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Artigo publicado na edição nº 31 de junho de 2008.
ADALGISA NERY E A ÚLTIMA HORA:
DO JORNALISMO AO PARLAMENTO DA GUANABARA

Isabela Candeloro Campoi

O percurso profissional da escritora Adalgisa Nery mudou consideravelmente após iniciar sua carreira na Última Hora, em novembro de 1954. Ela conhecia Samuel Wainer, fundador do jornal, desde os tempos do Estado Novo (1937-1945) e publicava textos literários na Revista Diretrizes, idealizada e dirigida por Wainer. Num período bastante delicado da política nacional, Wainer mantinha como colaboradores figuras como Astrogildo Pereira – um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) –, Graciliano Ramos – opositor histórico do Estado Novo, além de Jorge Amado e Raquel de Queirós. Valendo-se da influência de Adalgisa Nery Fontes, o nome da escritora no conselho editorial “oferecia à revista algum tipo de segurança“, conforme afirma Wainer em suas memórias.[*1] Afinal, Adalgisa era casada com Lourival Fontes, chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP, órgão da ditadura Vargas responsável pela censura e pela propaganda governamental.

Já entre 1949 e 1950, como repórter do O jornal de propriedade de Assis Chateaubriand, Wainer publicou uma série de reportagens prevendo a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República. Por conta da repercussão positiva da notícia, Wainer iniciou estreita relação com o ex-ditador, que passou a chamá-lo sob a alcunha de “Profeta“. O jornal Última Hora surgia em junho de 1951, revelando seu caráter nitidamente getulista.

Durante o governo democrático de Vargas (1951-1954), o casal Fontes ressurgiu no centro das articulações políticas e dos eventos sociais. Lourival foi nomeado chefe do gabinete civil da presidência e Adalgisa Nery atuou no assistencialismo social, também como presidente do Serviço de Assistência ao Menor.

Nessas circunstâncias de envolvimento com a Era Vargas, a admiradora da personalidade – do homem público e do estadista Getúlio Vargas – desabrochava. O nacionalismo, tão forte e característico nos textos da jornalista Adalgisa Nery, tinha suas bases fincadas nessa sua experiência.

Os anos que antecederam à morte de Vargas foram marcados por acusações acirradas nas páginas dos jornais. Na tentativa de atingir o presidente, tanto a Última Hora quanto Samuel Wainer, um “outsider“ entre os donos de jornal, foram alvo de intensas críticas. O jornal era constantemente identificado pela imprensa oposicionista como um órgão a serviço do comunismo. Da mesma forma, a Última Hora foi acusada de favoritismo nos empréstimos concedidos pelo Banco do Brasil, incitando um caso atípico na imprensa brasileira: a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI.[*2] Já Wainer foi acusado de não ter nascido no Brasil – o que o impediria de ser proprietário de um veículo de imprensa. O atentado contra o então jornalista Carlos Lacerda foi ponto crucial na intriga política. A imprensa comportou-se como personagem decisiva na crise que culminou no suicídio do presidente Vargas.

Os reflexos dessa situação podem ser identificados na violenta reação popular manifestada contra as sedes de periódicos e estações de rádio que se opunham a Vargas no Rio de Janeiro. Com a bombástica manchete publicada à pedido de Getúlio: “Só morto sairei do Catete”, o único jornal que circulou no dia 24 de agosto foi a Última Hora.

Em meados de 1954, já com o casamento desfeito, Adalgisa enfrentava dificuldades e encontrou no velho conhecido, Samuel Wainer, a possibilidade de iniciar nova empreitada profissional. A coluna Retrato sem retoque estreou no dia 5 de novembro de 1954 e logo ganhou o caderno principal do jornal.

Tratando de questões ligadas à política e à economia, já nos primeiros artigos, Adalgisa Nery explicitou sua principal linha jornalística: denunciar personalidades públicas e atitudes políticas que considerava “entreguistas“. O discurso nacionalista foi a principal marca da coluna Retrato sem retoque e Adalgisa Nery encontrou no jornal de Samuel Wainer espaço propício para defender suas idéias. Jornal e jornalista identificavam-se como herdeiros políticos de Vargas.

