Artigo publicado na edição nº 42 de junho de 2010.
A Lei da Morte:
a pena capital aplicada aos escravos no Brasil Imperial
André Carlos dos Santos
Entre arquivos, fontes e métodos, o historiador realiza seu trabalho. Boa parte daquilo que produz é marcado pela morte. Vai a uma instituição – empoeirada ou não – e, ali, diante de múltiplas possibilidades, escolhe seu material de trabalho. Sobre quem fala aquela fonte histórica? Quem a produziu? Foi intencionalmente ou sem pretensões? Geralmente, não terá a oportunidade de encontrar o produtor, tampouco o referenciado, haja vista, na maioria dos casos, já estarem mortos.
Esse trabalhador macabro faz um trabalho sobre a morte, e contra ela, como nos diz Michel de Certeau em A Escrita da História. Ao mesmo tempo em que honra os mortos com sua prática escriturária, também os sepulta, manipulando com o seu querer a vontade dos que jazem [*1], como se fossem uma página em branco. O historiador é aquele que trata a morte como uma carta sapiencial; aquele que, numa cabala metodológica, traz para o mundo dos vivos outros “vivos ainda”, que por sua causa insistem em não ir embora. É nesse nicho pouco usual, mesmo que sempre se observe nas entrelinhas de qualquer apresentação historiográfica, que está à disposição este trabalho.
Se boa parte de nosso fazer é acometido pela morte, faz-se mister indicar como algumas dessas foram processadas, pois muitos daqueles que não mais vivem foram jogados à eternidade com o consentimento legal de seu Estado, de suas leis. A pena de morte é aqui tratada como uma vedete, triste, mas uma figura de destaque.
Tentar perscrutar a morte legal, sua ideologia, o aparato logístico, sua ritualística, bem como a sua administração no Brasil, tem se mostrado uma produtiva seara, quer para a ciência histórica, quer no campo do Direito e quiçá da psicologia.
Para um bom êxito de quem se proponha a realizar uma dessas odisseias históricas, de bom alvitre é buscar as grandes histórias dos pequenos personagens que foram jogados na eternidade pela forca – na maioria dos casos –, e buscar em entrelinhas documentais e historiográficas as pequenas histórias dos grandes ícones da História e da história do Direito nacional, assim como divagar-se em questionamentos e possíveis respostas sobre o que impulsionava as elites (e, em nossa pesquisa, a brasileira) a serem tão duras quando esse expediente já entrava em desuso na Europa.
Longe da pretensa ideia de querer dar um fim a esses questionamentos, propomos trazer à lide, mesmo que de maneira sombria, um pouco mais de outras indagações, já que não queremos dar respostas prontas, e sim aumentar o nível do debate e quem sabe abrir novos caminhos para pesquisas, talvez sobre o cotidiano das pessoas ao estarem tão próximas da teatralização dos suplícios da morte.
Para enredar nossa história, trazemos temporalmente à lide o período imperial do Brasil. Foi entre os anos de 1822 a 1889 que mais houve execução de penas capitais em nosso território, muito embora já existisse, desde os tempos da administração portuguesa, a pena de morte, indicada pelo Livro V das Ordenações Filipinas.
Nesse Brasil nascente avaliaremos seus códices de leis – mesmo sabendo que o Livro V das Ordenações Filipinas já favorecia a aplicação da pena de morte –, passando aos decretos reais que vez por outra modificavam alguma prática (a elaboração do Código Criminal do Império do Brasil em janeiro de 1831, e nele, onde estavam as possibilidades de ser incurso em pena última). Por fim, visualizaremos a Lei de 10 de junho de 1835, instituída apenas para a execução de escravos envolvidos na morte ou em violências contra seus senhores ou superiores.
Brasil Imperial: o Código Criminal
No Brasil Imperial a morte passou a ser administrada pelo Código Criminal. Ao desligar-se do trono português, precisava a elite brasileira, como símbolo de independência, formular um código de leis brasileiras, colocando em desuso as Ordenações Filipinas. Um grande passo se deu em 1824, quando da primeira Constituição Brasileira, mesmo que promulgada. Todavia, no ínterim da proclamação da Independência até a feitura do Código Penal, o Brasil ainda julgou seus réus a partir das Ordenações Filipinas, outrora citadas.
