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Artigo publicado na edição nº 41 de abril de 2010.
O judiciário no Brasil oitocentista entre a lei e costume
(caso da revolta de colonos no Pará, 1879)

Francivaldo Alves Nunes

Condições para revolta

A redução de despesas parece ter sido a principal ordenação do governo provincial quando deu posse ao novo diretor da Colônia Agrícola Benevides em 24 de abril de 1879. Fundada em 1875 pelo então Presidente Francisco Maria Correia de Sá e Benevides, era distante aproximadamente cinco léguas de Belém. Benevides foi a princípio organizada para receber imigrantes europeus, sendo que a partir de 1877 passou a abrigar colonos nacionais, vindos principalmente da província do Ceará, que migravam para a Amazônia em função da escassez de chuva que atingiu as províncias do Nordeste. No caso da nomeação do novo diretor, tratava-se de Antonio Bernardino Jorge Sobrinho, escriturário da tesouraria da fazenda provincial, muito acostumado com conta e gastos públicos. Essa experiência era tida por Gama e Abreu, Presidente do Pará e responsável pela nomeação, como requisito principal para a escolha de Jorge Sobrinho. Nesse aspecto, o governo havia solicitado ao novo diretor que fosse diminuído o custo com as diárias concedidas aos colonos que trabalhavam na construção de estradas, na limpeza de terrenos e em outras obras públicas; não satisfeito, exigiu que Jorge Sobrinho tomasse a frente nos trabalhos de regularização de toda a contabilidade do núcleo, de forma a exercer maior economia nos gastos públicos com a manutenção da colônia[*1].

Em 16 de junho de 1879, o Presidente Gama e Abreu fazia uma avaliação positiva do novo diretor. De acordo com administração provincial, Jorge Sobrinho teria correspondido fielmente às ordenações do governo, uma vez que havia posto em dia os pagamentos atrasados, que já chegavam a cerca de 20:000$000 réis, além de ter conseguido a diminuição das despesas em quase cinco contos de réis por semana[*2]. O corte no fornecimento de vestuário, de gêneros de alimentação e medicamentos era o fator responsável pela diminuição das despesas.

Mesmo considerando a possibilidade de que as insatisfações de alguns colonos pudessem tomar dimensões mais graves, Jorge Sobrinho estava disposto a continuar cortando as despesas com os colonos, principalmente diminuindo os socorros públicos; no caso, um auxílio em dinheiro e alimentação que os colonos recebiam quando dos primeiros seis meses de permanência no núcleo agrícola – tempo que o governo entendia como suficiente para as primeiras colheitas. Para complicar a situação, resolveu reduzir o número de trabalhadores que prestavam serviço para a direção do núcleo, principalmente nos trabalhos de limpeza e demarcação dos lotes, permanecendo apenas os que executavam os trabalhos de derrubadas, de abertura de valas e de aterramentos de estradas. No caso dos que permaneceram trabalhando, os salários foram reduzidos. De acordo com a contabilidade da administração provincial, as despesas da colônia, que giravam em torno de 14 contos por semana ou 56 por mês, ficaram reduzidas a 20 contos mensais[*3].

As medidas tomadas pela diretoria da colônia eram acompanhadas por uma série de ameaças contra o diretor Jorge Sobrinho. Em maio de 1879, quando da demissão de alguns colonos que prestavam serviço à diretoria do núcleo, o cearense Alvino Vieira Santos, um dos milhares de retirantes que migraram para a Amazônia a partir de 1877, não deixou por menos a dispensa de seus serviços. Na ocasião, agrediu um dos empregados da sede da diretoria e, quando chamado à repartição para prestar esclarecimentos, não apenas justificou a agressão como resultado de sua dispensa como também ameaçou o diretor da colônia com um revólver, prometendo dar cabo da vida dele caso o seu trabalho não fosse restabelecido. Contido por alguns empregados da diretoria, o colono foi encaminhado para a subdelegacia de polícia da colônia – o que para a direção do núcleo de nada adiantou, visto que no dia seguinte à prisão “já estava solto e promovendo distúrbios de toda qualidade, assim como ameaçando os trabalhos da diretoria do núcleo”[*4]. A justificativa para a liberação de Alvino Vieira Santos era de que a atuação do colono não resultava de quem “agia por má índole”, mas de “um trabalhador, preocupado com o sustento da família”, pois “qual era o criminoso que brigava para trabalhar?”; “um caso desse diz respeito apenas aqueles que querem viver honestamente do suor do seu rosto”, dizia o comunicado redigido pelo subdelegado de polícia de Benevides, Antonio José de Freitas, à Chefatura de Polícia sediada em Belém[*5]. A ação do colono era interpretada pelo subdelegado como descontrole de quem havia perdido, usando a expressão do próprio chefe de polícia, “o seu ganha pão”. Neste caso, a manutenção da prisão não se justificaria, pois se entendia que, embora houvesse desrespeito com a principal autoridade da colônia, o diretor, a ação do colono havia sido provocada pela insensatez das autoridades que haviam privado o homem do que era considerado como valor precioso pelo subdelegado Antonio José de Freitas, o trabalho. Desta forma, mantê-lo na cadeia era, portanto, ao mesmo tempo que privar o homem do seu ofício, deixá-lo de prover-se do seu próprio sustento e mantê-lo na dependência dos cofres públicos.

O parecer do subdelegado à Chefatura de Polícia causou certa animosidade deste com o diretor da colônia; tanto que Jorge Sobrinho não só lamentava a decisão do chefe de polícia como também dizia que a decisão de manter o colono em liberdade atentava contra a manutenção da autoridade do diretor do núcleo[*6]. A preocupação de Jorge Sobrinho com o retorno do colono Alvino Vieira Santos era que pudesse estimular outros levantes. Situação bem provável de acontecer, afinal eram muitos os colonos insatisfeitos com as decisões tomadas por Jorge Sobrinho que, além de reduzir salários, era responsável pela dispensa de vários operários; o que fazia com que os colonos que prestavam serviço para a diretoria do núcleo ficassem sem a principal verba necessária para a sua manutenção e da suas famílias. Nesse caso, o parecer do chefe de polícia local e as divergências de entendimento entre as autoridades, de fato, criava condições para que novos levantes pudessem ocorrer.

