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Artigo publicado na edição nº 33 de outubro de 2008.
O Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo:
as atividades da polícia política e a intrincada organização de seu acervo

Larissa Rosa Corrêa

As atividades da polícia política

Criada em 1924, com a função de assegurar e disciplinar a ordem no país, a Delegacia de Ordem Política e Social, como era chamada nos seus primórdios, foi instituída pela lei nº 2304 que tratava de reorganizar a polícia do Estado.[*1] Ao longo de sua existência, o DEOPS[*2] passou por diversas mudanças em seu organograma. Essas transformações administrativas são importantes para a compreensão não apenas da história do funcionamento do órgão, mas também para ter uma idéia do quanto restou da documentação produzida pela instituição desde a sua criação.

Em 1930, a Delegacia de Ordem Política e Social foi desmembrada em duas: a de Ordem Política e a de Ordem Social.[*3] Mais tarde, em 1938, sob a ditadura do Estado Novo, a Delegacia de Ordem Política e Social tem seu organograma alterado, passando a ser supervisionada pela Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública.[*4] De modo geral, o órgão repressivo era constituído pelo Gabinete do Delegado, pelas delegacias de Ordem Política e Ordem Social, cada uma composta pelas seções de policiamento e investigações: o Cartório, a seção de Expediente – em que estavam vinculados os serviços de Protocolo e Arquivo Geral –, e, ainda, a seção de Contabilidade, o Corpo de Segurança, o Serviço Reservado (mais tarde chamado de Serviço Secreto), Prisões e Portaria. Além das duas primeiras delegacias, o órgão também contava com mais duas especializadas: a Delegacia de Fiscalização de Explosivos, Armas e Munições e a Delegacia de Fiscalização de Entrada, Permanência e Saída de Estrangeiros.

À Delegacia de Ordem Política e Social cabia fiscalizar o fabrico, a importação, a exportação, o comércio, o emprego ou o uso de matérias explosivas; fiscalizar a entrada e permanência de estrangeiros; instaurar, avocar, prosseguir e ultimar inquéritos relativos a fatos de sua competência; proceder ao registro de jornais, revistas e empresas de publicidade em geral; inspecionar hotéis, pensões e semelhantes; fiscalizar aeroportos, estações ferroviárias e rodovias; proceder investigações sobre pessoas suspeitas, lugares onde se presuma qualquer alteração ou atentado contra a ordem política e social; organizar, diariamente, boletins de informações de todos os serviços executados nas últimas 24 horas; e finalmente, identificar e prontuariar os indivíduos suspeitos por crimes e contravenções atentatórias à ordem política e social, organizados em fichário apropriado, “de modo a facilitar os trabalhados estatísticos de seu movimento e toda e qualquer investigação”[*5].

A seção de expediente merece maior atenção, pois ela era o setor responsável pela organização e acumulação dos documentos que constituem o acervo DEOPS, hoje sob a guarda do Arquivo Público do Estado. Composta por três repartições – Expediente do Gabinete, Protocolo e Arquivo Geral –, essa seção era responsável por receber toda a correspondência oficial enviada pelo Gabinete do Delegado, e, depois de protocolada, distribui-la pelas delegacias especializadas e demais dependências, entre outras funções administrativas. Por fim, o encarregado do Arquivo tinha a incumbência de arquivar papéis, processos e prontuários, arrolando-os e fichando-os segundo a natureza do assunto, de sorte a facilitar as buscas; abrir e organizar os prontuários criminais de acordo com os elementos fornecidos pelas delegacias e demais autoridades; numerar todos os documentos integrantes dos prontuários; fornecer, depois de devidamente autorizado pelo delegado, as informações constantes dos prontuários; além de não permitir que pessoas estranhas aos serviços de arquivo manuseassem os documentos.[*6] O Cartório também era incumbido de organizar os prontuários de todas as pessoas que tivessem antecedentes na delegacia.[*7]

