricas de calçados da capital com as de Franca em 1930, constatamos a grande disparidade existente entre os dois casos. Empresas paulistanas fundadas no início do século XX, como a “Cia. de Calçados Clark”, que contava com 7.800 contos de capital e 430 operários, constituem exemplo nesse sentido; a “Cia. de Calçados Bordallo” empregava 197 operários e um capital de 7 mil contos; a “São Paulo Alpargatas C.o” possuía 123 funcionários e capital de 1.762 mil contos. No interior, a “Cia. de Calçados Flora”, de Rio Claro, com capital de 500 contos e 42 funcionários, parece ter sido a maior no ramo de calçados. Estas e outras possuíam requisitos suficientes para serem classificadas como grandes empresas. Com efeito, àquela época, a maior fábrica de Franca, a “Honório & Cia” (Calçados Peixe), possuía capital de 80 contos e 16 funcionários. A segunda maior, a “Calçados Maniglia”, contava com capital de 70 contos e 31 operários; a “Palermo” e a “Spessoto”, importantes na fase de consolidação, contavam, respectivamente, com 40 e 17 contos de capital e 6 e 15 operários cada uma. Na “Mello”, a terceira maior em meados dos anos 40, o número de operários não chegava a duas dezenas e o capital perfazia apenas 20 contos. Com exceção da fábrica de João Amélio Coelho, cujo capital era de 50 contos e possuía 25 funcionários, mas que não alcançou o segundo qüinqüênio da mesma década, em todas as outras, o capital investido não ultrapassava 10 contos e o número de operários não chegava a uma dezena.[*9] Como se vê, tanto no que diz respeito ao capital, quanto ao número de operários, as fábricas locais apresentavam números bastante modestos nos anos que se seguiram ao seu aparecimento.

Diante do quadro acima retratado, parece bastante provável que, com exceção da “Calçados Peixe”, todas as outras empresas mencionadas tenham iniciado suas atividades nos quadros de uma estrutura ainda artesanal. Quando analisamos o provável poder de aquisição de maquinário por parte de tais empresas, verificamos que, na maioria dos casos, seus capitais iniciais eram insuficientes para a obtenção do equipamento necessário a uma produção minimamente mecanizada. Para a realização deste cálculo, estabelecemos como parâmetro uma estrutura mínima em termos de maquinário[*10] e nos valemos das importâncias atribuídas ao valor das máquinas arroladas na falência da “Calçados Jaguar” (1926) para chegar ao quantum médio a ser despendido na sua compra. Desconsideramos o fato de que os valores conferidos ao equipamento da massa falida estivessem depreciados em razão de se tratar de maquinário usado, pois trabalhamos com a hipótese de que também fosse possível adquirir no mercado máquinas usadas, como era comum no setor.[*11] Deste modo, tendo 1926 como ano base, chegamos ao valor de 20 contos de réis como o montante médio necessário à compra do equipamento essencial à mecanização mínima do processo de produção de uma empresa de calçados. Para a correção deste valor nos anos anteriores e posteriores, utilizamos o índice de preços por setor de atividade (indústria) elaborado pelo IBGE.[*12]

Considerando que em 1922 fossem necessários 14:480$000 para a aquisição do maquinário acima descrito, podemos dizer que a “Calçados Palermo”, iniciada naquele ano com capital de 5:000$000, estava longe de possuir uma produção minimamente mecanizada. Cinco anos depois, já com capital de 30 contos, é provável que tenha alcançado tal condição. No caso da “Calçados Spessoto”, os cinco contos de capital com os quais contava quando surgiu em 1924 estava bastante distante dos 17:920$000 necessários para se equipar. Um qüinqüênio mais tarde, não obstante ter mais que triplicado seu capital, perfazendo 17 contos, ainda não alcançava os 19:360$000 de que precisaria para mecanizar minimamente a empresa. Quanto a “Calçados Mello”, fundada em 1929, a menos que tivesse comprometido quase todo o seu capital de 20 contos na compra de maquinário, também podemos deduzir que não foi iniciada com um nível mínimo de mecanização. Em 1934, quando o capital da empresa atingiu a cifra de 100 contos, é certo que tenha ampliado sua mecanização. No que diz respeito a “Calçados Edite” (futura Samello), sabemos que seu capital de 25 contos, quando foi fundada em 1935, seria suficiente para a aquisição de um equipamento orçado em cerca de 19:260$000. Com efeito, o memorial da empresa relata que àquela época, seu proprietário, Miguel Sábio de Mello, “compra as primeiras máquinas nas quais aprende trabalhar rapidamente e que são em maior parte operadas por ele mesmo”.[*13] Como se vê, a separação entre trabalhador e os meios de produção, característica fundamental da superação da fase artesanal, não era uma realidade nos primeiros anos desta que é hoje uma das maiores e mais importantes empresas do setor calçadista brasileiro; seguramente, não era uma realidade também nas outras.