As ameaças à atuação do diretor da colônia não se restringiram ao período de administração de Jorge Sobrinho. Em 3 de dezembro de 1878, o diretor da colônia Henrique Costard comunicava ao então Presidente Joaquim do Carmo que havia expulsado os colonos Antonio Pedro de Almeida e Luciano Columbier, autores de provocações e ameaças, porque tinham deixado de receber os auxílios do governo[*7]. Por conta disto, Henrique Costard advertia as autoridades policiais para manterem os colonos distantes do núcleo, uma vez que poderiam realizar novas desordens.

Esse cenário, um tanto quanto tumultuado, que demonstra que os espaços dos núcleos coloniais eram, quase sempre, marcados por conflitos entre os colonos e as autoridades, exigia um aparato policial capaz de garantir o controle sobre as ações de revoltas dos colonos, o que não era possível no caso da Colônia Benevides. Diante das ameaças, muito pouco podia fazer a administração da colônia, isso porque contava com o apoio de apenas quatro praças, um subdelegado e um escrivão que deveriam atender a uma população de mais de 8 mil colonos. Nesse aspecto, lamentava a diretoria do núcleo que “para piorar a situação, do pouco número de praças disponíveis para manter a ordem, estes ainda se envolviam em rixas com os moradores do povoado”, como a que ocorreu em 8 de dezembro de 1878, às 10 horas da noite, quando a briga, resultado de embriaguez, foi responsável pelo espancamento e pelos ferimentos de praças e colonos[*8].

Diante das ameaças ao diretor Jorge Sobrinho e da impossibilidade de uma ação repressora, o governo passou a acusar os colonos de “turbulentos e díscolos”, atribuindo essas atitudes “a meia dúzia de cearenses”[*9]. A ideia era encontrar entre os colonos as possíveis lideranças das ações de contestação às medidas adotadas pelo diretor da colônia. O objetivo era, como consequência dessa identificação, garantir que fossem expulsos da colônia. O que se observa é que para desqualificar as ações dos colonos, os administradores da colônia utilizavam um discurso um tanto quanto contraditório, pois, ao mesmo tempo em que afirmavam que não haveria qualquer possibilidade de um levante, admitiam que as ameaças se tornavam cada vez mais constantes. Nesse caso, o comportamento do governo refletia a atitude de quem tentava minimizar os problemas ou demonstrava total desconhecimento das consequências provocadas com a redução dos auxílios aos colonos, que era a principal queixa dos revoltosos.

Assim, na manhã de 20 de julho de 1879, alguns colonos insatisfeitos com as últimas decisões tomadas pelo governo provincial, principalmente a diminuição dos socorros encaminhados aos cearenses, resolveram ocupar a sede da diretoria da colônia. Conforme depoimento do capitão Alfredo Leopoldo Moura Ribeiro, que havia participado do movimento, um número grande de pessoas juntou-se desde as primeiras horas da manhã em diversos locais da colônia. Muitos se diziam prejudicados com o fim do auxílio concedido pela administração provincial e acreditavam que precisariam exigir do governo “o retorno imediato do pagamento”[*10].

Ao final da manhã já era grande o número de colonos que se encontrava em frente à diretoria do núcleo e mais colonos se dirigiam em marcha para falar com Jorge Sobrinho. Conforme publicou O Liberal do Pará em agosto de 1879, “armados de cassetes, terçados e facas” os colonos “irromperam a sala pública da casa da diretoria” e “os aposentos particulares do diretor”. Em poucos minutos “a casa estava tomada, tendo colonos não apenas do lado de dentro, mas a quantidade de pessoas era tanta que a diretoria estava completamente cercada”. Jorge Sobrinho “entre gritos e pancadas de terçados e cassetes nas paredes da sede da diretoria era logo feito prisioneiro”[*11].

Contido o ímpeto de alguns colonos que responsabilizavam o então diretor pela suspensão no pagamento dos socorros públicos, ficou acertado que precisariam enviar suas reivindicações para a Presidência do Pará e, nesse caso, decidiram utilizar o próprio Jorge Sobrinho como portador. O colono Manuel Francisco do Nascimento encarregou-se imediatamente de arranjar um cavalo que deveria levar o diretor da colônia até Belém; a orientação dos colonos era para que comunicassem ao Presidente Gama e Abreu o que havia ocorrido, e que as exigências para que a situação se normalizasse seria o retorno imediato do envio de socorros públicos. Caso não atendesse à solicitação, afirmavam que estavam dispostos a fazer uma marcha até a capital e cobrar pessoalmente aquilo que o governo lhes havia retirado. No início da tarde, Jorge Sobrinho partia de Benevides em direção a Belém.

Assim que tomou conhecimento do levante à administração provincial, resolveu pedir auxílio ao governo imperial, solicitando o envio de tropas para combater uma possível invasão à capital. De acordo com o Senador Leitão da Cunha, foi enviada do Maranhão, por ordem do Imperador, a canhoneira Lamego levando 30 praças que deveriam restabelecer a ordem na colônia, número considerado insuficiente pelo Senador. Isso impossibilitava que o governo exercesse qualquer tipo de reação[*12]. Dispondo apenas de um batalhão, Gama e Abreu via-se obrigado a atender as solicitações dos colonos ou aguardar reforço militar da província do Maranhão; que, conforme advertia Leitão da Cunha, não seria suficiente para combater os revoltosos.

