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Artigo publicado na edição nº 33 de outubro de 2008.
Das gossip columns às novas colunas sociais brasileiras:
política e modernização na imprensa brasileira nas décadas de 1950 e 1960

Maurício de Fraga Alves Maria

“Ter nome no jornal é um emblema dos tempos modernos”.
(“De colunas e colunáveis”, Jornal do Brasil, 18 de março de 1995, p.11).

Já em meados da década de 1950, a imprensa brasileira vivenciava uma notável impulsão iniciada a partir dos investimentos do capital estadunidense. Regidas principalmente pelo capital privado e sem a forte censura de órgãos como o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que durante todo o “Estado Novo” determinou o que era publicado, os jornais tornavam-se cada vez mais fortes instrumentos políticos nas mãos das classes mais abastadas, bem como dos novos grupos que emergiam no cenário político nacional. Vendo na iniciativa privada os meios para a desnacionalização da grande imprensa brasileira, estes grupos passam, em uma escala ainda maior, a utilizar da imprensa, em suas múltiplas facetas, para se auto-afirmarem nacionalmente e regionalmente.

Os Estados Unidos não apenas agiram economicamente sobre os jornais brasileiros através da propaganda e do marketing, mas também inspirando os jornalistas brasileiros com suas técnicas e modelos de imprensa, contribuindo também para a profissionalização do jornalismo.

Até então, os periódicos brasileiros seguiam o modelo francês de jornalismo, cuja técnica era muito próxima da literária (“literatura sob pressão”, como a definira Alceu Amoroso Lima[*1]). Os gêneros mais valorizados eram a crônica, o artigo polêmico e o de fundo, mais opinativos e mais livres. Mais agressivos e virulentos, esses jornais eram marcados pelos debates e polêmicas envolvendo, sobretudo, a política[*2].

Jornalistas brasileiros que haviam estagiado em alguns dos maiores e mais conceituados jornais estadunidenses, vão ser os grandes agentes de mudança no modo de fazer jornal no Brasil[*3], pautando-se sobre os ideais de uma imprensa mais “informativa”, menos tendenciosa, mais direta, buscando a “objetividade” e a “imparcialidade”, assim como, supostamente, praticado na imprensa norte-americana[*4].

Técnicas como o lead e a “pirâmide invertida”, implantação de novos cargos nas redações dos jornais, como o copy-desk[*5], e a adoção e criação de manuais de redação[*6] passaram a moldar a prática jornalística dos grandes centros brasileiros, sendo somente décadas mais tarde difundido para as capitais menores e outras cidades brasileiras. Porém, essa também é a época de crescimento de grandes gêneros jornalísticos-opinativos que se tornarão famosos na imprensa brasileira, como, por exemplo, o colunismo social. Opinativo e claramente subjetivo, entendemos o colunismo social como o gênero jornalístico que melhor se adaptou às condições brasileiras, sendo prática comum ainda hoje em um grande número de jornais brasileiros.

Colunas sociais: dos Estados Unidos ao Brasil

Inspirados no colunismo social norte-americano, que desde a década de 1920[*7] já desfrutava de grande prestígio nos Estados Unidos, os novos colunistas sociais brasileiros adaptaram esse gênero ao já praticado no Brasil, criando um novo gênero jornalístico brasileiro que marcou as décadas de 50, 60 e 70 do século XX.

Hora relatando festas, hora perpassando suas falas pela vida mundana das “altas rodas”[*8], essas colunas sociais construíram uma forma alternativa e particular de expressão da opinião de seus escritores e dos veículos de informação às quais estavam ligadas. Informações fúteis, de caráter de curiosidades, fait’divers, eram agora mescladas a fofocas sobre milionários, artistas e principalmente sobre um tipo de “celebridade” bastante peculiar: os políticos. Em sua grande parte, ligados às grandes famílias, esses políticos possuíam um grande capital simbólico que lhes era advindo de suas origens familiares, bem como da posição social que possuíam. A política, assim como fazia parte dos comentários dos colunistas norte-americanos, passara a possuir uma importância vital para as colunas sociais brasileiras.