Em 6 de setembro de 1826 [*2], o Trono decretou uma lei reforçando as prerrogativas de seu poder moderador – expresso no artigo 101, inciso oitavo [*3] –, de perdoar ou moderar a pena dos condenados à pena última, que foi negligenciado. Tal decreto informa que nenhuma execução letal se daria sem que antes a culminância imperial fosse consultada.
A primeira Carta Magna instituiu, a partir de seu artigo 179, inciso 18º, que “Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade” [*4] . E assim fora feito, não levando ao pé da letra, é claro, o trecho relativo à Justiça e à Equidade.
Após inúmeros debates acerca da entrada ou não da pena de morte nos textos do nascente Código Penal do Império do Brasil, mesmo em contradição com a Constituição em vigor – e apesar de ter o Brasil nesse momento uma necessidade de afirmar-se como nação economicamente de cunho liberal, iluminada –, a pena de morte, juntamente com a escravidão e a outorga da Constituição, deixou esse liberalismo e luminosidade à deriva.
No Código Criminal de 1830, há uma nítida ruptura com a ritualística suplicial das Ordenações Filipinas. É tido como moderno, de tendência liberal. As penas podem variar desde a perda ou a suspensão do emprego – e no caso dos funcionários públicos, também em multas, desterros, degredos, banimentos, prisões simples ou com trabalhos, galés [*5] temporárias ou perpétuas e, por fim, no castigo crudelíssimo: a pena de morte, a nossa triste vedete.
A pena de morte foi inserida no texto do Código Criminal do Império como retaliação para diversas infrações. O artigo clássico para essa sentença é o de número 192 em seu grau máximo, que trata Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida:
Matar alguém com qualquer das circunstancias agravantes mencionadas no artigo dezesseis, números dois, sete, dez, onze, doze, treze, quatorze e dezessete. Penas – de morte no grau máximo; galés perpétuas no médio; e de prisão com trabalho por vinte anos no mínimo [*6].
O crime era o de homicídio e, para se chegar ao grau máximo, precisava ser agravado pelos fatos constantes nos termos de alguns incisos do artigo dezesseis. São estes os agravantes: envenenamento, incêndio ou inundação; ter o ofendido autoridade sobre o ofensor; abuso da confiança; ter sido o crime realizado visando recompensas; por emboscadas; ter havido um arrombamento para a perpetração da morte; ter sido o crime dentro da casa do ofendido e, por fim, ter sido o crime antes ajustado por duas ou mais pessoas.
O artigo 271 [*7] , em seu grau máximo, traz em seu bojo semelhanças com o 192 e seus agravamentos, já que institui a pena de morte para o crime de latrocínio, ou seja, um roubo que, em seu ato, resulta na morte de alguém.
O artigo 113 [*8] , que enquadra o crime de insurreição, parece ter um cunho escravocrata, pois indica que no momento em que se reunissem vinte ou mais escravos para haverem por meio da força sua liberdade, aos cabeças destinava-se a sorte do grau máximo: a forca. E houve a necessidade de no artigo posterior explicitar que teriam a mesma penalidade, a de morte, quando os líderes do levante fossem pessoas livres [*9].
A organização do suplício pode ser observada no artigo 38 e seus sucessores[*10] . Ele é taxativo quando instrui que a morte se executaria na forca. Mas apenas eliminar dentre os viventes o condenado não bastaria para as autoridades. Então, com o desejo de inculcar uma pedagogia do medo na sociedade, o artigo 40, que é o do espetáculo público, diz que
O réu, com o seu vestido ordinário, e preso, será conduzido pelas ruas mais públicas até a forca, acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver, com seu Escrivão, e da força militar que se requisitar. Ao acompanhamento precederá o porteiro, lendo em voz alta a sentença que se for executar[*11].
