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Artigo publicado na edição nº 45 de dezembro de 2010.
A FORMAÇÃO RELIGIOSA POR MEIO DOS CULTOS CATÓLICOS NO COLÉGIO PROGRESSO CAMPINEIRO:
Campinas (SP) (1900-1937)


Priscila Kaufmann Corrêa [*1]

Cada religião possui diferentes formas de contato com o sagrado, demandando do fiel a realização de determinadas práticas. Tais práticas mobilizam os corpos dos fiéis durante os cultos e rituais, em suas atividades cotidianas e são incorporadas no interior da comunidade que pratica a mesma fé. Por outro lado, a formação religiosa também poderia ser adotada por um projeto educacional de uma instituição escolar. A aquisição da postura religiosa passaria a acontecer no espaço escolar, em meio a outras atividades.

Esse é o caso do Colégio Progresso Campineiro, que, no início do século XX, enfatizava a formação religiosa de suas alunas. Essa instituição específica chama a atenção por se tratar de uma escola mantida por leigos, que toma o ensino religioso como um aspecto fundamental do projeto pedagógico idealizado para a formação do sexo feminino.

O Colégio Progresso foi fundado em 1900 na cidade de Campinas para ser um internato feminino, e tinha como objetivo oferecer uma educação escolar diferenciada para as filhas da elite. Naquele período, Campinas se mostrava uma cidade em efervescência nos âmbitos político, econômico, cultural e também devido à circulação de pessoas e ideias.

A instauração da República iniciou uma discussão intensa sobre a educação e a necessidade de se criar mais escolas para atender a população. A educação feminina também era defendida e foram criadas instituições especialmente voltadas para receber esse público. O Colégio Progresso Campineiro surgiu como um estabelecimento que ofereceria uma formação diferenciada, sendo mantido por um grupo de leigos e não por uma congregação religiosa, como era o caso do Colégio Sagrado Coração de Jesus, que também funcionava na cidade.

O grupo de fundadores era composto por cinco campineiros de muita influência na cidade: Orosimbo Maia, Arthur Leite de Barros, Luis de Campos Salles, irmão do presidente Campos Salles, Antonio Álvaro de Souza Camargo e Joaquim Álvaro de Souza Camargo. Cada um dos membros exercia importantes papéis na sociedade e todos possuíam capital suficiente para investir na formação de suas filhas, sobrinhas e afilhadas. A instituição foi instalada na Chácara Guanabara, na Avenida Barão de Itapura, passando para outros prédios nos anos seguintes, até ser definitivamente instalada na Avenida Júlio de Mesquita.

A primeira diretora a assumir a escola foi Dona Anna Von Maleszewska, uma senhora austríaca que se formara pelas universidades de Nancy e Kiel, da França e Alemanha, respectivamente. Ela permaneceu à frente do estabelecimento por apenas dois anos, sendo afastada do cargo por motivos pouco esclarecidos. Para substituir Dona Anna, foi convidada Dona Emília de Paiva Meira, filha do conselheiro João Florentino Meira de Vasconcellos. Ela era formada pelo Colégio Progresso do Rio de Janeiro, dirigido por Miss Eleanor Leslie Hentz. Essa instituição oferecia uma formação ampla para mulheres, abarcando matérias de ensino das mais variadas, das ciências naturais às humanidades.

A formação escolar de Dona Emília Meira orientou-a nos anos iniciais em que esteve à frente do Colégio Progresso Campineiro, porém a diretora deu uma feição característica a esse projeto ao enfatizar o aspecto religioso. O catolicismo ganhou bastante espaço no interior da escola, não apenas pelas matérias voltadas para o ensino religioso mas também pelas práticas realizadas pelos diversos religiosos que circulavam na instituição.

Dona Emília de Paiva Meira permaneceu por 35 anos na escola, conseguindo modelar sua proposta ao longo dos anos. Ela se tornou proprietária do estabelecimento em 1913, adquirindo o terreno para a construção do edifício definitivo em 1915. O novo prédio possuía amplas áreas arborizadas, além de salas de aula, laboratórios, pátios e uma capela. Antes de ser transferido para tal edifício em 1917, o Colégio passou da Chácara Guanabara para o Palacete Anhumas, no Largo do Pará, e pelo prédio do antigo Colégio Florence, na Rua José Paulino.