O temor de que os colonos marchassem até Belém preocupava não apenas as autoridades provinciais[*13]. Logo, o governo imperial aconselhava parte do batalhão da 11ª infantaria que seguia para o Amazonas a permanecer em Belém até que fosse restabelecida a tranquilidade pública. Outra recomendação era para que o governo provincial estabelecesse um acordo de forma a atender parte das reivindicações, evitando que situações mais graves pudessem ocorrer[*14]. Diante das recomendações, o Presidente Gama e Abreu resolveu fazer o envio de força militar acompanhado da informação de que os socorros públicos seriam mantidos e de que as despensas de alguns colonos que prestavam serviço para a diretoria do núcleo seriam revistas, o que evidenciava que o governo havia cedido às pressões dos colonos.

Segundo o jornal O Liberal do Pará de 21 de agosto de 1879, o comunicado do retorno do pagamento dos benefícios aos colonos foi suficiente para acalmar os ânimos, não se registrando, pela administração provincial, conflitos com os praças que foram enviados para manter a ordem. Apesar de não se ter o registro de grandes resistências oferecidas pelos colonos, a documentação pesquisada sugere que a administração precisava tomar algumas medidas de forma a não ficar desmoralizada em frente aos revoltosos, visto que o movimento havia obtido êxito, principalmente quanto ao restabelecimento dos socorros públicos. Diante disso, o Presidente Gama e Abreu solicitou ao chefe de polícia da capital, Antonio Muniz Sodré de Aragão, que fizesse um trabalho de investigação de forma a “apurar os fatos, identificar os motivos para o movimento e apontar os lideres da insurreição”[*15].

Gama e Abreu, assim como o diretor da colônia, Jorge Sobrinho, acreditava que a revolta serviria muito mais para desmoralizar as suas administrações do que para uma real necessidade dos socorros públicos[*16]. Nesse caso, a principal acusação recaía sobre o ex-diretor Pinto Braga, que o próprio Jorge Sobrinho admitia ter grande prestígio sobre a maioria dos colonos. Suspeitava-se ainda dos que estavam sendo prejudicados com o fim do envio dos socorros públicos, no caso, não os colonos a quem os socorros deveriam atender, mas os que se aproveitavam da verba pública para aumentar os seus patrimônios particulares. Há de se considerar que era interessante para o governo desviar a atenção sobre alguns problemas enfrentados pelos colonos e que de certa forma demonstravam as fragilidades de suas administrações. Estamos nos referindo à criação de situações que dificultavam a permanência dos colonos em Benevides, provocada principalmente pela falta de sementes para plantio, pelo limitado tamanho dos lotes que não permitia que a produção de alimentos atendesse o consumo da família e a comercialização, a não entrega de terrenos nos períodos apropriados para plantio, entre outras situações que condicionavam os colonos à dependência do auxílio do governo.

As interpretações e defesas de interesses

Em cumprimento às determinações do Presidente Gama e Abreu, Antonio Muniz Sodré de Aragão, ainda em 7 de agosto de 1879, dava por encerrado o processo de investigação do conflito ocorrido em Benevides. As conclusões apontavam para alguns colonos citados como “cabeças” do movimento. O inquérito publicado em O Liberal do Pará, de 20 de agosto de 1879, limitava-se a descrever os principais acontecimentos do dia em que se deu a revolta, apontar os principais envolvidos e identificar as lideranças[*17]. De acordo com a conclusão dos autos, foram indiciados como participantes diretos da revolta Antonio Pedro de Almeida, Manoel Vicente Ferreira Pinto, capitão Alfredo Leopoldo de Moura Ribeiro, Henrique José Pereira, Manoel Francisco do Nascimento, Pedro de Matos Arraes (conhecido como Pedrão), Francell Gaspar de Barros, João Alves da Silveira, João Ferreira Braga, Antonio da Silva Salgado, Antonio Tavares Dubas, João Maurício Cabral, João Ferreira Filho, Raymundo Nogueira, Sesostres Pereira de Andrade, Balthazar Ferreira do Valle, Antonio Rufo, Francklim Marinho e Manuel Roiz Machado (conhecido como Manoel Roiz Peixe).

Para o chefe de polícia, os colonos haviam cometido crime de sedição, ou seja, ajuntamento de pessoas armadas com intuito de promover a desordem publica; e nesse aspecto indiciava os colonos Antonio Pedro de Almeida, Manoel Vicente Ferreira Pinto, capitão Alfredo Leopoldo de Moura Ribeiro, Henrique José Pereira, Manoel Francisco do Nascimento, Pedro de Matos Arraes e Francell Gaspar de Barros como lideranças do movimento e os restantes como cúmplices. Antes do final do mês de agosto, a imprensa dava conta da revogação do mandado de prisão contra os indiciados como participantes dos conflitos[*18]. O alvará de soltura emitido pelo juízo da capital não só era em favor dos que se achavam presos, como ainda daqueles a respeito dos quais ainda não tinham executadas as prisões.

O conflito que até então se materializara na tomada da diretoria da colônia e ameaçara ocupar a cidade de Belém, além de outras ações isoladas dos colonos, tomava o caminho dos tribunais. Um amplo debate passa a se estabelecer em torno dos conflitos, envolvendo as autoridades provinciais e do Império numa demonstração, como veremos posteriormente, que negava a ideia de que as ações das camadas populares pouco interferiam na atuação dos governos ou que as ações desses grupos eram conduzidas pelas classes dominantes, havendo, assim, uma incapacidade da população pobre de reivindicar e gerenciar suas demandas[*19]. Nós, aqui, compactuamos com a concepção que concebe as camadas populares ativas e desejosas de participação nas decisões que interferem diretamente na sua condição de vida[*20].