Nos Estados Unidos essa relação era mais antiga. Os colunistas sociais naquele país haviam contribuído consideravelmente para a mudança do cenário social das grandes cidades. Em 1924, a colunista Sra. John King Van Rensselaer assim comentava sobre a forma como as elites das grandes cidades norte-americanas eram compactas e estáveis antes da 2ª Grande Guerra: “A Sociedade cresceu mais por dentro do que por fora [...] Os elementos estranhos que absorveu foram reduzidos. O círculo social ampliou-se, geração a geração, pela abundante contribuição de cada família à posteridade [...] Havia uma fronteira tão sólida e tão difícil de ignorar como a Muralha Chinesa”[*9].

A política, bem como o pertencimento às “altas rodas”, era um privilégio de poucos, geralmente, membros de famílias “antigas”. Porém, constantemente ameaçados por pessoas que, como afirmara a mesma colunista Van Rensselaer, “procuram escalar ousadamente as muralhas do exclusivismo social”[*10], essas ricas famílias buscavam resistir a todo custo.

O sociólogo norte-americano C. Wright Mills, buscando perceber de que forma o cenário político norte-americano se alterou em fins da 1ª Grande Guerra, ressalta a idéia de que não se deve supor que as famílias com “pedigree” não admitiram famílias sem “linhagem” em seus círculos sociais, especialmente depois que elas tomaram conta de suas firmas bancárias[*11], e ainda afirma: “Do ponto de vista de status social, que se procura basear sempre na descendência familiar, isso significa que as muralhas estão sempre a desmoronar”[*12].

Ocupando um lugar privilegiado entre essas famílias, os colunistas sociais passaram a ser meios de ascensão social por aqueles que não tinham a “linhagem” a que Mills se refere. Desta forma, as colunas sociais, passam a ser um importante meio de inserção desses novos ricos nas “altas rodas”.

Politicamente, as colunas sociais adquiriram um caráter extremamente importante para a mudança da lógica das relações sociais no seio da sociedade norte-americana. Essas colunas sociais passaram a constituírem-se em locais privilegiados da criação de novas figuras políticas e sociais. O The Social Register, grande lista composta de 400 a 800 famílias que eram apontadas como as principais “famílias da América”, e que teriam passe livre para freqüentar os principais clubes e círculos políticos das principais cidades norte-americanas no início do século XX, passa a não ser tão conclusiva, sobretudo a partir da criação de novas listas feitas pelos colunistas sociais[*13].

As novas celebridades – a elite institucional, os “senhores da guerra”, a sociedade metropolitana e os profissionais da diversão[*14] – passam a fazer parte dos grandes círculos sociais e políticos, ou melhor, passam a criar os seus próprios círculos sociais e políticos.

Café-society, termo criado pelo colunista Maury Paul (o primeiro a assinar como Cholly Knickerboker), em 1919, para “designar um pequeno grupo de pessoas que se reunia em público mais provavelmente não se visitava em casa”[*15], passa a ser definição por excelência desses novos círculos, onde os colunistas sociais adquirem um papel ainda mais privilegiado do que o que possuíam com as “antigas famílias”.

Lugares como o Stork Club, em Nova Iorque, passam a ser referências do Café-society. Em torno de clubes como esse, colunistas como Igor Cassini, sucessor de Maury Paul, encontrava terreno fértil para escrever colunas mais ousadas e que, diferente de seu antecessor, não se limitavam aos eleitos pelo The Social Register, ia além. Um mundo que, “mais brilhante do que o tradicional, [...] não está absolutamente circunscrito ao The Social Register”[*16]. Em 1937, segundo relação feita pela revista Fortune, um terço da “lista social” do café-society não estava no The Social Register[*17].

Esta situação tinha implicações diretas sobre a política estadunidense. Clubes como o Stork Club eram pontos fundamentais da política anticomunista norte-americana. Símbolo da política cultural do senador McCarthy, o café-society era o principal ponto de ataque aos comunistas. O Josephson’s cabaret, como era chamado, era o seio da consciência e da relação dos políticos de direita nova-iorquinos, sendo crucial no momento da Guerra Fria. Nessa perspectiva, colunistas como Walter Winchell, considerado um campeão da mídia, era uma das ferramentas fundamentais da política de propaganda anticomunista de MacCarthy na década de 1950, o que lhe garantiria inúmeras inimizades[*18].

Winchell, que antes de 1920 escrevia fofocas dos bastidores das peças nas quais atuava, foi o criador, e talvez o maior nome, das novas gossip columns que fizeram sucesso nos Estados Unidos até o final da década de 60. Walter Winchell modificou as colunas sobre sociedade, “publicando pequenas notas sobre a vida privada, e acrescentando aqui e ali um ponto de vista debochado e sarcástico sobre pessoas famosas”[*19].