O Colégio Progresso de Campinas ganhou uma filial em Araraquara em 1924 e em 1928 foi criada a Sociedade Brasileira de Educação e Instrução de Meninas (SBEIM), que manteria os estabelecimentos de ensino dentro dos moldes idealizados por Dona Emília. Dessa Sociedade tomavam parte apenas mulheres católicas solteiras e de moral ilibada, aproximando-as da condição de freiras. Observa-se que, apesar de serem mantidos por senhoras leigas, o aspecto religioso também se fazia presente na manutenção dos colégios. Dona Emília Meira faleceu em 1937, fato que representou um momento marcante na trajetória dos colégios, pois ela dedicara sua vida a essa obra educacional. A criação da SBEIM garantiu a continuidade dessa obra.

Devido à importância do ensino religioso na proposta do Colégio Progresso Campineiro, este será aqui analisado como um agente formador da postura e da conduta das alunas. Observa-se que o caráter moralizador do ensino nele praticado era encarado como um elemento necessário à formação das mulheres, que deveriam manter uma postura adequada e contida. Às mulheres, como futuras mães e esposas, caberia orientar moralmente seus filhos e saber apresentar-se perante a sociedade ao lado de seus maridos.

A preocupação com a postura e os gestos iniciava pela regulamentação das atitudes das professoras. Elas conviviam com as alunas e muitas delas também residiam no Colégio, o que significava que as educadoras serviam de exemplo às meninas e moças. No acervo do Colégio Progresso existe uma brochura contendo o Regulamento das professoras, que provavelmente foi manuscrito por Dona Emília Meira. Esse documento fornecia as diretrizes para o trabalho docente na escola, com descrições minuciosas de diferentes situações do cotidiano escolar. Os corpos das professoras eram vigiados e existia uma preocupação com sua apresentação e conduta:

Edifiquemos sempre com bons modos (na mesa, na classe, na capela, no passeio, no dormitório); devemos dar bom exemplo com o nosso trajar correto (camisolas convenientes, vestidos não decotados e descendo abaixo dos joelhos e mangas compridas); também no caminhar não devemos arrastar os pés ou bater com o tacão do sapato quando vamos pelos corredores.

(Regulamento das professoras, s/d).

O exemplo das professoras deveria se manifestar em todo o seu ser, o que explica o controle exercido pela direção:

Sejamos modestas e cuidadosas, como devem ser, as boas e delicadas e conscienciosas preceptoras.

A distinção de classe e de sentimentos se manifesta em todos os nossos atos, em nossos meneios, em nossa linguagem, enfim, em todo o nosso ser.

(Regulamento das professoras, s/d, grifos da autora).

Nenhum movimento das educadoras escaparia ao olhar do público atento e da vigilância das colegas e da diretora. Louro[*2] , ao analisar o papel das mulheres no âmbito escolar, também destaca a vigilância sobre os corpos e gestos de professoras e alunas, sendo as primeiras os modelos de feminilidade a serem seguidos pelas últimas:

[...] como modelos das estudantes, as mestras deveriam também se trajar de modo discreto e severo, manter maneiras recatadas e silenciar sobre sua vida pessoal. Ensinava-se um modo adequado de se portar e comportar, de falar, de escrever e argumentar. Aprendiam-se os gestos e olhares modestos e decentes, as formas apropriadas de caminhar e sentar. Todo um investimento político era realizado sobre os corpos das estudantes e mestras.

No Colégio Progresso, a formação dos corpos das mulheres, que deveriam se mostrar modestas e resignadas, passava pelo ensino religioso. A postura das meninas e moças era adquirida por meio dos ensinamentos da religião católica, que pregava a obediência. Mas o ensino religioso não ficava restrito à sala de aula, com as matérias de religião e história sagrada. Todos os sujeitos presentes na escola – diretora, professoras, alunas e funcionários – tomavam parte das missas diárias realizadas na capela.