O Senador Leitão da Cunha era de parecer que os colonos não teriam responsabilidades na revolta, pois esta teria sido provocada pela insensatez do Ministério da Fazenda. A insensatez a que se referia o Senador dizia respeito a um aviso encaminhado às províncias do Pará e do Amazonas comunicando que fossem suspensos os recursos aos retirantes cearenses[*21]. A execução do aviso deixaria, segundo avaliação, mais de 8 mil colonos, somente em Benevides, sem os auxílios dos socorros públicos. O caso mais grave, para Leitão da Cunha, foi o de não se avaliar os efeitos desse tipo de medida, subestimando qualquer possibilidade de reação dos colonos. Por outro lado, a administração provincial não se posicionou diante das ordens do governo imperial, o que por um lado demonstrava a não preocupação com os problemas da província, por outro podia refletir um desconhecimento das reais situações em que viviam os colonos. Para Leitão da Cunha, ao Presidente da província não caberia apenas o papel de fiel cumpridor das ordens do Império. Sua fidelidade para com a Coroa seria assegurada na apresentação da real situação de cada província, papel que, de acordo com o Senador, não teria sido cumprido, uma vez que o Presidente do Pará não apresentou com fidelidade a situação da província nem se posicionou frente o governo imperial de que estava impossibilitado de cumprir as ordenações quanto ao corte de despesas com manutenção dos colonos.

O que se observa é que a revolta empreendida pelos colonos em Benevides havia suscitado um debate quanto à relação que as administrações provinciais estabeleciam com o Império. Nesse caso, chama-se a atenção para as atribuições do Presidente de província que, muito mais que cumpridor dos interesses do Império nas províncias, deveria se constituir como articulador, negociando os diferentes interesses que estavam sendo postos em disputa. Essa situação contribui para negar a concepção de que o Estado brasileiro é construído a partir da imposição de interesses das classes dominantes da região Centro-Sul sobre o restante do país[*22], aproximando muito mais com a perspectiva de que a consolidação do Estado Imperial no Brasil foi consequência de conflitos e cooperações instáveis[*23].

De acordo com os dados apresentados por Leitão da Cunha, as ordens para diminuição das despesas com os colonos cearenses não atingiam apenas os de Benevides. Os locais de atendimento dos migrantes que chegavam ao Pará encontravam-se em condições precárias, como o Asilo de Cearenses, que estaria com a sua capacidade de atendimento reduzida à metade, além do fechamento da Enfermaria do Braz, criada para atender os cearenses que apresentassem algum problema de saúde. Destacava-se ainda o caso de que muitas comissões de socorros no interior tiveram de encerrar as suas atividades por falta de recursos. As palavras do Senador Leitão da Cunha permitem, portanto, entender que o levante que havia ocorrido em Benevides era consequência de toda uma situação que refletia o descaso do governo provincial com a migração de cearenses para Amazônia, não se restringindo apenas à suspensão dos auxílios concedidos aos retirantes, o que dava uma dimensão muito maior ao conflito. Desta forma, concebemos a revolta dos colonos em Benevides também como consequência da incapacidade das autoridades em promover condições mínimas de sobrevivência. Essa fragilidade das instituições do Estado não permitiu que o governo percebesse as reivindicações e o grau de insatisfação dos colonos e quando percebeu foi incapaz de atendê-las[*24].

As acusações do Senador Leitão da Cunha suscitaram uma série de debates no Senado. Nesse aspecto, o Senador Jaguaribe, representante da província do Ceará, indagou se não havia outros interesses, além dos que naturalmente motivariam os colonos. Leitão da Cunha não descartava a possibilidade de que a rebelião recebesse apoio, inclusive, de funcionários do próprio governo. De acordo com a carta que recebera de um de seus informantes, havia muita gente enriquecendo com os socorros públicos e não eram os colonos que gozavam desse enriquecimento. Segundo o informante, de todo o dinheiro que o governo tinha gasto e continuava gastando, a título de socorro, apenas uma terça parte, quando muito, teria tido a devida aplicação[*25].

Essa situação, no mínimo, causaria estranhamento para o Senado. Isto porque as documentações apresentadas pelo Presidente Joaquim do Carmo na Assembleia Legislativa Provincial em 22 de abril de 1878[*26] e o relatório do Presidente Gama e Abreu de 16 de junho de 1879[*27] apontavam várias distorções nos seus dados sobre os gastos com a Colônia Benevides. Enquanto o primeiro procurava demonstrar que a colônia não apresentava qualquer problema do ponto de vista do excesso de despesas com manutenção dos colonos, o segundo mostra-se surpreso com o volume de gastos que se fazia a título de socorros aos cearenses. Desta maneira, o entendimento do Senado era de que, se havia possibilidade de uma economia de 3$500, feita pela administração de Gama e Abreu em cada semana, isto demonstrava que parte dos recursos não estaria sendo aplicada em favor dos cearenses[*28].

De acordo com Leitão da Cunha, a omissão de informações quanto à situação da colônia poderia estar associada a uma série de irregularidades cometidas com relação ao uso dos socorros públicos; situação que para o Senador precisaria ser mais bem investigada. Sobre as omissões, tratava-se do requerimento de 31 de março de 1879, em que o Senado havia solicitado informações quanto às despesas que haviam sido feitas na província do Pará em razão da verba para socorro público. Dados que até 8 de maio daquele ano não haviam sido apresentados. Em razão de não ter nenhuma posição da administração do Pará, o Senado resolveu aprovar uma nova solicitação, agora para o governo imperial. Nesse caso, o ministro do Império na época, Leôncio de Carvalho, respondeu dizendo que havia solicitado informações da Presidência provincial. Posteriormente a isso, nenhuma comunicação foi emitida ao Senado. O descaso tanto do governo imperial quanto da província testemunhava a omissão ou a cumplicidade com os equívocos cometidos pela administração pública em Benevides, concluía o senador[*29].

Uma primeira irregularidade apontada pelos Senadores estava no fato de o Ministério da Agricultura considerar o núcleo como não incluído no regime de colônias do Império, ou seja, sustentado com as verbas do Ministério. No caso de Benevides, esta seria sustentada, estrategicamente, pela verba Socorro Público, pois assim seria possível ao Presidente de província abrir crédito extraordinário quantas vezes quisesse, situação que não oferecia qualquer limite nos custos com a manutenção da colônia. Nesse caso, eram diversos os interesses que estariam por trás de tudo isso. A falta de controle dos gastos na colônia estaria favorecendo desde os fornecedores até os funcionários públicos. Nesse aspecto, não se poderia deixar de suspeitar que essas pessoas tivessem apoiado a rebelião dos colonos quando os socorros públicos foram cortados.