Nas datas de nascimento e morte de Getúlio Vargas, 19 de abril e 24 de agosto, respectivamente, Adalgisa rememorava a figura do presidente valendo-se de linguagem poética. Não raro ela citava trechos dos discursos de Vargas em seus artigos, e a carta-testamento deixada por ele, genuíno manifesto nacionalista, foi muitas vezes referenciada e citada.

Uma evidência da importância que a coluna adquiriu foi a reunião política organizada por Adalgisa Nery em seu apartamento, ainda em 1954. Noticiado na capa de Última Hora em 23 de dezembro, o jantar reuniu convidados ilustres, como deputados, senadores, ministros, militares e jornalistas que discutiram a situação política brasileira e a sucessão presidencial. Políticos de diversidade partidária foram focados pelas lentes do fotógrafo num ambiente de descontração e debate. Sobre a anfitriã, o jornal afirmou que “Adalgisa Nery presidia com seu encanto pessoal, participando das conversas e não escondendo jamais sua opinião. A única dama era a ‘hostess’; e em meio a tantas personalidades de destaque, víamos a nossa prezada poetisa, ora transformada em vibrante jornalista.”

Se o encontro revelou a notoriedade da estreante jornalista, as críticas diretas que Adalgisa Nery fazia nominalmente em sua coluna causou-lhe inúmeras inimizades. Valendo-se de metáforas, expressões irônicas e linguagem figurativa, tecendo tanto elogios como críticas aos setores políticos, tais como deputados, ministros de Estado, diretores de empresas estatais e militares, a coluna de Adalgisa Nery adquiriu popularidade.

Conforme afirma Samuel Wainer em suas memórias, “a seção transformou-se rapidamente numa das coqueluches da Última Hora. Adalgisa era uma mulher dura, quase perversa, e tinha um estilo extremamente forte (...) Adalgisa agredia meio mundo com uma violência incrível, tratava militares a pontapés, demolia políticos, sempre se valendo do jargão nacionalista e getulista (...) Muitos a adoravam, outros tantos a odiavam.“[*3]

Um de seus principais desafetos foi o poderoso dono dos Diários Associados. No artigo Arranjos políticos, de 11 de janeiro de 1955, Adalgisa afirmou que o cargo de Assis Chateaubriand no Senado havia sido conquistado através de uma intrincada transação com senadores do Maranhão. Como não havia conseguido eleger-se pela Paraíba, a jornalista sugeriu com seu tom característico de indignação e sarcasmo, que o novo senador havia “comprado” o cargo em troca “de um ótimo apartamento com ar refrigerado e um ou dois cadillacs”. Adalgisa Nery e Chateaubriand mantinham laços de amizade até então. Mas ele não ignorou a acusação, como costumava agir frente às críticas que recebia nas páginas dos jornais.

Depois de publicar algumas notas anônimas, a rede de jornais de Chateaubriand divulgou o texto intitulado Uma matrona tarada, assinado por ele próprio. No artigo, o “imortal“ recém eleito para a Academia Brasileira de Letras defendeu-se da insinuação ao mesmo tempo em que acusou grosseiramente, não apenas a profissional do jornalismo, mas a mulher Adalgisa Nery: “quem calunia sem ter provas deve ser um tarado. E é o que miseravelmente fez a vulgar sexagenária (...) em sua malvadez de virago” e ressalta a filiação política da acusada: “É a imundice comunista, é a torpeza dos brasileiros assalariados de Moscou”.[*4]

A intriga provocou a reação de militares maranhenses, que ofereceram um almoço no clube da Aeronáutica em apoio à Adalgisa Nery. Muitos jornalistas lhe prestaram solidariedade e o episódio foi parar nas páginas da revista norte-americana Time Magazine.[*5]