A teoria marxista corretamente prevê que a concentração do capital constitui uma “das leis imanentes da própria produção capitalista”, gerando uma situação em que “cada capitalista elimina muitos outros capitalistas” uma vez que o desenvolvimento das forças produtivas se torna mais visível.[*14] Em Franca, porém, a modernização da indústria do calçado não engendrou efeitos dessa ordem que pudessem se evidenciar na seleçãodos competidores. Pelo contrário, mesmo após 1945, momento em que, com o fortalecimento das indústrias “pioneiras”, o surgimento das grandes empresas começou a se esboçar, não observamos um processo significativo de concentração de capitais entre os empreendimentos locais. Prova disso é o fato de que, das 497 empresas registradas nos vinte e cinco anos entre 1945 e 1969, apenas cinco (1%) iniciaram suas atividades já como empresas de médio porte.

Diante desse quadro peculiar, não acreditamos que seja equivocado pensar que, no contexto da indústria do calçado, que é periférica do ponto de vista do capitalismo industrial, tenha havido a possibilidade, pelo menos em seus primórdios, de pequenos artesãos e operários se converterem em outro ser social que não o proletário propriamente dito.

Marx e Engels, no Manifesto Comunista, negam a probabilidade de camponeses e artesãos sobreviverem como tais no capitalismo moderno, “em parte porque seu capital diminuto não basta para a escala na qual a indústria moderna é levada avante (...) e, em parte, porque suas especializações se tornaram inúteis com os novos métodos de produção”; o resultado disso é que “todos eles se afundam, gradualmente, no proletariado”.[*15] Todavia, se pensarmos nas franjas do sistema, naqueles setores onde as configurações mais modernas do capital não se fizeram sentir de modo profundo, julgamos ser razoável supor que haja lugar para a manutenção de possibilidades já extintas no capitalismo avançado como, por exemplo, a ascensão social a partir das habilidades e do esforço pessoais, tendo em vista o fato de que, nestes casos, a concorrência com o capital em suas formas mais avassaladoras não constitui ainda uma realidade imediata. O caso da origem da indústria e do empresariado do calçado em Franca parece se adequar a esse raciocínio.

Vimos que não é possível conceber o empresariado do calçado como grupo social cujas raízes históricas remontam ao grande capital e, no limite, até mesmo ao médio capital. Como fica claro, o processo local se distingue das interpretações correntes acerca da formação da indústria e, por extensão, da burguesia industrial no Brasil.

Nossa constatação de que o núcleo original do empresariado calçadista deriva da atividade de artesãos/sapateiros e, em menor grau, do pequeno comércio, confronta a interpretação dominante, que vincula o surgimento da burguesia industrial ao grande capital cafeeiro e, por outro lado, também se choca com a análise crítica dessa visão, que considera a classe média como matriz social dos empreendedores fabris paulistas.[*16]

Tampouco podemos dizer que a origem do empresariado local possui ligação com uma “burguesia imigrante”, interpretação que também ganhou força nos anos 1970 após a publicação de A Industrialização de São Paulo por Warren Dean.[*17] Em que pese a pertinência pontual de tais interpretações, as generalizações por elas apresentadas estão longe de contemplar o caso por nós investigado. Entre as dez maiores fábricas de Franca em 1945, oito tinham à sua frente proprietários ou sócios de ascendência italiana ou espanhola. Teriam eles origem nos quadro do que poderíamos chamar de uma “burguesia imigrante”? Pelo contrário, conforme veremos a seguir, tanto os italianos como os de procedência espanhola, segunda comunidade estrangeira mais importante, eram todos homens de origem modesta. Examinemos agora as origens destes homens.

A maior das dez fábricas em 1945, a “Calçados Palermo”, teve origem na oficina de sapateiro – com pequeno comércio de calçados anexo – iniciada em 1922 por João Palermo, então com 30 anos, italiano de Basilicata, com o exíguo capital de cinco contos de réis, o equivalente à época a US$ 720. Dez anos mais tarde, em 1932, o capital da empresa havia subido a 40 contos (cerca de US$ 3,170) e contava apenas com 6 funcionários.[*18] Como se pode perceber, a evolução do empreendimento foi lenta e, mesmo uma década depois, João Palermo permanecia como pequeno empresário.

A “Calçados Spessoto”, quarta maior em 1945, foi iniciada em 1924 pelo oficial de sapateiro Pedro Spessoto com cinco contos de réis, o equivalente a apenas US$ 550. Quase dez anos depois, em 1933, o capital da empresa era ainda de 37 contos (cerca de US$ 3,240), saltando para 200 contos em 1934 (cerca de US$ 17,500). Subtende-se, dessa surpreendente elevação de capital, que a empresa tenha sido significativamente modernizada, pois o número de operários aumentou de 16 para 42.

Em 1928, Spessoto adquiriu um pequeno curtume, o Santa Cruz, e possivelmente a ampliação da empresa tenha a ver com o aumento dos lucros, já que expandiu sua área de atuação, assim como do fluxo de couros a sua fábrica.

A origem humilde de Pedro Spessoto é notória. Nascido em 1888, na cidade paulista de Araras, em uma família de sete irmãos, ficou órfão de pai aos 9 anos. Era filho do imigrante italiano Giuseppe Spessoto, natural de Treviso e trabalhador rural na fazenda Boa Vista, em Ribeirão Preto. O inventário de Giuseppe não apresenta nada além de meros 3:800$000, quantia em dinheiro correspondente a pouco mais de US$ 800 em 1897, quando faleceu.[*19] A infância difícil de Spessoto pode ser deduzida do fato de que nem mesmo o modesto pecúlio deixado pelo pai pôde ser usufruído pela família.