Convocado para prestar esclarecimento aos senadores, o Ministro Cansansão de Sinimbú afirmou que toda atuação da presidência do Pará, quanto ao conflito envolvendo os colonos de Benevides, seguiu recomendação do governo imperial. De fato, em circular do Ministério da Agricultura de 15 de janeiro de 1879, o Ministro José Luis Vieira Carneiro solicita à administração provincial uma completa redução das despesas com a Colônia Benevides de forma que os custos fossem suprimidos “aos mais estreitos limites que a organização dos serviços comporte”[*30]. Cansansão de Sinimbú não acreditava no envolvimento de outros interesses, fosse dos partidários ou críticos da administração de Gama e Abreu. Descartava também qualquer possibilidade de envolvimento de comerciantes e funcionários públicos na revolta. Para ele, todas as providências foram tomadas para resolver o problema, afinal, assim que recebeu informações do que ocorria no Pará, a administração geral mandou suspender a ordem de interrupção no fornecimento de auxílio aos colonos. No entanto, recomendou que o governo verificasse a situação de cada um, de forma que se mantivessem os socorros públicos para os cearenses recém-chegados e para os que ainda não tivessem tempo de desenvolver algum cultivo[*31].

A participação do Ministério da Agricultura, em uma análise mais superficial, poderia evidenciar uma resposta imediata da administração imperial, motivada pelos possíveis problemas que poderiam atingir as autoridades do Pará, caso se efetivasse a marcha dos colonos sobre Belém. Não se pode, no entanto, descartar que a atuação do Império em atender as exigências dos colonos pode estar relacionada ao período que Ricardo Salles, em estudo sobre o Segundo Reinado, chamou de “crise de hegemonia”, ou seja, momento em que a ação da Coroa “passou a refletir uma atitude de defensivismo” frente a ações populares. Essa situação era consequência do fortalecimento do movimento abolicionista republicano e da falta de estabilidade nas províncias, que fazia com que a as ações do governo durante o final da década de 1870 e os anos de 1880, guardadas as devidas proporcões, estivessem relacionadas às respostas a pressões sociais, evitando maiores embates e consequentemente novos desgastes do governo[*32].

Ainda sobre os esclarecimentos do Ministro Cansansão de Sinimbú aos senadores e a reclamação de que o Ministério da Agricultura não havia assumido as despesas com a manutenção da colônia, deixando todos os gastos por conta dos cofres provinciais, o Ministro afirmava que não se tratava de uma jogada política para não exercer qualquer controle sobre as despesas com a colônia, como acusava o senador Leitão da Cunha, mas era a única alternativa encontrada pela administração imperial para garantir auxílio aos retirantes. Afinal, um dos meios de sustentar a população desvalida era dar-lhe alimento, asilo e assegurar o seu estabelecimento em terras no interior da província. Nesse caso, essas despesas não podiam correr por conta da verba do Ministério da Agricultura para manutenção dos núcleos coloniais, mas através da verba direcionada a Socorros Públicos. Isso porque o Ministério teria a seu cargo apenas o serviço de colonização estrangeira, ou seja, não estava estabelecido no orçamento as despesas com a manutenção de colônias ocupadas por trabalhadores nacionais nem havia um programa ou uma legislação que atribuísse ao governo imperial o estabelecimento desse tipo de colonização[*33].

Diante dos senadores, Cansansão de Sinimbú se comprometia a criar medidas que evitassem novos conflitos em Benevides. Ele iria entrar em contato com o presidente do Pará e recomendar que fossem garantidos os auxílios públicos aos colonos que estavam no núcleo e que se evitasse que novos retirantes fossem encaminhados para Benevides até que a ordem e tranquilidade fossem restabelecidas. Além disso, autorizava o envio de um contingente de soldados à colônia, pois de acordo com as informações era significativo o número de colonos insatisfeitos, e nesse caso, a presença das autoridades policiais deveria ser assegurada de forma a evitar qualquer tipo de levante[*34].

Não se tem os dados da quantidade de soldados enviados a Benevides. No entanto, sabe-se que o governo tinha a sua disposição, além da canhoneira Lamega com os praças da província do Maranhão, os soldados do 1º batalhão com sede em Belém e parte da infantaria que seguia para o Amazonas. A presença da força policial na colônia facilitou a execução de algumas medidas de retaliações aos colonos que participaram da revolta. Em 15 de fevereiro de 1880, o governo dava por conta a saída de 1.500 colonos, qualificados como “rixosos e turbulentos e que só serviam para alterar a ordem”[*35]. Esses colonos, segundo o presidente Gama e Abreu, não queriam lotes para o trabalho agrícola. Eles estavam habituados apenas ao trabalho garantido pelo governo, no qual recebiam diárias, e eram bastante frequentes as suas faltas; todavia, mantinham-se incluídos nas folhas de pagamento. Para Gama e Abreu a moralização dessa prática de receber e não trabalhar teria levantado a ira dos colonos contra o governo e a ameaça de ocupar Belém.

Esta versão dos acontecimentos e os diversos adjetivos atribuídos aos colonos tinham o propósito de omitir, conforme observamos anteriormente, a fragilidade do projeto de colonização oficial, que não conseguia garantir as condições básicas de sobrevivência nesses espaços. Diante dos acontecimentos, o governo não estava satisfeito apenas com a saída de colonos nem apenas em desqualificar a revolta; a intenção era prender e condenar alguns revoltosos. Neste aspecto, o auto do processo de investigação conduzido por Antonio Muniz Sodré de Aragão atendia as expectativas do governo provincial, pois recomendava a prisão imediata de alguns envolvidos que estavam em liberdade e solicitava a manutenção da prisão dos que foram detidos durante o processo de investigação do levante[*36].