Num contexto marcado pela Guerra Fria, Adalgisa Nery foi muitas vezes identificada como comunista. E não raro ela defendia-se contra essa acusação em sua coluna, como no artigo O estudo dos problemas atuais não deve ser tolhido pelo macarthismo, de 13 de maio de 1958: “Vamos extinguir esse vício melancólico de classificar de comunista todo aquele que vê e sente as verdades do mundo presente, todo aquele que deseja cooperar honestamente para a formação de uma mentalidade mais esclarecida e menos submissa.“

Após cerca de seis anos trabalhando na Última Hora, uma foto da colunista foi publicada na capa do jornal junto da notícia: “Adalgisa Nery candidata socialista à constituinte”. Com a mudança da capital do país para Brasília, ocorrida durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, a cidade do Rio de Janeiro foi levada à categoria de Estado, como as demais unidades da federação. Assim, o Estado da Guanabara (1960-1975) abrigou parte dos órgãos de governo da capital transferida e, quando Brasília dava seus primeiros suspiros de vida política, a Guanabara preservava um viés de conluio político ainda nacional.[*6]

Convidada por João Mangabeira, líder do Partido Socialista Brasileiro, a candidatar-se à constituinte do estado recém criado, a colunista de Última Hora protelou a aceitação e, após consultar Samuel Wainer, aceitou a contenda filiando-se ao partido e candidatando-se à legislatura da Guanabara.

O principal palanque eleitoral de Adalgisa Nery foi a coluna Retrato sem Retoque e, por explicitar cotidianamente seu nacionalismo, na condição de formadora de opinião e de personalidade pública vinculada a um órgão da grande imprensa, a jornalista foi escolhida para presidir o Movimento Nacionalista da Guanabara.

Em 1960 o Brasil vivia um contexto de efervescência política. Por via democrática, o país elegeria novo presidente da República, governadores estaduais e os deputados constituintes da Guanabara.

Os nacionalistas promoveram entre os dias 20 e 22 de agosto a I Convenção Nacionalista da Guanabara e a Última Hora deu especial atenção ao encontro. Apesar de posicionar-se apartidária, a Convenção, presidida por Adalgisa Nery, “declarou à imprensa que o conclave marcará o início da etapa final da campanha de Lott [General Henrique Teixeira Lott], Jango [João Goulart] e Sérgio [Magalhães] na Guanabara, e que de suas decisões resultará um passo a frente na eleição dos candidatos nacionalistas.”[*7]

No plano internacional os movimentos de libertação nacional e anticolonialistas se fortaleciam em diversas partes do mundo. O exemplo cubano e a luta dos congoleses recebeu apoio dos nacionalistas reunidos na Convenção.

Já como candidata ao cargo de deputada constituinte, sem perder de vista e em consonância com o panorama internacional, Adalgisa Nery discursou no encerramento da convenção tratando da situação dos povos coloniais subordinados aos trustes e monopólios internacionais. Da mesma forma, denunciou o controle estrangeiro na exportação do café brasileiro, bem como os empréstimos a prazo curto e juros altos dos bancos estrangeiros ao Brasil. Ponto considerável do seu discurso foi a retomada da luta de Getúlio Vargas, quando finalizou com a leitura da carta-testamento deixada por ele, “seguindo-se um minuto de silêncio em homenagem ao grande presidente”[*8]

Nesse contexto, estimulando a efervescência do nacionalismo vinculado à figura de Getúlio Vargas, foi publicado o livro Getúlio Vargas, meu pai, escrito por Alzira Vargas do Amaral Peixoto. O lançamento ocorreu durante o festival do escritor, em meados de julho de 1960 e a Última Hora apresentou cifras e números sobre as vendas, mostrando que o livro escrito pela filha de Getúlio Vargas, juntamente com Gabriela, de Jorge Amado, foram os best-sellers do festival. E ainda informou que “a poetisa Adalgisa Nery esgotou seu estoque de livros de poesia e contos. Autografou muito e foi muito aclamada como futura deputada constituinte”. O festival contou também com a visita do então presidente Juscelino Kubitschek. Foi um evento de forte tonalidade política.[*9]

Nas eleições de 03 de outubro, a popular e bem-sucedida colunista converteu seus leitores em eleitores. A nota de gratidão aos cerca de 7.500 votos recebidos foi publicada em 18 de outubro. Sob o título Agradecimento, Adalgisa refere-se à liberdade de opinião que a direção da Última Hora a proporcionava. “Este jornal soube aproveitar as minhas pequenas aptidões e soube aproveitar a favor dos seus leitores, o meu forte e inabalável sentimento nacionalista.”