A escritora Jeannette Walls fala das mudanças empreendidas por Walter Winchell e do impacto das mesmas na imprensa norte-americana:

Quando a coluna de Winchell apareceu primeiramente em 1920 no diário New York Evening Graphic, editores de jornais concorrentes viram o que ela fizera pela circulação do periódico e rapidamente trataram de providenciar suas próprias gossip columns. Logo, a maior parte dos jornais no país continha pelo menos uma coluna de fofocas e muitos traziam quatro ou mais. Entre as décadas de 1930 e 1940, estas colunas eram parte integral dos jornais, e os colunistas sociais eram amados e mesmo respeitados pelo público. Ao fim da década de 1940, Winchell alcançou um número estimado de noventa por cento do público americano, entre suas colunas e espetáculos de rádio; e era considerado, fora da política e da religião, o mais poderoso homem da América.[*20]

Colunistas como Walter Winchell e outros escritores de grandes tablóides norte-americanos, grandes manipuladores da opinião pública, eram figuras importantes do comentário político e na criação de representações sobre os políticos, e sobre a política como um todo. Freqüentadores de clubes como o Stork, lugares de encontros políticos, ali encontravam lugar privilegiado para a “colheita” de suas fofocas. Sindicalizados e poderosos, esses colunistas eram pessoas bajuladas e importantes na política regional e nacional.

No Brasil, o processo foi mais tardio. Além disso, os grandes colunistas sociais da década de 50 e 60 do século XX agiriam de forma diferenciada do ocorrido nos Estados Unidos. Adotando o modelo das colunas norte-americanas, colunistas como os cariocas Jacinto de Thormes e Ibrahim Sued, o paulista Tavares de Miranda, entre outros, seriam mais sutis em suas críticas políticas[*21].

“A lista das dez mais elegantes era coisa americana, mas as listas americanas não tinham a dimensão que estas ganharam aqui no Brasil”[*22]. Assim se referiu Manuel Bernardes Müller (Jacinto de Thormes) a uma das práticas do colunismo norte-americano que ele iria se inspirar no início da década de 50 e que o levaria a ser reconhecido no Brasil como o criador do moderno colunismo social brasileiro[*23]. Filho de Diplomatas, de família rica, “Maneco Muller”, como era conhecido, teve papel importante na conquista de um espaço na imprensa brasileira nunca antes visto pelos cronistas sociais, como eram conhecidos antes de Maneco.

A crônica social, já existente no Brasil desde o final do século XIX até meados da década de 40, ainda dedicava-se a simplesmente listar os acontecimentos sociais como casamentos, aniversários, falecimentos e moda[*24]. Prática inovada por Maneco, o colunismo, passava agora a opinar, comentar os acontecimentos com certo teor irônico, muitas vezes jocoso, e que ganharia sucesso, segundo ele, fruto das leituras das colunas sociais de jornais norte-americanos:

Eu lia sobretudo o New York Times e o Washington Post e – de vez em quando – os jornais de Los Angeles, porque traziam a cobertura de cinema. As colunas que me influenciaram eram publicadas por esses jornais. Mas eu não podia fazer igual. Tinha de adaptar. Porque nos Estados Unidos havia colunistas que tinham um poder terrível: derrubavam fábricas, derrubavam shows, derrubavam pessoas. Aqui, fiz então a brincadeira de inventar o Jacinto de Thormes. Devo dizer que o Rio de Janeiro tinha uma personalidade. Se estivessem no Rio, aqueles colunistas não escreveriam como escreviam nos Estados Unidos. O Rio era uma das cidades mais divertidas do mundo[*25].

Preocupado com as especificidades de sua cidade, Maneco percebia que a aplicação do colunismo social aos moldes estadunidenses não teria efeito similar ao ocorrido nos Estados Unidos. Era necessário adaptá-lo[*26]. As listas das “Dez Mais do Ano”, publicadas nos jornais e, principalmente, em revistas como a Manchete, do “Grupo Bloch” – revolucionários na apresentação gráfica das revistas brasileiras –, era um grande exemplo das adaptações empreendidas por “Maneco” das listas norte-americanas.


Jacinto de Thormes, “As Dez Mais” – Os Melhores do Ano Revista Manchete, lista publicada na mais famosa revista da década de 1960, mostra o poder conquistado por esse colunista. Essas listas eram apresentadas em diversos meios de comunicação.