Em 1916, dezenove anos depois da morte do marido, Giovanna Freganezzi, mãe de Pedro Spessoto, reclamava na justiça para reaver o dinheiro do espólio, pois, tendo-o cedido ao filho mais velho para que montasse uma padaria, declarava: “até o presente o seu referido filho, Antonio Spessoto, não tem querido restituir esta importância para ser inventariada entre a suplicante e os mais herdeiros do casal”.

Em face das dificuldades, em 1901 Spessoto começou a trabalhar como ajudante na selaria e oficina de sapateiro de seu cunhado, Donato Ferrari, onde, dez anos mais tarde, foi admitido como sócio. Não há como negar que a atividade de artesão do couro esteja indelevelmente vinculada ao surgimento desta, que foi uma das maiores e mais importantes fábricas de calçados de Franca, tão expressiva que despertou a atenção do Grupo Vulcabrás, de capital franco-suíço, para o qual foi vendida na década de 1970,[*20] após a morte precoce do herdeiro da empresa, Yvo Spessoto, em 1971.

A terceira e a quinta maiores fábricas em 1945, respectivamente, a “Calçados Mello” e a “Calçados Samello”, tinham à sua frente dois irmãos filhos de imigrantes espanhóis: Antonio Lopes de Mello e Miguel Sábio de Mello. Apesar de irmãos, Antonio e Miguel tinham pais diferentes: o primeiro era filho do trabalhador rural Mariano Lopes Della Torre, do qual temos poucas informações, e o segundo de José Sábio Garcia, que veio para o Brasil em 1894, tendo trabalhado em fazendas de café no interior de São Paulo e Minas Gerais e também como limpador de trilhos da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro.[*21]

Antonio Lopes de Mello, irmão mais velho, foi operário da Jaguar e se estabeleceu como pequeno fabricante de calçados em 1929, em sociedade com o também ex-operário Luiz Ferro, com capital de vinte contos de réis (equivalente a US$ 2,500). Em 1932, com a saída de Ferro, seu irmão Miguel Sábio de Mello passou a fazer parte da empresa.

Os negócios se ampliaram e, em 1934, o capital chegava a 100 contos, momento em que a fábrica operava com 48 funcionários. Em 1935, Miguel se afastou da sociedade e montou sua própria fábrica, pequena, com menos de duas dezenas de operários e um capital de vinte contos (cerca de US$ 2,300).

Miguel Sábio de Mello começou sua vida profissional trabalhando nos cafezais da fazenda Santa Maria, em Conquista-MG, onde permaneceu até os 18 anos. Em 1922, se mudou para Franca e empregou-se como aprendiz na oficina do sapateiro Horácio Lima, onde permaneceu por cerca de dois anos. Depois disso trabalhou em outras oficinas, utilizando seu tempo livre para fabricar artesanalmente chinelos e sandálias com tiras de couro, em grande parte sobras da “Calçados Jaguar”. Em 1926, abriu sua própria oficina, com ajuda de um oficial sapateiro e dois aprendizes.[*22]

A origem modesta do fundador do grupo Samello, sapateiro saído do campo e alfabetizado somente aos 30 anos, em nada lembra à representação de uma “burguesia imigrante”; tampouco, pelo menos nos primeiros quinze anos da idade adulta de Miguel Sábio de Mello, sua trajetória profissional pode ser dissociada de um ofício manual.

Origem distante de uma “burguesia imigrante” tinham também outros três proprietários cujas empresas estavam incluídas entre as dez maiores em 1945.[*23]

Gildo Nalini, sócio da “A. Mota, Nalini & Cia. Ltda.”, a sexta maior, era filho do imigrante italiano Francesco Nalini. Malgrado não tenhamos encontrado informações específicas sobre o pai de Gildo Nalini, sabemos que tratava-se de família pobre, pois no inventário de sua mãe, datado de 1937, sete anos antes da fundação da fábrica, o único bem constante era uma casa no valor de 3 contos de réis, quantia insuficiente para quitar os 4 contos em dívidas do espólio a ser dividido entre nove filhos.

Antonio Maniglia, da “Calçados Maniglia”, sétima maior, era filho do italiano José Maniglia, seu sócio juntamente com seu tio Miguel Maniglia no início da empresa em meados dos anos 20 – pai, tio e sobrinho eram todos ex-operários da “Calçados Jaguar”. O contrato de sociedade anexo ao inventário de sua esposa demonstra que, no início da fábrica, seus rendimentos não se distinguiam muito do recebido pela maioria dos operários: com pró-labore de 300 mil-réis,[*24] seu ganho ficava abaixo do auferido por alguns trabalhadores qualificados do setor coureiro-calçadista.[*25] Não obstante as inúmeras dificuldades financeiras que sempre marcaram seu empreendimento, Antonio Maniglia manteve sua empresa em atividade até a sua morte, em 1975.[*26]