A candidatura e a eleição de Adalgisa à Constituinte da Guanabara reforçou sua identidade com o nacionalismo e com a figura de Getúlio Vargas. E sua postura seria inevitavelmente de oposição, já que o primeiro governador da Guanabara foi Carlos Lacerda, inimigo declarado da jornalista, que por diversas vezes o identificou como assassino de Getúlio Vargas e golpista inveterado. Graças ao seu trabalho na Última Hora, Adalgisa Nery encontrou um novo terreno de atuação: primeiro como constituinte da Guanabara, depois como deputada efetiva por dois mandatos.

Um exemplo de sua identificação com o jornal foi o expediente do dia 13 de junho de 1962, quando o plenário da Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara comportou um debate acirrado. O que era para ser uma rápida votação às congratulações dos jornais Diário de Notícias e Última Hora pela passagem dos seus aniversários, transformou-se numa discussão repleta de acusações. Eram as posturas de dois órgãos importantes da imprensa nacional refletindo nos debates da política institucional.

O deputado e também radialista Raul Brunini, da União Democrática Nacional, discordava da homenagem à Última Hora, afirmando que o jornal “fez uma campanha sistemática de destruição do regime democrático em nosso país. É um jornal dirigido por comunista.”[*10]

Diante disso, os deputados do Partido Trabalhista Brasileiro – Saldanha Coelho, Roland Corbisier e Paulo Alberto Monteiro de Barros – manifestam-se em defesa da Última Hora. Saldanha Coelho, inclusive, fez referências negativas ao Tribuna da Imprensa, jornal de propriedade do então governador do estado, Carlos Lacerda.

Nessa ocasião, a deputada Adalgisa Nery, líder do PSB e colunista do jornal candidato à congratulação, declarou: “(...) muito me honra pertencer aos quadros desse jornal. Devo a minha eleição de deputado e grandes momentos de alegria a Última Hora. Lá tenho amigos eleitores, tenho amigos leitores. Quando aqui se fala nesse jornal, penso que se deve usar de mais critérios (...) Muito me honra em pertencer a Última Hora e, se algum dia sair desse jornal, não trabalharei em jornal algum.”

A princípio, as congratulações eram mera formalidade. No entanto, ao referenciarem tais jornais, os deputados incorporaram a identidade desses órgãos da imprensa no espaço político institucional. Além disso, o debate parlamentar figurou sob certa revanche, inferindo vínculos para além da política partidária, mas também reconhecendo os posicionamentos divergentes desses periódicos.

A jornalista costumava escrever sobre a atividade parlamentar. Muitas vezes a deputada discutia seus artigos no parlamento da Guanabara, ou então seus textos eram motivos de debate. O deputado Danilo Nunes, por exemplo, levou ao plenário sua indignação diante dos insultos que estava recebendo da deputada Adalgisa Nery no jornal Última Hora. Da mesma forma, seu artigo censurado pelo governo Lacerda durante a crise de agosto de 1961, foi lido em plenário por um aliado político.[*11]

Aliás, nessa ocasião, certamente seus leitores estranharam o texto de 30 de agosto, intitulado Sopa e ajantarado. Em tal artigo, Adalgisa Nery fala da “arte de bem comer” e faz comentários quase absurdos, como, por exemplo, referindo-se à “carne de baleia, alimento farto em calorias e de fácil aquisição” e a receita de uma sopa, no mínimo esquisita, indicada de “acordo com o nosso clima tropical”. Tanto o artigo censurado quanto o que foi publicado foram lidos na íntegra no plenário da Assembléia pelo deputado Hércules Correia, comunista eleito pelo PTB.