Ficou ainda definido em decreto que todos os indivíduos presos ou detidos, por crimes e contravenções, seriam identificados pelo sistema dactiloscópico, por meio de planilha, fichas e fotografias. O Serviço Secreto, criado em 1940, antigamente chamado de Serviço Reservado, atuava diretamente nos mecanismos da repressão, orientando e fiscalizando todas as investigações que lhe fossem ordenadas.[*8] Esse setor sofreu diversas alterações durante essa década: ora ele se encontrava subordinado diretamente ao Secretário de Segurança Pública[*9], ora à delegacia de Ordem Política e Social. A execução das atividades no Serviço Secreto estava condicionada às instruções internas, determinadas pelo superintendente do DEOPS. Este, além de nomear os chefes de diversos setores, selecionava pessoalmente a equipe de investigadores reservados.[*10]

Durante a segunda metade da década de 1940 a 1969, o DEOPS abrigava as Delegacias de Ordem Política, de Ordem Social, de Estrangeiros, de Ordem Econômica, de Armas e Explosivos e, também, o Serviço Secreto. A Delegacia de Ordem Social era responsável por investigar todos os tipos de movimentos sociais, como greves, campanhas contra a carestia, associações de amigos de bairros, bem como fiscalizar a ação dos sindicatos e dos trabalhadores organizados, produzindo inquéritos, relatórios e prontuários de presos e investigar os movimentos nas cidades do interior do estado de São Paulo. As questões políticas ficavam a cargo de uma delegacia especializada. Além de acompanhar comícios e eleições, esse setor ainda fornecia informações sobre a situação política nas cidades do interior, dos partidos políticos, personalidades e cargos. Em seu acervo, encontram-se recortes de jornais agrupados por tema, relatórios e inquéritos que, por sua vez, também possuem duplicatas arquivadas na série prontuários. A partir da década de 1960, com a demanda crescente do aparelho repressivo militar, essa delegacia ampliou suas atribuições, passando a investigar as ações dos movimentos estudantis e das organizações clandestinas.

O Arquivo Geral era responsável pelo funcionamento das engrenagens do sistema de vigilância implementado pelo Estado. Dentre as suas funções principais, além daquela mais óbvia de arquivar papéis, ao Arquivo Geral cabia “organizar processos e prontuários, arrolando-os e fichando-os, segundo a natureza do assunto, de sorte a facilitar as buscas; abrir e organizar prontuários criminais de acordo com os elementos fornecidos pelas delegacias e demais autoridades; disponibilizar as informações constantes dos prontuários para as autoridades competentes”. Esse setor também era incumbido de expedir certidões e atestados de antecedentes político-sociais e, ainda, fazer notificações, intimações e passar certidões, conforme as ordens das autoridades competentes.[*11]

A Delegacia de Estrangeiros era responsável pelo controle dos prazos fornecidos pelo governo para a permanência de turistas, e por vigiar e investigar os imigrantes residentes no país sem autorização e infratores de todos os artigos da legislação pertinente, além de controlar aeroportos, expedir carteiras modelo 19 e certidões modelo 20 (zona rural) e trocar informações com a polícia internacional - Interpol.[*12] Para se ter uma idéia, somente no ano de 1957, foram emitidas cerca de 520 mil carteiras modelo 19 e mais de 400 mil certidões modelo 20 (zona rural), além de 302 processos instaurados contra estrangeiros considerados clandestinos.[*13]

O DEOPS ainda abrigava a Delegacia Especializada em Armas, Explosivos e Munições com a função de “fiscalizar o fabrico, importação, exportação, comércio ou uso de matérias explosivas, inflamáveis, armas, munições e produtos químicos agressivos ou corrosivos”, entre outras medidas cabíveis a esses casos. Esse setor ainda era responsável pela emissão de certificados de habilitação para técnicos de explosivos, pirotécnicos e encarregados de fogo.[*14]

Algumas delegacias foram criadas e extintas de acordo com as determinadas conjunturas político-sociais do país. É o caso da Delegacia de Ordem Econômica, criada para investigar os crimes relacionados ao aumento de custo de vida, as cobranças de taxas indevidas e a venda e compra de produtos considerados “proibidos”. Além dessa, outras delegacias foram criadas para atender demandas específicas como a de Assaltos a Bancos e a de Investigações sobre Incêndios e Danos. A intensidade das atividades da polícia política também dependia dos movimentos político-sociais ocorridos durante todo o século XX. Esses eventos, muitas vezes, alteravam a própria estrutura interna do órgão, como os fatos políticos e as greves que eclodiram na cidade de São Paulo na década de 1950.