Toda essa teatralização, é claro, era acompanhada pelos representantes da Justiça Imperial, que a tudo registrava como parte integrante do processo judicial, até que o sentenciado se ultimasse. A penalização ia para além da morte física, já que o corpo do executado seria entregue à sua família apenas se esta o pedisse, todavia deveriam enterrar seu ente sem nenhuma pompa, sob pena de medidas repressivas[*12] .
Brasil Imperial: a Lei de 10 de junho de 1835
Em 11 de abril de 1829, D. Pedro I, mesmo com suas prerrogativas de moderador e com a Lei de 6 de setembro de 1826, espolia de seu direito de perdoar ou moderar, dali em diante, as penas impostas contra escravos que matassem seus senhores. Diz ele que todas as sentenças contra escravos por morte feita a seus senhores fossem de logo executadas, sem ter de irem à sua consulta [*13]. Era o Império sendo cada vez mais rígido com os escravos que se rebelavam contra seus superiores.
Ora, numa sociedade aristocrática, onde o trabalho servil era sua base de sustentação, onde nesta época, o número de escravos era assustador frente ao número da população livre, o medo de uma suposta haitinização aterrorizava os escravocratas. Numa sociedade em que as extenuantes jornadas de trabalho eram concomitantes com as constantes humilhações sofridas pela privação da liberdade e duplo servilismo ao senhor e ao Estado, o que aplacaria a retaliação escrava?
Na voz do parlamentar Paula e Souza, teríamos uma possível resposta: “dois milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegarem em armas! Quem senão o terror da morte fará conter esta gente imoral nos seus limites?” . Apenas o medo da morte atenuaria a revolta escrava. Bem, como a sociedade imperial era regida por uma aristocracia que legislava a seu favor para a Construção da Ordem , após alguns debates e incentivada pela insurreição das Carrancas em 1833 em Minas Gerais, e pelo Levante dos Malês na Bahia, dois anos depois, em 1835, foi promulgada pela Regência Permanente, em nome do Imperador D. Pedro II, a Lei de 10 de junho .
Na voz do parlamentar Paula e Souza, teríamos uma possível resposta: “dois milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegarem em armas! Quem senão o terror da morte fará conter esta gente imoral nos seus limites?”[*14] . Apenas o medo da morte atenuaria a revolta escrava. Bem, como a sociedade imperial era regida por uma aristocracia que legislava a seu favor para a Construção da Ordem [*15], após alguns debates e incentivada pela insurreição das Carrancas em 1833 em Minas Gerais, e pelo Levante dos Malês [*16] na Bahia, dois anos depois, em 1835, foi promulgada pela Regência Permanente, em nome do Imperador D. Pedro II, a Lei de 10 de junho.[*17]
A morte aos escravos, de qualquer sexo, ficava evidenciada no artigo primeiro da dita lei, quando eles matassem, ferissem gravemente ou impusessem qualquer grave ofensa física ao seu senhor e à esposa deste, aos ascendentes e descendentes de seu senhor, bem como a qualquer pessoa que com ele vivesse. Atrelados a essa gama de pessoas estavam os administradores das fazendas, os feitores, bem como suas esposas. Aquele que se rebelasse contra qualquer superior, a partir daquela data, teria a morte como certa. Mas se os ferimentos ou as ofensas não fossem graves, as penalidades seriam de açoites, de número proporcional ao delito.
Prosseguem os artigos indicando que qualquer outro delito cometido por escravo, em que houvesse a possibilidade de pena de morte, tal como o de insurreição, deveria ser tratado com um caráter extraordinário, impondo assim uma pronta reunião do júri. Os votos necessários para a imposição da pena de morte seriam de dois terços do número total de participantes do júri; as outras penas seriam impostas por maioria simples.
Sendo a sentença condenatória, ela se executaria sem recurso algum. Os escravos delinquentes estariam, a partir daquele momento, à mercê do rigor do júri a que fossem apresentados, pois como o decreto imperial de 11 de abril de 1829 não deixava brechas para o pedido de graça e comutação, poderiam ser condenados à morte ou a qualquer pena, não havendo nenhuma medida judicial cabível que suspendesse ou atenuasse o veredicto.