Luiz Puglia, proprietário da “Calçados São Luiz”, décima maior, não se diferencia dos outros dois industriais. Era filho do pedreiro Hermenegildo Puglia, italiano de Salerno, dono de patrimônio modesto e chefe de uma família de 10 filhos. Luiz Puglia iniciou sua empresa em 1942, com o exíguo capital de quatro contos. Sua duração foi curta, pois, em 1946, a fábrica foi vendida para a “Calçados Palermo”.[*27]

Dentre os oito empresários de origem imigrante, apenas Stélio Dante Pucci, sócio da “Thomaz Licursi & Cia.”, a oitava entre as dez maiores, pode ser qualificado como de procedência burguesa. Seu pai, Pedro Pucci, natural de Mongrassano, na Itália, era proprietário de mais de uma dezena de imóveis urbanos em Franca e foi o fundador do “Curtume Pucci”, juntamente com seu sobrinho Vicente Pucci, também grande proprietário urbano local. Pelo que se pode deduzir da leitura do inventário de Stélio Dante Pucci, seu investimento na indústria do calçado constituía um negócio ocasional em sociedade com seu cunhado Thomaz Licursi. A empresa nunca chegou a ter um porte considerável – tinha 20 funcionários em 1945, 75 em 1956 – e não sobreviveu aos anos 1960. Seu principal investimento era a “Pucci & Cia.”, indústria fabricante de solados de borracha, que deu origem a “Amazonas S/A – Produtos para Calçados”, atualmente maior empresa do setor na América Latina. O capital de Pucci nesse empreendimento era seis vezes maior que o investido na fábrica de calçados.[*28]

Se não podemos falar de uma “burguesia imigrante” como o grupo social de origem dos industriais do calçado, tampouco os de ascendência nacional tinham vínculos com os setores mais abastados da sociedade.

Os dois empresários restantes da relação das dez maiores empresas em 1945, Hercílio Baptista Avellar e Celso Ferreira Nunes, não vieram de famílias de posse ou mesmo da classe média. De Hercílio Baptista Avellar, proprietário da “Calçados Peixe”, a segunda maior e uma das poucas fábricas de calçados a já surgir como empresa de médio porte, seria difícil pensar que tivesse origem privilegiada. Seu pai, Urias Baptista Avellar, era enfermeiro da Santa Casa de Misericórdia local, profissão que exerceu até o momento de sua aposentadoria. Do inventário de Urias consta apenas a sua residência, um imóvel de pouco valor, único bem a ser dividido entre seus dez filhos. Nascido em 1888, Hercílio Baptista Avellar iniciou-se no ramo de couro e calçados em 1905, aos quinze anos, trabalhando na selaria mantida por Elias Motta, passando, depois de alguns anos, à empresa “Carlos Pacheco & Cia.”, que produzia selas, botinas e sapatões. Em 1919, Avellar foi beneficiado pelo estágio de alguns meses em fábrica de calçados na cidade do Rio de Janeiro, onde teve contato com maquinário moderno e se qualificou para exercer o cargo de gerente de oficina da “Calçados Jaguar”, de propriedade dos genros de seu antigo patrão Carlos Pacheco de Macedo.[*29] Ao que tudo indica, Avellar era um operário especializado e não um homem voltado aos negócios de ordem administrativa da empresa.

Já Celso Ferreira Nunes era filho de um sitiante local, cuja pequena propriedade rural, avaliada à época em sete contos, era seu único patrimônio.[*30] A julgar pelo capital aplicado na fábrica quando iniciou suas atividades em 1944 – 30 contos (cerca de US$ 2 mil) –, podemos concluir que também se tratava de pessoa de poucas posses.

Enfim, qual quadro social podemos vislumbrar quando pensamos na parcela mais expressiva do empresariado do calçado no momento histórico em que o setor começa a se consolidar em Franca? De acordo com o descrito acima, podemos afirmar com segurança que, dos cinco principais fabricantes, aqueles cujas empresas já havia alcançado a categoria de médias em 1945, todos, sem exceção, exerceram ocupação manual, como operário ou artesão, até no mínimo a idade de 30 anos. Destes cinco, três eram filhos de trabalhadores rurais imigrantes, ou seja, homens que exerciam profissão braçal.[*31] Quando consideramos o conjunto dos dez principais empresários, é certo que seis deles exerceram trabalho manual e em seis casos a ocupação do progenitor era braçal. Se ponderarmos que os referidos industriais iniciaram-se em seus ofícios por volta dos quinze anos de idade, o que de fato pode ser comprovado, podemos inferir que, em pelo menos um terço de sua vida produtiva, exerceram a atividade de artesão ou operário.

Mesmo nos momentos de maior desenvolvimento da indústria do calçado nos anos 1950/60, quando era de esperar uma certa seleção natural dos empreendedores em razão da previsível concentração de capital, tal dinâmica de mobilidade social continuou se reproduzindo.

A exemplo dos chamados “pioneiros”, indivíduos como Ruy de Mello – que em 1950 iniciou um pequeno negócio de “manipulação e conserto de calçados”, ou seja, uma oficina de sapateiro, cujo capital eram parcos Cr$ 3.000,00 (cerca de 160 dólares) – prosperaram e chegaram a se tornar proprietários de grandes e médias empresas.