A justiça entre a lei e o costume

A posição do chefe de polícia, elogiada pelo presidente do Pará, foi desaprovada pelo Superior Tribunal de Relação, que reformou o despacho, inocentando os réus e mandando executar alvará de soltura não só em favor dos que se achavam presos como ainda daqueles a respeito dos quais não tinham sido executadas as prisões. Diante da posição do Tribunal de Relação, responsável por emitir parecer às solicitações constantes nos autos de investigação da chefatura de polícia, o jornal O Liberal do Pará insinua uma possibilidade de manobra dos que tinham interesses com o conflito em Benevides – neste caso, fazia referência aos que poderiam estar se beneficiando com o constante envio de verbas públicas para o socorro aos colonos[*37].

O parecer do tribunal era criticado pelo jornal O Liberal do Pará por ter diminuído a gravidade do que ocorreu em Benevides, uma vez que não qualificava o levante como crime de sedição ou revolta.[*38] A justificativa da decisão de inocentar os acusados era a de que não se poderia atribuir o caráter de sedição a uma reunião de pessoas não armadas. O tribunal alegava ainda que o ocorrido em Benevides não poderia ser identificado como ajuntamento ilícito, uma vez que, os elementos que motivaram os colonos a se reunir na sede administrativa do núcleo era, apenas, obter informações dos motivos que levaram a administração a suspender os auxílios aos colonos, não havendo qualquer plano anterior de tomada da diretoria da colônia ou de ameaça de ocupação de Belém; situações que “se deram apenas no calor do movimento”[*39].

O conselheiro Vicente Alves de Paula Pessoa, responsável pelo parecer do Tribunal de Relação, concluía suas observações destacando que o chefe de polícia não tinha competência para proferir sentenças, sendo que a sua atuação deveria se limitar apenas aos aspectos investigativos. Portanto, não cabia ao chefe de polícia concluir os autos do processo com parecer favorável à prisão dos revoltosos ou à manutenção na cadeia dos que haviam sido presos, devendo manter as suas observações apenas na descrição dos fatos. O conselheiro Paula Pessoa evocava neste parecer o artigo 9º da Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871, que extinguia a competência do chefe de polícia, delegados e subdelegados quanto a pronúncia ou parecer nos crimes comuns[*40].

A edição de 21 de agosto de 1879 de O Liberal do Pará lamentava a decisão do Tribunal em desconsiderar o parecer do chefe de polícia. Outro equívoco, segundo o jornal, era não ter levado em consideração que muitas pessoas estavam de posse de cassetes e facas, conforme descreveram as testemunhas. Para o jornal, a sentença apresentava dois erros principais: o primeiro era o de não atentar que vários colonos estavam armados de cassetes, e nesse caso desconsiderar os cassetetes como armas; o segundo era de o tribunal se deixar levar pelas conversas de que era hábito dos colonos cearenses usarem facas embainhadas na cintura, o que demonstrava que a presença de alguns colonos portando facas não se devia ao levante, mas a um costume dos cearenses em andarem armados[*41]. Nesse aspecto, o entendimento do Tribunal de Relação era o de que, embora a lei estabelecesse a faca como arma, no caso dos cearenses que participaram do conflito, eles não podiam ser qualificados como portadores de armas, pois se entendia que o uso da faca era comum entre essas pessoas, configurando muito mais um costume do que um crime[*42].

O Liberal do Pará, como representante dos interesses da presidência da província, resumia a decisão do Tribunal como ato que estimulava a desordem e o desrespeito às instituições em troca de favores a amigos e correligionários. A sentença do conselheiro Paula Pessoa, segundo o jornal, em vez de garantir “que os sediciosos de Benevides estivessem na cadeia, lá estão na colônia soltando foguetes em louvor ao ilustre presidente do Tribunal da Relação e a quem apóia”[*43].

Mesmo considerando os interesses que estão presentes na decisão do Tribunal de Relação, principalmente quanto aos que apoiavam a rebelião dos colonos em Benevides, não se pode deixar de registrar que a divergência entre as autoridades foi um fator decisivo para o êxito da revolta, que tinha como reivindicação mais imediata o retorno dos auxílios e socorros públicos. No entanto, observa-se também que o conflito provocou diversas discussões e ações do governo tanto provincial quanto do Império no sentido de corrigir equívocos cometidos que, guardadas as devidas proporções, favoreceram a atuação dos colonos, ampliando as suas possibilidades de conquistas de outras demandas, principalmente quanto ao fim das demissões dos colonos que prestavam serviço nas obras públicas na colônia.

No caso mais específico do parecer do Tribunal de Relação – que inocentava os colonos por considerar legítima a sua ação de tomar satisfações junto aos poderes públicos, ou ainda por não considerar o uso da faca por cearenses como armamento, mas como parte dos costumes desses colonos –, o que se observa é que o posicionamento da justiça, além de legitimar a atuação dos colonos, como nos referimos anteriormente, amplia o campo de disputa, permitindo que recorram ao judiciário na tentativa de que seus interesses sejam atendidos[*44], sem contar que os colonos percebem que os diferentes posicionamentos das autoridades, ao mesmo tempo que reflete um conflito de interesses, amplia a possibilidade de assegurar apoio para suas reivindicações.

Os conflitos de interesses entre as autoridades provinciais e a maneira como os colonos se aproveitavam dessa situação para assegurar apoio para suas reivindicações ficam evidentes nas eleições de 1880. Segundo o jornal O Liberal do Pará era evidente o apoio dos colonos de Benevides aos candidatos de oposição à administração provincial. Em tom de denúncia, o jornal citava a presença de muitos colonos cearenses armados pelas ruas de Belém “intimidando os eleitores”. O jornal identificava esses colonos como “os malvados Abel Bertholdo, João da Lenha e Chico Beiçola”[*45]. O conflito do ano anterior às eleições, de fato, parece ter contribuído para um desgaste da administração provincial junto aos colonos, o que poderia ter facilitado uma aproximação maior dos candidatos ligados ao Partido Conservador, que fazia oposição ao governo. Os colonos Abel Bertholdo, João da Lenha e Chico Beiçola, entre outros colonos que são citados pelo jornal, atuavam a serviço do padre José Lourenço da Costa Aguiar, candidato a deputado provincial pelo Partido Conservador, que havia se posicionado favoravelmente ao movimento de revolta em Benevides e à retomada do pagamento dos socorros públicos, o que provavelmente deva ter contribuído para receber o apoio dos colonos[*46]. Nesse caso, a presença de colonos atuando nas eleições de 1880 parece evidenciar que a revolta de 1879 possibilitou uma articulação de interesses, em que as demandas dos colonos passam a estar envolvidas num espaço de disputa que não está circunscrito aos interesses dos grupos dominantes locais.