Segundo Maneco, quando Prudente de Moraes, Redator-chefe do Diário Carioca, convidou-o para escrever a coluna social, “era tudo muito francês – tout em bleu, tout em rouge. Eu achava aquilo uma frescura, mas como precisava ganhar dinheiro, não pude recusar”[*27]. Luiz Maklouf Carvalho se refere a esse momento como uma grande “mudança editorial brasileira”. Segundo o autor, de forma semelhante ao relatado por Maneco a Geneton, o futuro colunista “jogava futebol, lutava boxe, e achou que era uma “viadagem”. Mas topou, desde que com pseudônimo”[*28].

A política estava presente em forma de fofoca. Apenas o gostinho da notícia era dado ao púbico. Maneco não utilizou todo o poder que detinha, geralmente os grandes escândalos e fofocas terminavam, ou sequer começavam, com a expressão “depois eu conto”. Na verdade nunca contava nada.

Um segundo exemplo, e que pode elucidar ainda mais o nosso objetivo de detectar as maneiras de como a política estava presente nas colunas sociais e por ela era representada, são as colunas de Ibrahim Sued.


Ibrahim Sued, o mais lido cronista social do Brasil usando uma camisa BanTan mod. Grand Monde” (Revista O Cruzeiro, 17/06/1954). A presença de colunistas em propagandas de produtos demonstra a importância adquirida por estes já em meados da década de 1950, como demonstra o exemplo acima de Ibrahim Sued, enquanto formadores de opinião, inclusive na moda.

Mais ousado, Ibrahim Sued, de família pobre, filho de imigrante libanês, com pouquíssima escolarização, não apenas inovou o colunismo social brasileiro, seguindo os passos de Maneco Muller. Ibrahim lhe deu novo tom, nova perspectiva, seja na abordagem, na estrutura, na linguagem utilizada – talvez umas das características mais notáveis do “iletrado” Ibrahim – sendo seguido por diversos outros colunistas, seja nos grandes centros ou nas diversas cidades aonde o colunismo já chegara a fins da década de 50, quando ainda não se pensava ou não era possível a difusão da “imprensa informativa”, tão cara aos grandes jornais dos grandes centros. Para Ibrahim as colunas não foram apenas um meio de ascensão, eram a sua filosofia.

Ainda mais sarcástico que Maneco, as colunas de Ibrahim Sued, publicadas em diversos jornais – O Globo, Manchete, Diário Carioca, Gazeta de Notícias, entre outros –, eram marcadas pela articulação entre a “informação curta, direta, informativa por excelência, muitas vezes agressiva, quase sempre anti-romântica”[*29]. Ibrahim criara uma articulação entre a “imprensa informativa”, valorizando o “furo”, a reportagem, mas com muita opinião e personalidade.

A política figurava em suas colunas de forma jocosa: escândalo envolvendo políticos, familiares, grandes autoridades – não se pode esquecer que, como fotógrafo do jornal O Globo, no início de sua carreira em 1946, Ibrahim tirou uma foto na qual o político Otávio Mangabeira beija a mão do general e futuro Presidente norte-americano Dwigt Eisenhower, que virou capa.


"Em nome do país (...) inclino-me respeitoso diante do General Comandante-Chefe dos Exércitos que esmagaram a tirania, beijando, em silêncio, a mão que conduziu à vitória, as Forças da Liberdade". E beijou as mãos do visitante. Foi um escândalo nacional. A Constituinte foi obrigada a dedicar um dia de seus trabalhos ao "polêmico beijo". A cena, por muitos anos simbolizou a submissão do Brasil aos EUA e consagrou Ibrahim Sued como repórter
(Fonte: http://politicaegroselha.blogspot.com/2007/08/o-beija-mo-e-o-ministro-do-futuro.html).

As fofocas, carregadas de originalidade e malícia, abordaram diversos temas: “o PTB, assim como sua opção de não votar neste partido mereceu nota, a transferência da capital para Brasília – fato do qual discorda com veemência -, e a crítica feroz ao regime implantado em Cuba por Fidel Castro foram destaque em seus textos”[*30]; apoiou a candidatura de Fernando Collor de Melo, criticou a UNE; no cenário internacional deu especial atenção para a eleição de Perón na Argentina, a coroação da Rainha Elizabeth da Inglaterra, a guerra do Vietnã, as mortes dos irmãos John e Bob Kennedy, Salasar, de Gaulle e do Papa Pio XII, o caso Watergate e a guerra das Malvinas. As campanhas políticas também faziam parte de seu repertório.