Em 1954, o suicídio do presidente Getúlio Vargas, juntamente com as eleições para o governo do Estado e a greve contra a carestia, mobilizaram os trabalhos do DEOPS. Anos depois, as agitações do movimento operário, que culminaram na Greve de 1957, e a realização das eleições, estimularam algumas reformas no órgão repressivo. Em relatório redigido no ano de 1957, o DEOPS apontou para a necessidade de instalar uma seção de recortes na delegacia. O Serviço Secreto adquiriu novos arquivos, intensificou o trabalho investigativo, sendo as suas instalações transferidas para o último andar, a fim de evitar contato com pessoas estranhas ao órgão. O laboratório fotográfico também foi ampliado e a estação de rádio transmissão remodelada, passando a estabelecer ligações com as estações de polícia das principais capitais européias e americanas, além de vários estados brasileiros. O Serviço de Vigilância, que segundo o DEOPS, “gozava de inexplicável autonomia”, voltou a ser o Setor de Expulsandos subordinado à Delegacia de Estrangeiros. Os chamados “bicos”, de que gozavam inúmeros funcionários, foram reduzidos. A Delegacia de Ordem Política e a de Ordem Social passaram a registrar as suas atividades em arquivos próprios para auxiliar as delegacias.[*15]

O acervo DEOPS

Muitos artigos foram escritos sobre as atividades do DEOPS paulista e seu acervo.[*16] Todavia, poucos dedicaram atenção às questões relacionadas à sua estrutura organizacional. A segunda parte desse trabalho tem como objetivo levantar algumas questões sobre o arquivamento da série Dossiês do Arquivo Geral, observações que poderão interessar tanto aos pesquisadores como aos profissionais imbuídos de compreender a história do órgão repressor por meio da estrutura organizacional dos conjuntos documentais.

No acervo encontram-se documentos bastante diversificados, que retratam tanto a rotina interna do órgão repressivo, tal como os ofícios, relatórios anuais, relatórios diários, pedidos de informações, correspondências, quanto a obsessão pelo “crime” político, revelada nos dossiês, inquéritos policiais e prontuários temáticos e nominais. Nesse conjunto, é possível encontrar documentos e fotografias particulares, além de livros, revistas, jornais, entre outros.

Por ser tratar de um dos arquivos da repressão político-social mais importantes do país, referência para todos os pesquisadores preocupados em conhecer a história dos movimentos sociais do século XX, durante os períodos democráticos e ditatoriais, esse conjunto documental é caracterizado por sua complexidade organizativa.

Ao todo, o acervo é composto por quatro grupos documentais, três deles contendo fichário remissivo. São eles: prontuários (170.000 fichas e 150.000 prontuários); dossiês do Arquivo Geral (1.100.000 fichas remissivas e 9.000 pastas); documentos produzidos pelas delegacias especializadas de Ordem Política (1.500 pastas), contendo prontuários e dossiês, e Ordem Social (235.000 fichas e 2.500 pastas), composto por autos de sindicância, inquéritos militares, prontuários e dossiês.

A série Prontuários do Arquivo Geral, além dos documentos que denominam o conjunto documental, congrega inquéritos e relatórios provenientes de todas as delegacias especializadas. Mesmo quando foram separados os arquivos da Ordem Política e Ordem Social, no ano de 1945, os autos continuaram a ser arquivados nesta série. Não obstante, esse conjunto apresenta uma particularidade no aspecto da organização arquivística, trata-se dos prontuários temáticos. Embora essa tipologia, conceitualmente, não aceite documentos de ordem temática ou coletiva, esse tipo de denominação pode ser encontrado no acervo do DEOPS.