Essa situação demonstrava, somadas às muitas outras já citadas, que o conflito em Benevides havia tomado diversas proporções. A princípio, ganhou na imprensa e na fala dos poderes públicos feições de intrigas e disputas políticas, e, quando necessário, nesses mesmos discursos, os conflitos e reivindicações eram representados como um levante de proporções tão grandes a ponto de se temer a invasão da capital do Pará por colonos empobrecidos, e de se colocar à disposição das autoridades uma canhoneira com praças do Maranhão a fim de intimidar os possíveis revoltosos. Ao lado disso, parece-nos que para os colonos o evento se revestia de um caráter reivindicatório, em que a ameaça é vista como elemento que possibilitaria uma resposta imediata do governo para resolver problemas cotidianos que exigiam solução também imediata. Afinal, tratava-se do pagamento de auxílios, dos quais dependia a alimentação de muitos colonos.

Embora a princípio o evento tenha se revestido de um caráter imediato, as motivações da revolta e os rumos que tomou propiciaram uma peculiaridade ao movimento, incorporando novas demandas, como a necessidade de manutenção dos postos de trabalho aos colonos. Há de se destacar que a revolta possibilitou um amplo debate junto às autoridades provinciais acerca das condições de vida no interior dos núcleos coloniais e sobre o posicionamento dos administradores junto a esta questão, sem contar que a atuação dos colonos criou um outro espaço de disputas antes restrito à diretoria da colônia e à presidência da província: trata-se do judiciário, que passa a ser visto pelos colonos como instância em que as suas demandas podem ser debatidas e asseguradas. Por fim, destaca-se a percepção dos colonos quanto ao posicionamento das autoridades frente ao conflito, demonstrando divergência de concepções, que por sua vez é revestida por diferentes interesses. As divergências são encaradas, do ponto de vista dos revoltosos, como caminhos possíveis de negociação de interesses. O campo de negociação, nesse aspecto, não estava circunscrito aos setores dominantes da sociedade, mas incorporava demandas construídas ao longo da revolta. Diríamos que a experiência vivenciada pelos colonos de Benevides em 1879 não apenas assegurou a retomada dos auxílios e socorros públicos, mas possibilitou um repensar das ações públicas em torno dos programas de colonização, assim como legitimou novos campos de atuação dos colonos na luta por melhores condições de vida.