Em suma, personagens e fatos políticos eram comuns em suas colunas:

Meu colunismo sofreu forte influência de duas pessoas: Walter Winchell e Elza Maxwell. Com Winchell, principalmente, e desde muito cedo, aprendi que o campo de ação do colunismo não se restringe apenas ao das “bonecas e deslumbradas” – quando bem exercido, ele influencia os principais setores de atividade de um país. Com Elza, decididamente, vi que o lado ameno da vida não implica, necessariamente, em futilidade: Winchell está registrado nos anais do Senado Americano; ele e o Presidente Roosevelt “foram os homens que mais atuaram para que os States entrassem na II Grande Guerra”; Elza, um dia, foi visitar a então Rainha Frederica da Grécia e esta lhe pedi que fizesse alguma coisa pelos pobres de seu país. A colunista, na ocasião com força total, para atrair turistas às ilhas gregas pediu ao iate de Stravos Niarchos emprestado e organizou um badaladíssimo cruzeiro pelo arquipélago grego. O cruzeiro deu capa do Time e o roteiro, hoje, é uma das atrações turísticas da Europa. No meu colunismo, aproveitando as lições herdadas e utilizando-as de acordo com as necessidades e contradições nacionais, já atuei ao lado de presidentes da República, fiz campanhas contra metas de governo – como no caso de Brasília quando fui dos raros jornalistas a declarar que Juscelino estava abandonando o Rio e construindo uma capital às pressas –, colaborei com o ex-Presidente Jango Goulart, de quem antes fora terrível inimigo político tendo, posteriormente, conspirado para derrubá-lo na Revolução de 31 de Março. Depois da Revolução, entre outros episódios, participei da popularização de um candidato à presidência: o Marechal Arthur da Costa e Silva, então ministro da Guerra e que disputava com outro general, Cordeiro de Farias, a preferência dos militares à sucessão de Castello Branco. Nesta campanha, o meu poder de comunicação foi de grande importância. E o carinhoso apelido de “Seu Arthur” que popularizei consolidou a imagem do falecido presidente [sic][*31].

Ibrahim sabia do poder que exercia, ou que “imaginava exercer”, e da forma como as “representações” por ele criadas tinham repercussão nacional. Com grande “capital político”[*32], construindo “uma identidade para si”, sob a égide do poder que o colunismo norte-americano havia conquistado. Podemos perceber que Ibrahim, em suas memórias, busca evidenciar, dar relevância, dando aos fatos que rodeiam sua vida de colunista características excepcionais, para ser lembrado[*33]. Como “representação”, seu texto dá mostras, com todo o “efeito de verdade” que lhe é particular, reordenando os fatos, “representando-se” para si e para seus leitores ao mesmo temo em que aponta para diversas representações políticas por ele criadas. Atento ao sucesso que esses colunistas haviam alcançado, Ibrahim aponta para os mesmos a fim de construir uma linearidade entre a escrita destes e a sua, inserindo-se em uma tradição de sucesso.

Conclusão

Como conclusão preliminar, podemos afirmar que a política sempre esteve presente entre os temas abordados pelo colunismo social pós década de 50 e pela imprensa brasileira como um todo, mesmo que maquiada pelas técnicas jornalísticas e manuais de redação. Alvo privilegiado, a política tornou-se um dos focos principais, sobretudo entre os colunistas, a partir desse momento. Seja nos Estados Unidos ou no Brasil, o colunismo social foi, e ainda é, um grande produtor de representações políticas. Suas notas, carregadas de ironia e malícia, constituem-se em um terreno fértil para a percepção das práticas políticas nacionais e internacionais.

Ainda, como fonte importante para a percepção das representações, em seu sentido amplo, nota-se o papel privilegiado que o colunismo social obteve enquanto estratégia atuante em meio às relações sociais de diversas “culturas políticas” – para tomar de empréstimo o conceito utilizado por Serge Berstein, para designar “uma espécie de códigos e de um conjunto de referentes de um grupo”[*34].