O Império contra-atacava. Joaquim Nabuco, em seu livro inacabado A Escravidão, informa-nos que no Brasil não se punia diretamente o infrator pelo seu crime, mas punia-se, sobretudo, sua condição servil, a qualidade de ser escravo. “Pune-se a raça em um só, porque à pena que ele mereceu como um delinqüente vulgar ajunta-se outra em que ele incorre como escravo, por ser escravo, por ser da raça cativa”[*18] . No corpo de um gravava um espetáculo pedagógico e aterrorizante, humilhava-o, tornando-o um escárnio e um instrumento de coerção para que os demais, seus iguais, não tomassem as mesmas medidas que o agonizante.
Segundo José Alípio Goulart, em Da palmatória ao patíbulo, podemos ver como funcionava a difusão do medo quando diz que “o próprio governo se encarregava de propalar a execução da pena visando a alcançar, com tal alarde, dois objetivos: um, o de dar satisfação ao povo; outro, de amedrontar os escravos” [*19]. Nessa perspectiva, em 12 de agosto de 1835, o governo do Mato Grosso edita uma lei muito semelhante à sua antecessora e matriz, promulgada meses antes pela Regência. Ora, interessante é que essa lei acrescenta algo peculiar quando diz, ao final do seu artigo 5º, que a “sentença, sendo condenatória, [...] presidindo à execução o mesmo Juiz de Direito, que deverá fazer assistir ao ato uma força armada, e os escravos mais vizinhos em número correspondente à força”[*20] . Os iguais em condição servil a do condenado deveriam assistir à execução, pois deveria ser sabido que escravos algozes de seus senhores eram prontamente executados. Era o inculcar de uma memória.
O filósofo alemão Nietzsche, em Para Genealogia da Moral, fala do castigo como meio de infundir medo diante daqueles que determinam a execução do castigo. Para isso, o mesmo autor declara que é necessário pôr o ato inculcado nas mentes das pessoas, e para tal, “nunca nada se passou sem sangue, martírio, sacrifício, quando o homem achou necessário se fazer uma memória”[*21] .
Diz o jurista Marquês de Beccaria que as leis são a reunião, a soma das pequenas partes de liberdades cedidas pelos homens para a construção de uma sociedade, para eles habitável. Mas o que dizer das leis desse código negro? Nenhum escravo assinou procuração alguma para que seus senhores legislassem em seu favor; nenhum escravo cedeu, pelo seu bem, querer uma parcela de sua liberdade – se é que tinha alguma, para formar um corpo de leis. Como se vê juridicamente, o escravo estava à mercê do ideário branco.
Na ótica das elites dirigentes, a Lei de 10 de junho de 1835 serviria para aplacar a ira dos escravos rebeldes. Mas o abolicionista outrora citado, Joaquim Nabuco, diz também, no mesmo livro, que “o exagero da pena aumentou a criminalidade”[*22] . É que, ainda segundo Beccaria, os “desesperados, cansados da existência, encaram a morte como um meio de se libertar da miséria”[*23] em que estão vivendo. Daí nunca ter-se cessado no período escravocrata, senhores sucumbindo agonizantes frente às suas revoltadas peças escravas. E ainda passou a historiografia que a escravidão no Brasil foi branda. Mas isso é outra história.
Depois de alguns abusos por parte dos júris e de algumas querelas judiciais, no vai e vem de decretos quanto a pronta execução da pena de morte a escravos ou a subida de algum recurso ao Trono, em 9 de março de 1837, havia uma grande incompatibilidade entre as prerrogativas do poder Moderador expressas na Constituição e o artigo quarto da Lei de 10 de junho de 1835:
Art. 1º - Aos condenados, em virtude do artigo 4º da lei de 10 de junho de 1835, não é vedado o direito de petição de Graça ao Poder Moderador nos termos do artigo 101, parágrafo 8º da Constituição e Decreto de 11 de setembro de 1826.
Art. 2º - A disposição do artigo antecedente não compreende os escravos que perpetrarem homicídios em seus próprios senhores, como é expresso no Decreto de 11 de abril de 1829, o qual continua no seu rigor [*24].