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Mestre em História Social da Amazônia e Professor na Universidade Federal do Pará; doutorando em História Social e pesquisador do Núcleo de Referência Agrária na Universidade Federal Fluminense. E-mail: francivaldonunes@yahoo.com.br.
NÚCLEOS Coloniais. O Liberal do Pará. Belém, p. 01, 02 out. 1879.
Falla do Presidente da Província do Pará, em 16 de junho de 1879, p. 20.
Relatório do Presidente da Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 26.
APEP. Caixa 340 (1874-1879). Ofício da Diretoria da Colônia Benevides de 14 de maio de 1879.
APEP. Códice 367 (1877-1879). Ofício da Sub-delegacia de Benevides de 17 de maio de 1879.
APEP. Caixa 340 (1874-1879). Ofício da Diretoria da Colônia Benevides de 14 de maio de 1879.
APEP. Caixa 340 (1874-1879). Ofício da Diretoria da Colônia Benevides de 03 de dezembro de 1878.
APEP. Caixa 340 (1874-1879). Ofício da Diretoria da Colônia Benevides de 03 de dezembro de 1878.
Falla do Presidente da Província do Pará, em 16 de junho de 1879, p. 20.
NEGÓCIOS de Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 20 ago. 1879.
NEGÓCIOS de Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 20 ago. 1879.
Para o governo imperial, o número de 30 praças estava dentro das possibilidades dos recursos militares, afinal há poucos meses, por decisão do Parlamento Nacional, o número de praças do exército foi reduzido de 15 mil para 13 mil, quantidade que deveria atender a demanda de todo o país. Para o Senador Leitão da Cunha, se já era difícil garantir um efetivo de praças na longínqua província do Pará, com a redução a província ficaria mais desguarnecida. No caso de levantes como em Benevides, advertia o senador, a província não dispunha de efetivo, tendo que solicitar praças da província do Maranhão. Ver: Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1879, p. 84.
Ao longo da segunda metade do século XIX o temor de uma nova revolta exigia um controle do Estado nas áreas rurais do Pará. A Cabanagem de 1835 ainda atemorizava os grandes proprietários e autoridades provinciais. Neste aspecto, a ações dos colonos em Benevides e as ameaças de ocupação da capital poderiam estar sendo associadas à memória que se construiu da Cabanagem, o que poderia explicar o temor das autoridades frente a possíveis ações de tomada da capital pelos colonos de Benevides. Para uma leitura sobre a Cabanagem a partir das perspectivas da história social, ver os trabalhos de: RICCI, Magda. De la independencia a la revolución cabana: la Amazonia y el nacimiento do Brasil (1808-1840). In: PEREZ, Jose Manuel Santos; PETIT, Pere. La Amazônia Brasileña em perspectiva histórica. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2006; e da mesma autora História Amotinada: memórias da cabanagem. Cadernos do CFCH, v. 12, nº. 1-2. Belém: 1993, pp. 13-28.
APEP. Códice 1667 (1879). Ofício do Ministério da Agricultura de 03 de agosto de 1879.
PROCESSO Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 21 ago. 1879.
Falla do Presidente da Província do Pará, em 16 de junho de 1879, p. 20-21.
NEGÓCIOS de Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 20 ago. 1879.
PROCESSO Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 21 ago. 1879.
Contribui para a consolidação desta abordagem sobre os grupos populares a análise do Estado como “demiurgo da sociedade e da história”. Mesmo considerando as variações entre um ou outro pensador, o que se observa é que a sociedade civil e a atuação dos grupos populares são percebidas como resultado das ações do Estado. Chega-se, inclusive, a apresentar as classes pobres enquanto coletividade que precisa ser criada e tutelada. Das abordagens que se aproximam desta perspectiva, destacamos: LIMA, Oliveira. O Movimento da Independência 1821-1822. Rio de Janeiro: Topbooks, 1987; MONTEIRO, Tobias. História do Império: A elaboração da Independência. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981; VIANA, Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956.
Compartilham com esta concepção os trabalhos de: COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia a República - Momentos Decisivos. 7. ed. São Paulo: Editora Unesp, 1999; ______. Da senzala à colônia. 4. ed. São Paulo: Editora Unesp, 1998; DIAS, Maria Odila Leite da S. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1984; RIBEIRO, Gladys S. A liberdade em construção. Identidade nacional e conflito antilusitano no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1879, p. 84-86.
Esta concepção pode ser encontrada na noção de “interiorização da metrópole”, formulada por Maria Odila Silva Dias, à de “ideias fora do lugar”, de Robert Schwatz; na de “formalismo brasileiro”, utilizada por autores como Wanderley Guilherme dos Santos e José Murilo de Carvalho, e na metáfora da “moeda colonial”, concebida por Ilmar Rohloff Mattos. Nesse caso, ver: CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981; _____. Teatro de Sombras: A política Imperial. São Paulo: Vértice, 1988; DIAS, Maria Odila Silva. A interiorização da Metrópole (1808-1853) . São Paulo: Perspectiva, 1986; MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: A formação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec, 1990; SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e Liberalismo Político. São Paulo: Duas Cidades, 1978; SCHWARTZ, Roberto. As idéias fora do lugar. In: ______. Ao vencedor as Batatas. Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1981. p. 13-28.
Sobre esta questão, ver: DOHLNIKOFF, Miriam. As elites regionais e a construção do estado Nacional. In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo: HUCITEC; FAPESP, 2003. p. 431-468; ______. O Pacto Imperial. Origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005; JANCSÓ, István (Org.). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo: HUCITEC; FAPESP, 2003. p. 15-28.
Aqui utilizamos as reflexões de Edward Thompson sobre revoltas e insatisfações relacionadas a crises políticas e legais, reflexão que associa à rebelião a fragilidade do Estado. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 94.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879, p. 84-86.
Falla do Presidente da Província do Pará, em 16 de junho de 1879, p. 20.
Falla do Presidente da Província do Pará, em 22 de abril de 1878, p. 06.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879, p. 86.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879, p. 86.
APEP. Códice 1667 (1879). Ofício do Ministério da Agricultura de 15 de janeiro de 1879.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879, p. 88.
SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: A formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 170-171.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879, p. 88.
Annaes do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879, p. 88.
Relatório do Presidente da Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 26.
NEGÓCIOS de Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 20 ago. 1879.
PROCESSO Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 21 ago. 1879.
Vários escritos foram editados comentando o posicionamento do Superior Tribunal de Relação sobre o conflito em Benevides. Nesses escritos ficava evidente a posição crítica do jornal quanto à decisão de inocentar os envolvidos no conflito; nesse aspecto, o jornal compartilhava com a posição defendida pela administração provincial. Pode-se dizer que o jornal estava sendo utilizado por setores da sociedade paraense, ligados aos interesses da administração provincial, para exercer uma pressão junto ao tribunal a fim de que fosse revisto seu posicionamento. Sobre esses debates ver: NEGÓCIOS de Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 27 ago. 1879; NEGÓCIOS de Benevides (I). O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 29 ago. 1879; QUESTÃO Benevides (I): Competência do juiz processante. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 27 ago. 1879; QUESTÃO Benevides (II). O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 30 ago. 1879; QUESTÃO Benevides (III). O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 30 ago. 1879; QUESTÃO Benevides (IV). O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 03 set. 1879; QUESTÃO Benevides (V). O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 10 set. 1879.
QUESTÃO Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 21 ago. 1879.
Coleção de Leis do Império do Brasil de 1871. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872.
QUESTÃO Benevides. O Liberal do Pará. Belém, 21 ago. 1879.
A concepção de costume apresentada pelo parecer do conselheiro Paulo Pessoa se aproximava do que Thompson definiu como “usos habituais: usos que podiam ser reduzidos a regras e precedentes, que em certas circunstâncias eram codificados”. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 15.
QUESTÃO Benevides. O Liberal do Pará. Belém, p. 02, 21 ago. 1879.
Neste aspecto o judiciário é entendido como espaço onde diferentes concepções, valores, intenções e interesses estão em tensão e disputa. Nesse caso, ver: THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: A Origem da Lei Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. Quanto à lei como matéria de disputa de diferentes projetos políticos, ver: HESPANHA, A. Manuel. Justiça e litigiosidade – História e prospectiva. Lisboa: Caloustre Gulbekian, 1993.
OS CEARENSES no Pará (III). O Liberal do Pará. Belém, p. 01, 27 nov. 1885.
O caso dos colonos Abel Bertholdo, João da Lenha e Chico Beiçola faz referência ao que José Murilo de Carvalho, em trabalho sobre a construção da cidadania no Brasil, chamou de “capanga eleitoral”. Segundo o autor, eram figuras importantes que cuidavam da parte mais truculenta do processo eleitoral. Cabia a eles “a proteção dos partidários e, sobretudo, ameaçar e amedrontar os adversários, se possível evitando que não comparecessem à eleição. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 34.