A capela do Colégio mostrava-se, portanto, como espaço sagrado por excelência no interior da instituição escolar e sua organização procurava seguir os preceitos da Santa Sé. Os padres que celebravam os diferentes cultos também eram indicados pela Diocese de Campinas, dando legitimidade a essas práticas. Nessa perspectiva, vale destacar que a instituição escolar também educa pela organização de seu espaço, como analisam Filho e Vidal[*3] ao citarem Agustín Escolano: “Como pedagogias, tanto o espaço quanto o tempo escolar ensinam, permitindo a interiorização de comportamentos e de representações sociais”.

É necessário frisar que a capela, assim como qualquer templo católico, possui grande importância para o fiel. Segundo Mircea Eliade[*4], o espaço se diferencia em locais sagrados e profanos. Esse espaço sagrado é revelado e se relaciona com a criação do mundo. No caso do judaísmo e do cristianismo, o templo simboliza um espaço santo, a casa dos deuses e, como tal, está protegido da corrupção terrestre[*5]. Nesse sentido, a capela do Colégio Progresso procura trazer em uma escala menor esse aspecto sagrado, necessário à formação cristã. Trata-se de um espaço diferenciado dentro da arquitetura da escola, no qual todos os sujeitos que a frequentavam se voltavam para a fé e seus ritos sagrados.

A capela de São Luiz Gonzaga foi criada em 1908, quando o Colégio Progresso se encontrava no Palacete Anhumas, no Largo do Pará. Ela foi instalada no galpão de ginástica da escola e tinha como padroeiro São Luiz Gonzaga, o santo da juventude. Antes da criação dessa capela, porém, as alunas do Colégio Progresso também realizavam algumas práticas religiosas, como a ida à missa aos domingos na capela do Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora, que ficava próximo à Chácara Guanabara. Além disso, havia sempre um religioso para as aulas de religião no colégio e o sacramento da primeira comunhão era organizado desde 1901, como apontam alguns documentos encontrados na escola.

A primeira capela criada para o Colégio Progresso logo precisou ser abandonada, posto que a Diocese de Campinas havia tomado o prédio e por esse motivo, em 19 de março de 1910, foi benta pelo bispo Dom João Nery a primeira pedra da nova capela criada no prédio do antigo Colégio Florence, localizado à Rua José Paulino. A capela também foi construída no prédio definitivo e estava presente nas plantas da escola, situada no andar térreo.

A planta do colégio e as fotografias da capela permitem identificar que o espaço ocupado era de um retângulo com um semicírculo na ponta mais estreita, formando um vão para o altar. Desta forma, o salão adquiria um ar mais imponente. Em cada lateral do semicírculo encontrava-se uma porta, sendo uma para o confessionário e a outra para a sacristia. A estrutura da capela se apresentava relativamente simples, com quatro colunas em cada lateral e os vitrais do lado voltado para a área externa da escola. O altar era de mármore branco, assim como o tabernáculo. Os bancos eram de madeira escura com um crucifixo entalhado na lateral, com genuflexório no verso e uma pequena estante para guardar os livros. Se o salão não apresentava muitas características de uma capela, a decoração das paredes e do altar valorizavam o local. A decoração rica e minuciosa indicava a importância desse lugar, reservado para o sagrado.

As paredes laterais e o vão do altar eram decorados com pinturas de lírios e plantas semelhantes a palmeiras, enquanto o teto também possuía bordas decoradas. A base e o topo das colunas pareciam ter outra coloração também. Os vitrais não trinham cenas bíblicas, mas círculos com uma cruz desenhada em seu centro. Na parede oposta aos vitrais, com duas portas, havia, intercalados com as pinturas, quadros com um crucifixo no topo da moldura. Pelas fotografias não é possível identificar o que eles traziam nessa época, mas, atualmente, há na capela quadros com moldura em formato de cruz que apresentam a Via Crúcis.

No colégio, foram encontradas 13 das 14 peças que compõem a Via Crúcis. As pinturas são de uma artista chamada Esther Crosson e datam de 1915, época em que foi comprado o terreno que receberia o prédio definitivo do Colégio. A história contada pela obra, assim como por outras pinturas com relatos da Bíblia, é um elemento especial na formação do católico que frequenta esse espaço sagrado. A presença das imagens, que contam as histórias presentes na Sagrada Escritura, influencia e sensibiliza o fiel. A capela São Luiz Gonzaga procurava aguçar a experiência do sagrado por meio do olhar, que se voltava não apenas para a suntuosidade do altar branco, simbolizando a pureza, mas também para os quadros que se intercalavam entre as pinturas na parede. A visão da paixão de Cristo representada em pequenos quadros deveria despertar no fiel toda a sua fé, reforçando seus laços com a religião católica.