Ora, para dirimir as dúvidas e arregimentar uma série de enunciados conflitantes acerca da pena de morte e seus recursos para escravos, a Regência percebeu que o artigo 4º da Lei de 10 de junho de 1835, que elimina qualquer possibilidade de recurso, estava indo de encontro ao poder de moderar e/ou perdoar do Imperador, expresso na Constituição, bem como no primeiro decreto, em setembro de 1826. A partir de 1837, o escravo condenado à pena última passava a ter o direito de peticionar graças ao poder moderador.
Mas, ainda nesse arranjo jurídico, para não demonstrar qualquer erro anterior e não invalidar o artigo 4º da Lei de 10 de junho de 1835, bem como o decreto de 11 de abril de 1829, este novo decreto declara que apenas os escravos assassinos de seus senhores não gozariam do direito de graça.
História e Direito é um caminho que começa a ser trilhado por historiadores e juristas, um intercâmbio profícuo e frutífero para ambos. Ainda há muito que se vasculhar e descobrir na história do Direito do Brasil. Na esfera criminal há casos infindos e temáticas inúmeras a serem trabalhadas, muitos estudos ainda estão por vir.
A pena de morte no século XIX foi vista como mais um subterfúgio para amarrar a sociedade brasileira, bem como seus escravos, diante de uma aristocracia produtora das leis. José Murilo de Carvalho, em A Construção da Ordem, é taxativo ao afirmar que o escopo das leis imperiais foi traçado por uma elite aristocrática. Havia um projeto comum, uma homogeneidade ideológica nesta ilha de letrados frente a um mar de analfabetos, e nesta ilha de senhores frente a um mar de negros escravos. Argumenta o articulista que “uma elite homogênea possui um projeto comum e age de modo coeso”[*25] . Essa elite imperial injetou no restante da sociedade a cultura do medo – não defendo que isso foi feito conscientemente e por premeditação, como numa história conspiracionista.
Foram necessários vários anos, entre decretos e códices legais, para dirimir todos os problemas que embargavam as obscuridades das redações processuais. O auge das leis que aplicavam o castigo crudelíssimo ocorreu em 10 de junho de 1835, quando os escravos passaram a ter para si um código de leis apartados do Código Criminal, a Horrenda excepcione do código negro. A partir dele, parece que o foco das discussões sobre pena última no Brasil oitocentista apenas se inseria no universo escravo.
Na segunda metade do século XIX, a pena de morte já começava a ser rarefeita. O Sr. Manoel da Mota Coqueiro, fazendeiro acusado de matar uma família de colonos seus, foi condenado pelo júri da cidade de Macaé, no Rio de Janeiro, mesmo jurando inocência, tendo sido enforcado em 1855. Ficou conhecido como a Fera de Macabú [*26]. Diz a historiografia que após esse erro judiciário, todas as sentenças capitais foram pelo imperador modificadas, é claro, a partir do momento em que se soube do erro. Esse caso ainda figura na historiografia brasileira, para muitos, como sendo o último dos enforcados legais.
D. Pedro II era avesso à pena de morte, e sobre ela muito escreveu em seus diários. Tal assunto foi motivo, inclusive, de encontro com o escritor Victor Hugo. Como não podia ser veementemente contra as leis de seu país, pois era um soberano constitucional, fez grande uso das prerrogativas impostas sobre si pelo Poder Moderador.
Todas as leis aqui enumeradas e comentadas foram abolidas com a Constituição Republicana de 1891. Ainda voltou no ano de 1937 até 1946 e entre os anos de 1969 até 1979, mas, nesses meandros, não há registros de execuções legais. Ainda não estamos imunes à pena de morte, pois ela está “reservada para a legislação militar em tempos de guerra”[*27] .
É triste, mas na história brasileira quanto à pena de morte, mesmo não tendo rondando em nosso cotidiano como uma morte legal, temos que concordar com Rui Barbosa quando disse que no Brasil, abolida a pena de morte, mata-se agora sem pena [*29].
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