Em fins dos anos 1960, o pequeno empreendimento de Ruy de Mello já havia se tornado uma sociedade anônima, a “Calçados Ruy de Mello S/A”, contando com capital de NCr$ 356.000,00 (em torno de US$ 76 mil) e 165 operários. Em 1968, um ano antes da abertura de seu processo de falência, consumado em 1971, a Ruy de Mello S/A havia sido responsável por um faturamento de NCr$ 2.244.220,00 (equivalente a US$ 660 mil), algo bastante significativo para uma indústria de calçados.[*32]

Da mesma forma, Nelson Martiniano, que em 1959 iniciou uma pequena fábrica com capital de Cr$ 50.000,00 (cerca de 490 dólares), deu origem a um grupo econômico (Grupo Martiniano) que, tendo se notabilizado pela fabricação de calçados para a multinacional Nike nos anos 1980, em 1992 possuía sua própria marca e contava com 2.200 funcionários e faturamento de US$ 80 milhões.[*33]

O percurso percorrido por Eurípedes Nocera é emblemático de uma ascensão gradativa. Em 1953, teve sua oficina de sapateiro – “Oficina Nocera” – registrada com capital de Cr$ 5.000,00 (cerca de 250 dólares). Em 1962, registrou a fábrica de calçados com capital de Cr$ 300.000,00 (cerca de mil dólares). Vinte anos depois, sua empresa, a “Calçados Vogue”, apresentava potencial de mercado para atrair o interesse da franco-suíça Vulcabrás S/A, para a qual foi vendida em 1982.[*34]

A evocação da teoria marxista lança luz ao nosso caso. De acordo com Marx, na manufatura, “complexa ou simples, a operação continua manual, artesanal, dependendo portanto da força, da habilidade, da rapidez e segurança do trabalhador individual, ao manejar seu instrumento. O ofício continua sendo a base”.[*35] Se, em muitos aspectos, mesmo em tempos de capitalismo industrial avançado, a indústria do calçado continuou apresentando – e ainda apresenta – características artesanais e manufatureiras,[*36] entendemos que o ofício, a habilidade manual, possa ser interpretado como uma porta de acesso ao “mundo empresarial” e a capacidade criativa como um importante fator a explicar o êxito do empresário do setor, já que, conforme amplamente ressaltado pela bibliografia, essa é uma indústria onde o volume de capital não é tão decisivo para o início do empreendimento. De um ponto de vista schumpeteriano, pensamos ainda que a competência em efetivar “novas combinações”[*37] que pudessem otimizar a capacidade de criação e produção deva ter sido fundamental para o sucesso das empresas analisadas.

Os casos aqui descritos comprovam nosso argumento de que na indústria do calçado, a possibilidade de ascensão de pequenos empresários, originários de famílias pobres, à condição de empresários não habita apenas o imaginário mítico elaborado pela ideologia burguesa.[*38]

Dentre as centenas de empresas criadas em Franca, considerando as de maior ou menor sorte, grande parte teve no ofício manual de seus fundadores o ponto de partida para o seu estabelecimento. Assim, resta-nos concluir que a formação do empresariado do calçado de Franca apresenta características bastante diversas do que temos como idéia geral do processo de gestação da burguesia industrial brasileira. A tradição interpretativa hegemônica que vincula a origem da indústria no Brasil ao grande capital, especialmente àquele advindo da cafeicultura, pressupõe a emergência de uma burguesia nativa originária da aristocracia rural, dos estratos superiores das elites terratenentes, formada sobretudo por seus membros envolvidos com o “alto comércio”.

Dessa forma, conforme destaca Nelson Werneck Sodré, ao contrário de sua congênere européia, “tributária da classe dominante”, a burguesia brasileira tem raízes na própria classe dominante, em uma elite senhorial de estirpe aristocrática. Para esse autor, nossa diferença básica em relação à Europa, no que diz respeito ao processo de gestação da burguesia, estaria no fato de que no Brasil não se verificou um “movimento ascensional” das camadas mais baixas da população a fim de compor esta que seria a classe dominante universal.[*39] Tal visão é corroborada, por exemplo, por Florestan Fernandes, que salienta que, nesse processo, é o fazendeiro de café quem “experimenta transformações de personalidade, de mentalidade e de comportamento prático tão radicais”, convertendo-se em “homem de negócios”.[*40]

A essência do empresariado que representa a indústria do calçado em Franca assemelha-se muito mais à formação burguesa original, européia, classe que Friedrich Engels definiu como uma “camada oprimida desde as suas origens, tributária da nobreza feudal dominante, recrutada entre servos e vassalos de toda espécie”.[*41] Talvez por estar associada a uma atividade fabril que por suas especificidades manteve traços característicos de estágios pretéritos do capitalismo industrial, a burguesia local tenha apresentado uma dinâmica de desenvolvimento congruente à fase primitiva da constituição da classe que forjou o moderno sistema mundial produtor de mercadorias denominado capitalista.