A experiência com o sagrado proporcionada pela capela possuía um caráter pedagógico, educando o olhar e os corpos dos sujeitos que a frequentavam. A entrada nesse recinto da escola exigia toda uma postura de disciplina e silêncio, com imagens e rituais que inspirariam e renovariam a fé católica. O espaço e a organização da capela, assim como outros ambientes do colégio, possuíam um caráter educativo, sendo significativos para a formação da mulher cristã, virtuosa e obediente. Existia, pois, por parte da escola, toda uma preocupação com a organização desse local.

O altar possuía muitas imagens, chegando ao número de cinco em certa ocasião. As principais imagens da capela eram São Luiz de Gonzaga, a Virgem Maria e Jesus Cristo. Por vezes havia ainda um altar menor com as imagens de Maria Auxiliadora, São José e outra imagem. A presença de tais imagens auxiliaria as alunas e demais frequentadores a lembrarem de seus exemplos de vida edificantes. Esses exemplos deveriam ser seguidos pelas jovens, das quais se esperava que soubessem se portar bem. As imagens, assim como a Via Crúcis, procuravam estimular o olhar das alunas, inspirando-as para uma vida cristã. Com os olhos voltados para o altar, além das exortações do padre, as imagens tinham algo para ensinar aos fiéis.

Três imagens chamam a atenção no interior da capela São Luiz Gonzaga: a Virgem Maria, ou Maria Auxiliadora, São José e Jesus Cristo. Juntas, elas representam a família, composta pelos pais terrenos de Jesus. Como a imagem de Deus não pode ser representada, José, o pai de Jesus na terra, é representado pela imagem. Se a imagem de São José não estava presente, sempre havia as imagens de Maria e Jesus, as quais representam, respectivamente, a maternidade e o amor filial. A maternidade, a vida em família, eram elementos da vida das alunas e no futuro elas deveriam saber desempenhar seus papéis como mães. Além disso, as imagens de São José e Maria Auxiliadora no altar indicam uma aproximação com os salesianos. Esses santos compõem a pedagogia salesiana e são significativos para a trajetória dessa congregação.

O Colégio Progresso assegurava um espaço para a Igreja Católica dentro de seu prédio, que deveria ser frequentado por todos que estivessem na escola. Além disso, seus cultos e sacramentos possuíam a mesma validade de qualquer outro templo na cidade. O espaço foi todo planejado e decorado de forma a despertar a fé dos frequentadores, procurando sensibilizá-los pela visão das imagens e pinturas, pelo paladar durante a comunhão e pelos gestos de ajoelhar-se e resignar-se diante da vontade divina.

O Regulamento geral do Colégio estabelecia que todos os funcionários deveriam participar das missas realizadas todas as manhãs. Observa-se que o corpo profissional na escola era católico, uma vez que a frequência aos cultos era exigida nas normas. Apenas as professoras internas que cuidavam das alunas na enfermaria não participavam das missas, devendo elas atender ao culto em outro templo. A visita ao Santíssimo Sacramento e as orações no início das aulas e antes das refeições também eram recomendadas no Regulamento.

Além dos eventos organizados para todos os sujeitos do Colégio, havia ainda atividades específicas para as alunas. Algumas delas aconteciam nas associações religiosas, que reuniam as alunas consideradas merecedoras, que se esforçavam para ter uma postura piedosa. A primeira associação criada foi a Pia União das Filhas de Maria, e, posteriormente, surgiram a Congregação dos Santos Anjos, a Liga Eucarística e o Oratório Festivo Dom Bosco. Essas associações abrigavam as moças que realmente mereciam participar delas, reunindo-as em determinados dias do mês para ouvirem uma pregação do padre-diretor. Cada Associação religiosa tinha um padre-diretor, que presidia as reuniões e era responsável pelo grupo. Esse padre era escolhido para dirigir a Associação e não tinha outros vínculos com a escola, apesar de todos os padres terem boas relações com Dona Emília Meira e exercerem importantes papéis na cidade. Assim, Dom Nery, o primeiro bispo de Campinas, dirigiu a Pia União das Filhas de Maria, e, depois dele, outros religiosos também dirigiram essa associação.