A série Dossiês do Arquivo Geral: considerações sobre a lógica de arquivamento

A série Dossiês do Arquivo Geral, iniciada na segunda metade da década de 1930, apresenta um modo de arquivamento bem mais complexo se comparado à série de Prontuários. Além dos registros produzidos pelo Serviço Secreto, os dossiês também reúnem documentos recebidos de instituições externas, como é o caso da documentação proveniente do DOI-CODI, do II Exército, do Ministério da Agricultura, entre outros, que enriqueciam as informações sobre os temas e pessoas investigadas pelo DEOPS.

O curioso, e, ao mesmo tempo enigmático, é que esses documentos foram arquivados de acordo com a elaboração de um código alfanumérico, composto por 3 elementos, sendo o primeiro e o terceiro código um número e o segundo uma letra, por exemplo 30-Z-160. Durante os anos de 1998 a 2002, foi desenvolvido o projeto de mapeamento e sistematização da série Dossiês, coordenado pela professora Dra. Maria Aparecida de Aquino, financiado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.[*17] Funcionários do APESP – Arquivo Público de Estado de São Paulo –, juntamente com os integrantes desse projeto, somaram esforços para identificar e compreender a lógica dos códigos e de seu arquivamento.

Essas pesquisas revelaram que o Arquivo Geral criou mais de 5.060 combinações entre números e letras. Os dossiês foram divididos em 5 classes numéricas: do 10 ao 15, do 20 ao 24, do 30 ao 31, do 40 ao 43, do 50 ao 52. Conforme pesquisas realizadas, observou-se que o primeiro número significava um tema e era também o elemento principal do código. Mais tarde, foi constatado que o terceiro elemento, em alguns casos, complementa o tema principal, representando um “subtema”. Já a letra indicaria os setores da sociedade, como por exemplo: igreja, militares, estudantes, universidades.[*18] Durante o projeto de mapeamento dos dossiês, a equipe procurou descrever o conteúdo de cada um deles, atentando para as relações entre os temas e os códigos. Todavia, ainda é preciso realizar mais estudos para melhor definir os documentos que compõem o dossiê. Faz-se necessário, ainda, analisar a lógica de arquivamento, pois em alguns casos temos a impressão de que os dossiês foram arquivados ora por tema, ora por órgão produtor. Não obstante, é comum encontrarmos temáticas diferentes em um determinado código e, ainda, o inverso, ou seja, temáticas semelhantes em códigos diferentes.

Os códigos compostos por uma mesma dezena foram denominados de “famílias”. Por exemplo, faziam parte da família 10 os dossiês arquivados nos códigos 10-A-01, 10-B-2, 12-C-14, 15-Z-20. Os temas gerais foram identificados de acordo com o assunto comum descrito nos documentos que possuíam o mesmo código. Os números que compõem as dezenas são denominados de “subfamílias”, que, segundo a hipótese apresentada pelos pesquisadores do projeto de mapeamento e sistematização dos dossiês, representam uma especificação do tema geral. Assim, a família 10 foi subdividida nos números 10 a 15, cada qual abordando uma temática, como sabotagem, espionagem, nazismo e fascismo, contrabando, entre outros, todos relacionados ao movimento de estrangeiros.

Aparentemente, de acordo com os resultados apresentados pela pesquisa de mapeamento e sistematização dos dossiês, a família 40 poderia ser um bom exemplo de como, em determinados momentos, o órgão produtor determinava o arquivamento. Nesse caso, cada “subfamília” corresponderia a uma delegacia especializada,[*19] conforme explicitado abaixo:

40 - documentos produzidos pela Delegacia de Armas e Munições;
41 - documentos produzidos pela Delegacia de Estrangeiros;
42 - documentos produzidos pela Delegacia de Ordem Econômica;
43 - documentos produzidos pela Delegacia de Ordem Política e pela de Ordem Social.

Todavia, encontramos algumas contradições nessas análises que precisam ser ainda melhor esquadrinhadas. Como tal atividade requer um trabalho de fôlego, trabalharemos apenas com o método de amostragem, visando levantar novas questões no tocante à lógica de arquivamento.