Conforme nos lembra Maurice Dobb, o “crescente predomínio de uma classe de mercadores-empregadores saídos das fileiras dos próprios artesãos” era para Marx “o caminho realmente revolucionário” dentre as formas de construção do domínio burguês.[*42]

Em Franca, o prosaico quadro de uma fração burguesa vinda dos “de baixo”, uma burguesia “de pés descalços”, encontra sua melhor representação na figura de Miguel Sábio de Mello, fundador da Samello, exemplo emblemático do empresário local, que “chegou na cidade descalço, como andava até então na roça”.[*43]

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É Mestre em História e Doutor em Sociologia pela UNESP. Atualmente é pesquisador do Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) junto ao IPES/NEIC/UNIFACEF. Foi professor colaborador do Departamento de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e da Universidade Estadual de Maringá (UEM). É co-autor, entre outros, de Dos Coronéis à Metrópole (Ed. Palavra Mágica) e Política e Sociedade no Brasil (Ed. Annablume). Contato: profag@terra.com.br
Este artigo é baseado nas considerações desenvolvidas na tese de Doutorado em Sociologia intitulada Empresário Fabril e Desenvolvimento Econômico: Empreendedores, Ideologia e Capital na Indústria do Calçado (Franca, 1920-1990), defendida em maio de 2004 na UNESP/Araraquara e que contou com o apoio da FAPESP.
Tal texto, intitulado “O café e a gênese da industrialização em São Paulo”, foi publicado originalmente em: Contexto, n. 3, São Paulo, Hucitec, julho de 1977. Posteriormente, foi republicado como um dos capítulos do clássico O Cativeiro da Terra (primeira edição, datada de 1979).
Ver, por exemplo, entre outros: CANO, W. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Campinas: IE/UNICAMP, 1998, 4a Edição; MELLO, J. M. C. de. O Capitalismo Tardio – Contribuição à Revisão Crítica da Formação e do Desenvolvimento da Economia Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1984, 3a Edição; PERISSINOTTO, R. M. Frações de Classe e Hegemonia na Primeira República em São Paulo. Campinas, 1991. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – IFCH/UNICAMP.
Cf. SILVA, S. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, pp. 86-87. Segundo Silva, em 1907, mais de 11 mil operários trabalhavam em empresas de São Paulo que empregavam, em média, quatrocentos operários e mais de três mil contos de capital. Na cidade do Rio de Janeiro, mais de 13 mil operários trabalhavam em empresas que empregavam, em média, quinhentos e cinqüenta operários e cerca de quatro mil contos de capital. Outros 15 mil operários trabalhavam em empresas do Rio e São Paulo com capital igual ou maior que mil contos e número de funcionários igual ou maior que uma centena. Em 1920, as grandes empresas (100 ou mais operários) empregavam 63% da mão-de-obra industrial do Rio de Janeiro e contavam com 73% do capital aplicado na atividade industrial. Em São Paulo, 65% dos operários fabris trabalhava em grandes empresas.
Cf. SILVA, S. Op. cit., p. 83. A equivalência em libras para o capital das empresas do Censo de 1907 é proposta por Sérgio Silva com base na média de câmbio do ano em questão. Como não há indicação de valores por Silva para o ano de 1920, utilizamos o mesmo procedimento de conversão pela taxa cambial média baseando-nos na tabela encontrada em: IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil: Séries Econômicas, Demográficas e Sociais de 1550 a 1988. Rio de Janeiro: IBGE, 1990, pp. 570-571, 2a Ed.
Em seu estudo acerca da estrutura e concentração industrial em São Paulo nos anos 1940/50, José Carlos Pereira sugere parâmetro que nos parece mais adequado para a definição de grande empresa: estabelecimentos que empregavam 500 pessoas ou mais, sendo consideradas médias aquelas com número entre 100 e 499 operários. Ao propor tal limite, Pereira (1967, p. 116) tem consciência de que o mesmo se acha superestimado e até chega a argumentar que “este poderia ser diminuído até 200 pessoas (sem dúvida um grande estabelecimento na maioria dos ramos)”; porém, para o autor, o coeficiente indicado apresentaria resultados mais confiáveis.
Para fins de atualização dos capitais, em razão dos quarenta anos analisados, optamos pela utilização do índice de preços por setor de atividade (indústria), tendo em vista o fato de que a constituição do capital das empresas subentende, sobretudo, a propriedade de bens de capital do setor industrial. Para a correção dos valores, consideramos como ano base 1939 (= 100). Para estes índices, ver: “Deflatores implícitos, por setor de atividade”. In: IBGE. Op. cit., p. 177.
Arquivo Histórico Municipal de Franca.
Sócio de indústria era geralmente aquele responsável técnico, sem compromisso com os interesses da parte administrativa. Hercílio Baptista de Avellar havia sido também gerente de oficina da “Calçados Jaguar” e sócio de indústria desta empresa.