O episódio da renúncia de Jânio Quadros exemplifica o amálgama do jornalismo político com o trabalho legislativo de Adalgisa Nery. Naquele contexto o vice-presidente João Goulart estava em missão oficial na China comunista e os ministros militares manifestaram-se contrários a sua posse. Goulart era acusado de apresentar posições “claramente subversivas e esquerdistas”.[*12]

Como governador da Guanabara, Carlos Lacerda tratou de calar as vozes que se voltavam contrárias à intervenção das Forças Armadas em agosto de 1961, mobilizando o aparato policial do Estado para reprimir os movimentos pela legalidade manifestados em vários pontos da cidade. Como dono de jornal, Lacerda procurou divulgar a falsa informação de calmaria, tranqüilidade e paz social. Assim, a censura sofrida pela jornalista foi estopim para o debate travado no parlamento da Guanabara.[*13]

Tais debates evidenciam a tensão, refletida também na imprensa, entre as forças políticas esboçadas na conjuntura que antecedeu ao golpe de 1964. Num contexto marcado pela bipolarização dos ânimos, a defesa ou a acusação de determinado jornal significava estabelecer posição política para além dos trâmites partidários.

Nos dias que antecederam à chamada solução parlamentarista, Adalgisa Nery não poupou esforços para denunciar as arbitrariedades cometidas por Carlos Lacerda. Como no artigo de primeiro de setembro de 1961, em que comentou a atitude de enfrentamento de muitos deputados da Guanabara diante das mais “vulgares e violentas ameaças do ‘Rei sem leis’(...) mesmo assim a posição dos vermes de esterco não alterou em essência o valor e o significado democrático da Assembléia Legislativa da GB” e denunciou a censura aos meios de comunicação.

Sobre a posição dos militares favoráveis ao que chamaram de “saída honrosa“ para a situação, a jornalista afirmou: “seguramente esses bravíssimos soldados estão com os olhos cobertos de catarata. Ora, a única saída honrosa para um militar, seja de que patente for, e é será sempre o largo e suntuoso portão da legalidade”. Tratou os chefes militares envolvidos com extrema agressividade e, entre os adjetivos, chamou-os de “indisciplinados”, “deflagradores de badernas comandados pelo anarquista Carlos Lacerda”, “vermes fardados”, “traidores do povo que merecem o repúdio e a repugnância do povo.” Assim, Adalgisa Nery consolidava uma frente importante de inimigos políticos entre os militares.

Nos anos que antecederam ao golpe definitivo de abril de 1964, Adalgisa paulatinamente se aliava às forças consideradas de esquerda. No início de 1963, ela deixou o PSB e filiou-se ao PTB, que abrigava políticos mais radicais. A mudança de partido significou, além da aproximação, também a possibilidade da deputada contribuir com o governo Goulart, afinal, seu nome foi cotado para assumir a pasta do Ministério da Educação e Cultura semanas antes do golpe.

Boato, arma do pânico foi o último artigo assinado por Adalgisa Nery. Quando a Última Hora chegou às bancas de jornal, em primeiro de abril de 1964, os fatos mostravam que a agitação não era mero rumor. O boato transformara-se em realidade e o país sucumbia ao golpismo. Naquela noite, a sede de Última Hora foi depredada e incendiada. Samuel Wainer exilou-se na embaixada do Chile no dia primeiro de abril e deixou o país no início de maio.

Uma semana após o golpe, Adalgisa figurava em uma lista de cassações e, investigada pela polícia política, saiu em defesa própria escrevendo cartas ao presidente da ALEG e ao general Artur da Costa e Silva, ministro da Guerra do regime então recentemente instalado. Subversão e corrupção foram categorias criadas pelo primeiro Ato Institucional (11/04/1964) para cassar mandatos eletivos, suspendendo os direitos políticos dos adversários do regime. Sua postura política era incompatível com tais argumentos. Adalgisa preservou o cargo e foi reeleita em 1966 pelo Movimento Democrático Brasileiro – MDB, partido considerado de oposição.