Nos quatro primeiros dossiês da família 42-A, observamos que os temas são bem diversos entre uma numeração e outra. Nota-se, ainda, que os dossiês não foram produzidos pela Delegacia de Ordem Econômica, mas sim pelo Serviço Secreto, assim como os dossiês pertencentes às subfamílias 40, 41 e 43 não foram produzidos pelas delegacias especializadas. Ao analisar a documentação que compõe o dossiê, percebe-se que os setores trocavam informações com outras delegacias e instituições externas, de modo que é comum encontrarmos, por exemplo, um documento enviado pela Delegacia de Ordem Social ou Delegacia de Estrangeiros para o Serviço Secreto sobre um determinado tema. Nesse sentido, precisamos atentar para a origem de cada documento que compõe o dossiê e qual órgão figura como responsável por aquela investigação, de forma que tais observações talvez possam auxiliar na compreensão da composição da unidade documental.

Nosso principal desafio é definir onde começa e acaba um dossiê. Todavia, nos deparamos com outras questões importantes para delinear a unidade documental, são elas: 1- o dossiê é formado pela soma dos dois primeiros códigos ou cada código representa um dossiê? 2- qual é a função do terceiro número? 3- por que em alguns casos encontramos dossiês que, aparentemente, tratam dos mesmos temas, mas estão arquivados em letras diferentes?

Segundo a pesquisa de mapeamento dos dossiês, a letra que possui o maior número de deles é o 30-B, composto por 290 dossiês, acondicionados em pastas de mesmo número, que versam sobre atividades suspeitas de comunistas e movimentos sindicais.[*20] Ao que parece, todas as pastas apresentam temática comum. Assim, poderíamos imaginar que os 290 “dossiês”, na verdade, podem ser apenas um. O mesmo poderia ser dito sobre os documentos arquivados no código 31-Z que, segundo a pesquisa, trata-se de uma subfamília composta por 6 dossiês, sendo que cada um contém apenas uma pasta e todos tratam de investigações sobre atividades anarquistas. É o caso também da subfamília 40, formada por 33 dossiês (acondicionados em 80 pastas) que, ao analisar os documentos, percebe-se que o setor responsável pelas investigações era o Serviço Secreto e não a Delegacia Especializada em Armas e Munições. Não obstante, em relação à compreensão do código alfanumérico, os últimos dossiês dessa subfamília, datados de 1977, apresentam investigações completamente diversas do restante do conjunto, sem obedecer à teoria da letra funcionando como um tema auxiliar do primeiro número.

Ao analisar os dossiês de código 42-A, percebemos que existe uma temática comum a todos os documentos. No caso do dossiê 42-A-1, que contém relatório com a classificação “niponismo”, a investigação versava sobre apenas um indivíduo que comercializava artigos para presentes e gêneros alimentícios. O dossiê seguinte, 42-A-2 trata das atividades realizadas pela Companhia Nacional de Reembolso, tema diverso do dossiê anterior. No dossiê 42-A-3, a diligência é sobre o fornecimento de açúcar no bairro de Itaquera. Por fim, o quarto dossiê, de código 42-A, apresenta um relatório elaborado pelo S.S. a respeito dos crimes contra a economia popular, mais precisamente sobre “câmbio negro”. Assim, seria possível inferir que todos os documentos de código 42-A compõem apenas um dossiê. Já os documentos pertencentes à subfamília 41, apresentam temas comuns arquivados em letras diferentes (41-A-01, 41-C-4, 41-Z-20), o que nos leva a pensar na possibilidade de toda a subfamília 41 representar um único dossiê.