Os valores de conversão são referentes à média cambial dos anos em questão. Para a conversão da moeda nacional em dólar, utilizamos as tabelas encontradas em ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana. Rio de Janeiro: Campus, 1990, pp. 388-412 e IBGE, Op. cit., pp. 570-571. Os índices de correção constam da tabela de Índices de Preço ao Consumidor (CPI), principal indicador de inflação nos Estados Unidos, elaborado pelo Bureau of Labour Statistics. Todos os valores em dólar aqui mencionado têm essas mesmas referências, tanto no que diz respeito à conversão monetária, quanto à sua atualização (deflacionamento).
Cf. Livros de Registro de Firmas Comerciais do Cartório do Registro Geral de Hipotecas e Anexos de Franca-SP e “Relação das Empresas Fabricantes de Calçados em Franca, Principais Fabricantes da Capital e Interior de S. Paulo: 1930”. In: TOSI, Pedro G.. Capitais no Interior: Franca e a História da Indústria Coureiro-Calçadista (1860-1945). Campinas, 1998. Tese (Doutorado em Economia) – IE/UNICAMP, Vol. II, Anexo V. Esta última fonte, baseada na Estatística Industrial do Estado de São Paulo, da Secretaria Estadual da Agricultura, Indústria e Comércio, foi utilizada com certo cuidado de interpretação e sempre cotejada com a primeira e também com outros documentos, como os inventários. Para alguns anos a relação omite empresas registradas há um tempo considerável, de acordo com os livros de Registro de Firmas Comerciais.
Contando com o auxílio de um técnico do setor, estabelecemos como parâmetro dessa estrutura mínima o seguinte maquinário: máquina para pesponto (8:557$100), máquina para chanfrar (2:500$000), máquina lixadeira (1:650$000), máquina-prensa para colagem de sola (3:638$000), máquina para prensagem de saltos (800$000), máquina para fresar (2:023$000), máquina para carimbar (762$000) e máquina de furar e pregar ilhoses (638$100). Os valores entre parênteses são os atribuídos a cada máquina no arrolamento efetuado na falência da “Calçados Jaguar”. O valor total corresponde a 20:568$500, o qual arredondamos para baixo para efeito de análise. Agradecemos a Helder da Silva Veríssimo o auxílio técnico no que diz respeito à questão da infra-estrutura necessária à fabricação do calçado.
Por outro lado, é importante lembrar que o expediente de se alugar máquinas para calçado não havia se tornado um fato entre as empresas de Franca até meados dos anos 1930, não obstante existir no mercado brasileiro desde o início do século XX, com a instalação da United Shoe Machinery Company no país. Em Franca, o primeiro registro deste tipo de relação comercial, envolvendo a mesma USMC, data de 1936.
Cf. IBGE. Op. cit., p. 177 (1939 = 100).
Cf. SAMELLO S/A. Memorial Samelo (Franca: 1898-1960). Franca: Samello, 2000.
Cf. MARX, K. O Capital – Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 881, Livro I, Vol. II.
MARX, K. & ENGELS, F. O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 21, 3a. Edição.
Principal nome da vertente que liga a classe média às origens da burguesia industrial brasileira, Luiz Carlos Bresser Pereira assinala, baseado em significativa pesquisa empírica realizada no início dos anos 1960, “que os empresários industriais do Estado de São Paulo, onde se concentrou a industrialização brasileira, não tiveram origem nas famílias ligadas ao café. Originaram-se em famílias imigrantes principalmente de classe média”. Cf. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Empresários, suas origens e as interpretações do Brasil. In: SZMRECSÀNYI, Tamás & MARANHÃO, Ricardo. História de Empresas e Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Hucitec; ABPHE; Edusp; Imprensa Oficial, 2002, pp. 146, 2a Edição.
Cf. DEAN, W. A Industrialização de São Paulo. São Paulo: DIFEL: EDUSP, 1971. De acordo com Dean, os imigrantes que se envolveram na atividade comercial e industrial eram de origem burguesa, muitos dos quais chegaram ao Brasil com alguma forma de capital: “economias de algum negócio realizado na Europa, um estoque de mercadorias, ou a intenção de instalar uma filial de sua firma”. No intuito de destacar esses indivíduos da massa de imigrantes que vieram para Brasil trabalhar nas lavouras de café, Dean os chama de “burgueses imigrantes”, cuja experiência e treinamento os predispunha a se dedicar à indústria ou ao comércio.
Todas as referências aos capitais das empresas baseiam-se, salvo outra indicação, nas informações dos livros de Registro de Firmas Comerciais do Cartório do Registro Geral de Hipotecas e Anexos de Franca e em TOSI, P. G., op. cit., Anexos.
Cf. AHMF – Inventário de Giuseppe Spessoto. Autos 126, Caixa 156, 1o Ofício Cível, 1897/1916. As informações profissionais acerca do inventariado foram obtidas em escritos do próprio inventário.
Cf. Revista Lançamentos – Máquinas & Componentes, Novo Hamburgo, Grupo Editorial Sinos, janeiro/1980, n. 19.
Cf. SAMELLO S/A. Op. cit.