Criando identidades, moldando comportamentos, atuando entre as lutas partidárias e/ou de grandes famílias – dotadas ou não de uma leitura comum de seu passado e de seu presente –, essas colunas sociais foram importantes na iniciativa por parte desses grupos em resistir ao avanço de novos grupos e de novos interesses políticos, muitas vezes contrários aos estabelecidos, como tentarei demonstrar com análise das colunas “Rumores Sociais”, publicadas no jornal Folha do Oeste entre nos anos de 1959 a 1964 em Guarapuava, PR. O objetivo é poder elucidar questões mais amplas a partir do estudo em escala menor[*35], buscando perceber os inúmeros contextos que rodeiam a trajetória dessa coluna social e a dos grupos que dela se utilizaram para manutenção de seu status quo. Um olhar cuidadoso sobre os jornais pode permitir a reconstrução de cenários e de relações de poder imprescindíveis para a compreensão de dinâmicas locais.

Referências Bibliográficas

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Mestrando em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Assis (UNESP/Assis). É vinculado à linha de pesquisa Identidades Culturais, Etnicidades e Migrações, sob a orientação da professora Dra. Flávia Arlanch Martins de Oliveira. Atualmente desenvolve pesquisa referente ao desenvolvimento do colunismo social brasileiro pós 1950 em algumas das grandes cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, bem como sua difusão nas cidades da região Centro-Sul do Estado do Paraná.
LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2004, 88 p. (Coleção Clássicos do Jornalismo brasileiro).
RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Jornalismo, literatura e política: a modernização da imprensa carioca nos anos 1950. Estudos Históricos, Mídia, n.31, 2003/1, p.1-15. Disponível em: . Acesso em: 19 Set. 2008.
O trabalho mais pontual nesse sentido é a empreendida pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva. (Cf. SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O Adiantado da Hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro. 1. ed. São Paulo: Summus, 1991, 120 p.).
Entre os pesquisadores, a idéia de “objetividade” e “imparcialidade” buscada pela imprensa deste período é notavelmente criticada, sobretudo pelos historiadores, principalmente a partir da década de 80, como Arnaldo Contier, Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado, entendendo a imprensa como, fundamentalmente, “instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social” (Cf. LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes históricas. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p.118).
O lead era a abertura do texto, o primeiro parágrafo, que devia resumir o relato do fato principal, respondendo a seis perguntas básicas: quem?, fez o quê?, quando?, onde?, como?, e por quê?. Símbolo máximo do jornalismo moderno, o lead veio substituir o “nariz de cera”, texto introdutório longo e rebuscado, normalmente opinativo. A pirâmide invertida consistia em uma técnica narrativa onde o texto noticioso deveria ser estruturado segundo a ordem decrescente de interesse e relevância das informações, de maneira que o leitor tivesse acesso aos dados essenciais sobre o acontecimento nos parágrafos iniciais. Os fatos seriam expostos por ordem de importância. Além de atender a lógica da leitura rápida, facilitava também o processo de edição, permitindo que, na hora da montagem da página, se cortasse o texto pelo final, sem lhe causar danos. O copy-desk, um grupo de redatores, era responsável pela padronização e revisão das notícias, sendo que, se necessário, poderiam reescrever as matérias para dar-lhes unidade de estilo (Cf. RIBEIRO, op. cit., p. 2-4).
Os manuais de redação nos Estados Unidos já eram utilizados desde o final do século XIX, a exemplo de manuais como o The Style Book of the New York Times, o manual de redação do jornal New York Times. No Brasil, o primeiro a ser implantado vai ser o Manual de Redação do jornal Diário Carioca, implantado pelo jornalista Pompeu de Souza no início da década de 1950.
Mesmo momento em que, segundo Ana Paula Goulart Ribeiro, estaria sendo gestada a idéia de “objetividade” da imprensa estadunidense. Desta forma, as colunas de notas ou colunas sociais são formadas nos moldes modernos ao mesmo tempo em que algumas das idéias tão caras ao jornalismo-empresa norte-americano começam a ser empregadas (Cf. RIBEIRO. op. cit., p.8). Provavelmente como meio de resistência dos jornalistas frente aos gêneros jornalísticos de caráter literário e opinativo e seu grande sucesso junto ao público.