Mesmo afastada do jornalismo, a carreira política de Adalgisa Nery seria ainda marcada por sua atuação na Última Hora. Quando o estado de saúde do presidente Costa e Silva agravou-se, em agosto de 1969, uma junta militar passou a governar o Brasil e o representante da Marinha era o almirante Augusto Rademaker, antigo desafeto da jornalista. Anos antes, Adalgisa denunciara a negociata tramada na compra de tinta para pintar os navios da Marinha. Rademaker ameaçou processar Adalgisa Nery e o jornal. Assim, no topo do poder e sob o regime de exceção, o almirante encontrou ocasião propícia para vingar-se. Adalgisa Nery teve os direitos políticos cassados pura e simplesmente em 17 de outubro de 1969. Anos depois, em 1971, a Última Hora deixou de pertencer a Samuel Wainer.

Suas trajetórias fizeram da Última Hora e de Adalgisa Nery importantes vozes do nacionalismo getulista, e a força da coluna Retrato sem retoque levou a jornalista ao parlamento da Guanabara. O período que antecedeu ao golpe de 1964 foi marcado por uma experiência democrática inédita no Brasil, com intensa participação e mobilização da sociedade civil. Ao mesmo tempo, com a polarização política, os posicionamentos do jornal e da jornalista vinculavam-nos às forças consideradas de esquerda. O golpe civil-militar de abril de 1964 eclipsou as forças progressistas que pretendiam um país socialmente mais justo, mergulhando o Brasil em longos anos de ditadura.

Bibliografia:

CAMPOS, Fátima Cristina Gonçalves. Visões e Vozes: o governo Goulart nas páginas da Tribuna da Imprensa e Última Hora (1961-1964) Dissertação de Mestrado em História Social das Idéias. UFF: PPGH 1996.
FERREIRA, Jorge. “ A legalidade traída: os dias sombrios de agosto e setembro de 1961”. Tempo. Rio de Janeiro, vol.2, n. 3, 1997.
LABAKI, Amir. A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986.
MOTTA, Marly Silva da. Saudades da Guanabara: o campo político da cidade do Rio de Janeiro (1960-1975) . Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000.
SARAIVA, Camila Lacreta e SWENSSON Jr., Walter Cruz. “O Caso Wainer” In: Revista Histórica, Publicação do Arquivo do Estado de São Paulo, n. 09 dez./jan./ fev – 2002-2003.
WAINER, Samuel. Minha razão de viver: memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 1988.
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Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense.
WAINER, Samuel. Minha razão de viver: memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 1988, p 51.
Sobre esse aspecto ver: SARAIVA, Camila Lacreta e SWENSSON Jr., Walter Cruz. “O Caso Wainer” In: Revista Histórica, Publicação do Arquivo do Estado de São Paulo, n. 09 dez./jan./ fev – 2002-2003.
WAINER: Op. Cit. p. 247.
“O Jornal”. Rio de Janeiro,19 de janeiro de 1955.
O “Diário de notícias”, o “Correio da manhã” e “O Globo” publicaram notas em apoio à jornalista. “Time Magazine” de 07 de fevereiro de 1955.
Sobre esse aspecto ver: MOTTA, Marly Silva da. Saudades da Guanabara: o campo político da cidade do Rio de Janeiro (1960-1975). Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000.
Jornal Última Hora de 20/08/1960.
Jornal Última Hora de 23/08/1960.
Coluna de José Mauro na “Última Hora” de 27/07/1960.
Anais da ALEG, XIII: junho de 1962, “Sobre votos de congratulações a ‘Última Hora’”, p. 1057.
Anais da ALEG, VI: setembro de 1961, p.1705-1706.
Manifesto dos ministros militares. In: LABAKI, Amir. A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 149.
Sobre esse aspecto: CAMPOS, Fátima Cristina Gonçalves. Visões e Vozes: o governo Goulart nas páginas da Tribuna da Imprensa e Última Hora (1961-1964) Dissertação de Mestrado em História Social das Idéias. UFF: PPGH 1996. FERREIRA, Jorge. “ A legalidade traída: os dias sombrios de agosto e setembro de 1961”. Tempo. Rio de Janeiro, vol.2, n. 3, 1997.