As informações sobre Miguel Sábio de Mello têm como referência a indicação da nota anterior, a entrevista a nós concedida por seu filho, Oswaldo Sábio de Mello, em 24/07/2001 e 07/08/2001 e “Samello em sucessão: um legado com muito carisma” [Entrevista com Wilson Sábio de Mello]. In: Revista Lançamentos – Máquinas & Componentes, Novo Hamburgo, Grupo Editorial Sinos, jan/fev. 1990, n. 30, pp. 42-53.
Não obstante utilizarmos como parâmetro de classificação as “dez maiores empresas”, é importante ressaltar que apenas as cinco primeiras tinham porte significativo, podendo ser consideradas médias empresas. Da sexta à décima, eram todas pequenas empresas com capital entre Cr$ 30 mil (cerca de US$ 1,900) e Cr$ 110 mil (US$ 6,900) e média de duas dezenas de operários.
Cf. AHMF – Inventário de Maria Thereza Lopes Maniglia. Autos 1.394, Maço 100, Caixa 131, 2o Ofício Cível, 1951.
Segundo Pedro G. Tosi, o salário médio dos operários italianos que trabalhavam no “Curtume Progresso” era de cerca de 196 mil-réis. Todavia, os vencimentos de operários mais qualificados chegavam a 650, 700 e até mais de 800 mil-réis. Cf. TOSI, P. G. Op. cit., p. 182.
A julgar pelo o que foi manifestado por Antonio Maniglia no inventário de sua esposa (ver nota 48), as dívidas de sua empresa remontam a princípios dos anos 1930. Em 1951, data do inventário, declarou que vinha “pagando ou acomodando situações” referentes àqueles débitos. No seu próprio inventário, de 1975, em razão de o espólio ser objeto de várias ações de cobrança, foi solicitada a penhora dos bens de herança. Cf. Inventário de Antonio Maniglia. Autos 254, Caixa 45, 1o Ofício Cível, 1975.
Cf. Comércio da Franca, 31/03/1946, p. 4.
Cf. AHMF – Inventário de Stélio Dante Pucci. Autos 65, Caixa 252, 1o Ofício Cível, 1953 e Inventário de Pedro Pucci. Autos 1.405, Caixa 98, 2o Ofício Cível, 1939. De acordo com o seu inventário, a parte do capital de Stélio Dante Pucci investido na empresa “Thomaz Licursi & Cia.” era de Cr$ 10 mil (cerca de US$ 500); na “Pucci & Cia.” era de Cr$ 60 mil (equivalente a US$ 3 mil).
As informações acerca de Hercílio Baptista Avellar e suas origens baseiam-se em: AHMF – Inventário de Urias Baptista Avellar. Autos 13, Caixa 261, 1o Ofício Cível, 1938 e Comércio da Franca – Revista Comemorativa ao 1o Centenário de Franca, Franca, 1956, pp. 66-67.
Cf. AHMF – Inventário de Quirino Ferreira Nunes. Autos 872, Maço 43, Caixa 58, 2o Ofício Cível, 1914.
Conforme mencionamos anteriormente, não temos informações sobre a atividade exercida pelo pai de João Palermo.
As informações sobre o capital da empresa têm como fonte os livros de Registro de Firmas Comerciais do Cartório do Registro Geral de Hipotecas e Anexos de Franca, também válida para as demais citações sobre capitais das empresas entre 1900 e 1969, e os dados obtidos no balanço da empresa, documento anexo ao seu processo de falência. Cf. AHMF – Falência: Calçados Ruy de Mello S/A. Autos 125, Caixa 419, 1o Ofício Cível, 1969.
Cf. Entrevista de Galvão Martiniano a Cida de Paula. In: Lançamentos: Máquinas e Componentes. Novo Hamburgo: Editorial Sinos, set/out. 1993, n. 50, pp. 35-41.
Cf. AHMF – Livro de Registro Integral de Títulos, Documentos e Outros Papéis do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Franca. B-F, reg. 15.894, prot. 23.832/82, fls. 327.
Cf. MARX, K. O Capital., Op. cit., Livro I, Vol. I, p. 389 (Cap. XII: Divisão do Trabalho e Manufatura).
Achyles Barcelos da Costa ressalta, por exemplo, que a produção de calçados ainda “caracteriza-se por constituir um processo de trabalho de natureza intensiva em mão-de-obra, com tecnologia de produção que guarda ainda acentuado conteúdo artesanal. Assim, esta indústria apresenta elevado potencial de emprego, desempenhando importante papel na incorporação de mão-de-obra, inclusive não-especializada”. Cf. COSTA, A. B. da. Competitividade da indústria de calçados: nota técnica setorial do complexo têxtil. In: COUTINHO, L. G. et al. Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira. Campinas: FECAMP; MCT; FINEP; PADCT, 1993, pp. 01-02.
Segundo Schumpeter as “novas combinações” seriam inovações de ordem tecnológica e/ou organizacional que pudessem desencadear transformações significativas no desenvolvimento de determinada atividade. De acordo com o economista austríaco, “alguém só é um empreendedor quando realmente ‘empreende novas combinações’ e perde esta característica logo que estabelece negócios, quando os estabiliza, deixando-os correr, como outras pessoas”. Cf. SCHUMPETER, J. Teoria do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
Cf. MARTINS, J. de S. O Cativeiro da Terra. São Paulo: Hucitec, 1986, 3a Edição.
Cf. SODRÉ, N. W. História da Burguesia Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, 2a Edição (especialmente o primeiro capítulo).
FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil – Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Guanabara, p. 113, 3a. Edição.
Cf. ENGELS, F. Anti-Düring. Lisboa: Dinalivro, 1976, p. 224.
Cf. DOBB, M. Op. cit., p. 169.
Essa informação é dada por seu filho Wilson Sábio de Mello. Cf. “Samello em sucessão...”, op. cit., p. 43.