Utiliza-se aqui o termo empregado por C. Wright Mills, entendendo por “altas rodas” o “conjunto de grupos cujos membros se conhecem, se vêem socialmente e nos negócios [...]. A elite, segundo este conceito, se considera, e é considerada pelos outros, como o círculo íntimo das “classes sociais superiores” (MILLS, C. Wright. A Elite do Poder. Trad. Waltensir Dutra, 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968, p.19 - 20).
RENSSELAER, Mrs. John King Van. The Social Ladder. N. York: Henry Holt, 1924, p.30-32 (Cf. MIILLS, op. cit.).
RENSSELAER, op. cit, p. 53-54.
MILLS, C. Wright, op. cit., p.63.
Ibidem, idem.
Para o autor Dixon Wecter, as famílias que pela descendência ou posição social, ou por outras qualidades, são naturalmente incluídas na melhor sociedade de qualquer cidade ou cidades, são geralmente as mesmas que integram o The Social Register. Porém, para Wecter, “uma impessoalidade, isenção e ar de inquisição secreta, muito eficientes, cerca The Social Register. Um certo anonimato é essencial ao seu sucesso e prestígio permanentes (Cf. WECTER, Dixon. The Saga of American Society. 1. ed. New York: Scribner’s, 1937, p.234).
MILLS, op. cit., p.87.
Ibidem, idem.
MILLS, op. cit., p.88.
MILLS, op. cit., p.89.
STOWE, David W. The Politics of Cafe Society. The Journal of American History. v. 84, n.4, Mar. 1998, p. 1404.
Cf. SOUZA, Rogério Martins. O cavalheiro e o Canalha: Maneco Muller, Walter Winchell e o apogeu dos colunistas sociais após a Segunda Guerra Mundial. Revista Pauta Geral, v. 1, n. 9, Florianópolis, 2007, p.63-91.
Tradução de trecho da obra WALLS, Jeannette. Dish: how gossip became the news and the news became just another show. 1. ed. New York: Perennial Books, 2003. 384 p., encontrada no artigo de Rogério Martins (SOUZA, op. cit., p.6).
O menos sutil era Ibrahim Sued. Talvez por isso tenha inspirado tão grandemente as gerações posteriores.
NETO, Geneton Moraes. Jacinto de Thormes: o dia em que o criador do moderno colunismo social enganou a rainha da Inglaterra no Maracanã. Disponível em: . Acesso em: 15 Mai. 2007.
SODRÉ, Muniz. Colunismo Social: Gente boa e gente fina. Disponível em: . Acesso em: 15 Mai. 2007.
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922). 1. ed. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, p.340.
NETO, op. cit. (grifos meus).
É importante apontar que, em 2 de Julho de 1956, começavam a ser publicadas no jornal Ultima Hora, de propriedade do jornalista Samuel Wainer, a coluna The international Set, composta pela coluna de Walter Winchell e pela coluna The nova York informa Cholly Knickerbocker, as duas principais colunas norte-americanas traduzidas em português, colocadas logo após a coluna Ronda Social, na época assinada pelo jornalista João Rezende. Mais tarde, em 1961, começaria a assinar a coluna social do Ultima Hora o colunista Jacinto de Thormes, com o nome de Sociedade e Adjacências, que será mantida até 1964, quando o colunista passa a assinar uma coluna sobre futebol no mesmo jornal. Era também colunista do Ultima Hora o jornalista Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, que elegia todo ano as “certinhas do Lalau” e que possuía como característica sempre colocar uma foto de uma mulher com as pernas de fora em sua coluna.
Ibidem, idem.
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. 1. ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001, p.301.
TRAVANCAS, Isabel. A coluna de Ibrahim Sued: um gênero jornalístico. Disponível em: . Acesso em: 15 Mai. 2007, p.2.
TRAVANCAS, op. cit., p.5.
SUED, Ibrahim. 20 anos de caviar. 1. ed. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1972, p.21-22.
Cf. BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 1. ed. São Paulo: EDUSP; Porto Alegre, Editora Zouk, 2007, 560 p.
Fazemos aqui quase que uma inversão das palavras de Ângela de Castro Gomes, porém, sem pretender alterar o sentido buscado pela autora: “em todos esses exemplos do que se pode considerar atos biográficos, os indivíduos e os grupos evidenciam a relevância de dotar o mundo que os rodeia de significados especiais, relacionados com suas próprias vidas, que de forma alguma precisam ter qualquer característica excepcional para serem dignas de ser lembradas” (Cf. GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: Escrita de Si, Escrita da História. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003, p.11.
BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI, Jean-François (org). Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p.349-363.
REVEL, Jacques (org). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Trad. Dora Rocha, 1. ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1998, 269 p.