De outra forma, encontramos a situação inversa, ou seja, dossiês que contém códigos comuns apresentam temáticas bem diferentes. É o caso dos dossiês arquivados na subfamília 43, que, em sua maior parte, versa sobre o movimento sindical e o Partido Comunista, embora também aborde investigações sobre o movimento estudantil durante o período militar. Esses documentos apresentam temas completamente diversos daqueles arquivados no restante do conjunto 40.[*21] Também é preciso ressaltar que a seqüência de arquivamento dentro de uma família, às vezes, corresponde a uma ordem cronológica. Assim poderíamos imaginar que o terceiro elemento do código, que é um número, represente a distribuição física dos dossiês, ou seja, as pastas.[*22]

Não menos intrigante são as repetições temáticas nos dossiês arquivados em famílias diferentes. Afinal, a perseguição aos estrangeiros, durante a Segunda Guerra Mundial, figura nas famílias 10, 40 e 50. Entretanto, nos dossiês arquivados na família 10 parece predominar a busca pelo crime de atividades nazistas, diferente daqueles arquivados na família 41, em que figuram os estrangeiros suspeitos de práticas comunistas. Talvez, essa variação temática justifique a divisão em famílias diferentes.

A família 50, considerada o conjunto documental mais complexo, parece abrigar um pouco de todos os temas arquivados nas famílias anteriores. Nesse conjunto, produzido, em sua maioria, a partir de 1964, observa-se que o S.S. passou a receber mais informações de outros órgãos da repressão, fruto da intensidade da repressão articulada no período da ditadura militar. Todavia, esse fato não nos permite afirmar que os documentos foram arquivados de acordo com os seus órgãos produtores. Ao analisar a família 50-Z-9, percebe-se que há uma relação temática entre os documentos, em que se mesclam informações recebidas pelo DOI-CODI, OBAN, Exército e relatórios do Serviço Secreto.

Em relação ao segundo elemento do código, as letras parecem indicar setores da sociedade. Segundo a pesquisa coordenada por Aquino, nem todos os números e letras foram utilizados porque não chegaram a preencher toda a série. Procurou-se então, localizar o denominador comum, ou seja, o tema central que unia aquela documentação. Em alguns casos, essa identificação é bastante clara. No entanto, os dossiês arquivados na letra Z parecem não possuir temática comum. Seria possível então considerar a letra Z como local destinado a abrigar os documentos “diversos”, passando posteriormente a ser arquivado no código assim que sua função fosse atribuída? A esse respeito, Aquino também observou que o terceiro elemento de alguns códigos começa com o número 0. Estes documentos não correspondem à ordem cronológica dos dossiês seguintes e também não apresentam necessariamente relações diretas com a temática atribuída ao código da família. “É como se houvesse dúvida onde colocar e se acabasse colocando no 0”, afirmou a autora.[*23]

Sabe-se que ainda precisam ser realizados muitos estudos para compreender totalmente a lógica de arquivamento, se é que isso é possível. Desvelar os códigos significa um grande desafio para os estudiosos da área. Todavia, espera-se que essas questões possam nortear trabalhos futuros, pois os temas semelhantes arquivados em códigos diferentes, assim como investigações completamente distintas reunidas no mesmo código, são questões recorrentes no processo de análise, que não podem ser ignoradas. Além disso, é preciso apurar cuidadosamente o objeto de investigação, procurando relacioná-lo com os outros documentos daquele código, buscando a definição da unidade documental. Acredito que essas análises contribuirão para maior compreensão das atividades da polícia política, assim como poderão nortear as pesquisas para o público interessado.

Referências Bibliográficas:

AQUINO, Maria Aparecida de (et.al.). Dossiês Deops/SP: Radiografias do Autoritarismo Republicano Brasileiro. Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 2002, 5 volumes.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org.) Coleção Inventário Deops. Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 2003, 6 volumes.
LEITÃO, Alfredo Moreno e SILVA, Débora Cristina Santos da. Identificação dos códigos da série dossiê do fundo Deops-SP: estudos preliminares. Vir a Ser, nº 2-3, 1998.
_____. Um histórico do fundo Deops/SP. Quadrilátero – Revista do Arquivo Público do Distrito Federal, Brasília, v.1, n.1, março/agosto de 1998.
PIMENTA, João Paulo Garrido. Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar. Revista de História, 132, FFLCH/ Usp: São Paulo, 1º semestre de 1995.
SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA SEGURANÇA PÚBLICA./ DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL. Resumo Histórico do DOPS. São Paulo: Tipografia do Departamento de Investigações, 1953.
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Doutoranda em História Social pela UNICAMP e Funcionária do Setor Permanente do Arquivo Público do Estado.
Lei n.2304, de 30 de dezembro de 1924.
Ao longo do texto, decidimos adotar a última sigla do órgão repressivo – DEOPS – Departamento Estadual de Ordem Política e Social.
Decreto n.4.780-A, de 28 de novembro de 1930.
Decreto n.9.893-B, de 31 de dezembro de 1938.
Idem.
Possivelmente, a elaboração dos códigos alfa-numéricos da série Dossiês tenha sido criada justamente para afastar pessoas estranhas às atividades do setor.
Para se ter uma idéia do trabalho rotineiro do Arquivo Geral, somente no ano de 1954, trabalhavam 23 funcionários no setor. Nesse período, foram arquivados 24.911 prontuários e mais 32.653 documentos. Informações retiradas do prontuário 126.204-B.
Decreto n.11.782, de 30 de dezembro de 1940.
Decretos n.13.969, de 9 de maio de 1944 e n. 14.822, de 2 de julho de 1945.
Os documentos produzidos pelo Serviço Secreto encontram-se na série Dossiês do acervo DEOPS.
SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA SEGURANÇA PÚBLICA./ DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL. Resumo Histórico do DOPS. São Paulo: Tipografia do Departamento de Investigações, 1953, 17-33.
A maior parte dessa documentação foi desmembrada do acervo DEOPS antes de sua transferência ao Arquivo Público do Estado. Apenas alguns processos investigativos de expulsão de estrangeiros figuram na série prontuários.
Prontuário 126.204-B, APESP, Fundo Deops/SP.
SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA SEGURANÇA PÚBLICA, op.cit., p.31.
Informações retiradas do prontuário 126.204-B, p.8-10.
Ver: PIMENTA, João Paulo Garrido. Os arquivos do DEOPS-SP: nota preliminar. Revista de História, 132, FFLCH/ Usp: São Paulo, 1º semestre de 1995; LEITÃO, Alfredo Moreno e SILVA, Débora Cristina Santos da. Identificação dos códigos da série dossiê do fundo Deops-SP: estudos preliminares. Vir a Ser, nº 2-3, 1998, p.201-203; dos mesmos autores, Um histórico do fundo Deops/SP. Quadrilátero – Revista do Arquivo Público do Distrito Federal, Brasília, v.1, n.1, março/agosto de 1998, pp.59-70; AQUINO, Maria Aparecida de (et.al.). Dossiês Deops/SP: Radiografias do Autoritarismo Republicano Brasileiro. Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 2002, 5 volumes. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org.) Coleção Inventário Deops. Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 2003, 6 volumes.
Ver: AQUINO, op.cit.
Sobre a identificação dos códigos alfanuméricos dos dossiês, ver também: LEITÃO, Alfredo e SILVA, Débora Cristina Santos da. Identificação dos códigos da série Dossiê do fundo DEOPS-SP: estudos preliminares, op.cit. Nesse artigo, os autores afirmam que a letra seria o elemento principal de arquivamento, denominando o tema do dossiê.
AQUINO, op.cit., v. 3, p.35.
Idem, vol. 3. p.47.
Na pesquisa de mapeamento e sistematização dos dossiês, os dossiês arquivados com o código 40 foram apresentados como documentos produzidos pelas delegacias de Armas e Munições, de Estrangeiros, de Ordem Política e a de Ordem Social e a de Ordem Econômica. AQUINO, op.cit., vol.4, p.33.
É o caso da família 50-Z, em que o terceiro elemento do código representa a divisão cronológica do assunto.
AQUINO, em seu artigo “DEOPS/SP: visita ao centro da mentalidade autoritária”, já havia atentado para a complexidade do arquivamento dos documentos que compõem a família 50 e, também, para a possibilidade de um documento migrar de código. AQUINO (et. al.), op.cit, vol.4, p.33-37.