As finalidades de cada congregação eram relativamente diferentes, privilegiando algumas questões religiosas em detrimento de outras. Entretanto, em todas encontrava-se um discurso que visava a incutir nas alunas a obediência, a resignação, a pureza e a caridade. O padre, no altar, procurava exortar as meninas e moças a seguirem pelo bom caminho, utilizando-se da religião para justificar tal postura.

A Pia União foi fundada em 1906 e dela participavam meninas entre os 12 e 17 anos de idade. Nessa Associação, elas eram estimuladas à obediência e à virtude tendo Maria como exemplo a seguir. A Congregação dos Santos Anjos, por sua vez, era destinada às mais novas, com idade inferior aos 12 anos, e foi criada no colégio em 1911. Nesse grupo, as meninas tinham os anjos como exemplo, sendo enfatizada a necessidade do bom comportamento. A Liga Eucarística foi fundada na década de 1930 e em suas reuniões era enfatizada a importância da eucaristia para o cristão, sendo, portanto, esse o principal elemento estimulado entre as alunas. Já o Oratório Festivo Dom Bosco foi criado em 1934. Tratava-se de um grupo organizado por alunas catequistas do Colégio Progresso, cujo objetivo era catequizar crianças abandonadas. Além da catequese e da realização da Primeira Comunhão dessas crianças, elas encontravam no Oratório Festivo uma oportunidade para brincar. Observa-se que nesse grupo havia uma atuação mais intensa das alunas, tendo ele um caráter filantrópico.

As alunas também costumavam realizar a Primeira Comunhão e a Crisma no colégio, tornando-se membros efetivos da religião católica e reforçando sua fé. A comunhão era oferecida todos os dias e as alunas faziam as aulas de catecismo para se prepararem para sua primeira comunhão, que era celebrada com grande festa. Nessa ocasião, as alunas se vestiam com roupas especiais e a própria capela era ricamente decorada. Esse evento geralmente acontecia no mês de junho, depois do retiro espiritual.

Os retiros espirituais organizados no Colégio Progresso podiam ser destinados às associadas da Pia União das Filhas, a todas as alunas e também às senhoras casadas que estudaram na escola ou moravam perto dela. A Diocese indicava os religiosos que presidiriam esses eventos, que não eram os mesmos que celebravam as missas diárias na escola. Nesses momentos, as alunas permaneciam isoladas do mundo refletindo sobre seus atos em silêncio. Por meio da fé, procurava-se obter a disciplina delas e a possibilidade de pensarem sobre sua conduta.

O trabalho realizado no Colégio Progresso, também no âmbito religioso, era importante para a Igreja, pois garantia práticas verdadeiramente católicas no interior da escola. As práticas comuns a um cristão, como a missa, a oração, a comunhão, e até o retiro espiritual, eram estimuladas dentro da escola e seriam incorporadas pelas alunas e as acompanhariam por toda a vida, sendo essenciais na educação de seus filhos também.

Por meio da fé e do poder que o sagrado exerce sobre o indivíduo, por meio do “numinoso”, como Otto[*6] o define, o fiel vivencia sua religiosidade. Esse autor acredita que o sagrado possui uma relação com o irracional e por esse motivo não pode ser inteiramente explicado e compreendido. O “numinoso” exerce sobre o indivíduo um poder que o arrebata e fornece um sentimento de dependência, ao lado de certo temor, por se tratar de uma experiência significativamente diferente de qualquer outra. O poder do sagrado proporcionado pela religião com seus rituais em um espaço específico, que emanam este “numinoso”, se mostraria uma forma interessante de conquistar a atenção e a obediência das alunas, disciplinando seus corpos e seus gestos.

Ao instalar uma capela em seu prédio e instituir diversos cultos, o Colégio Progresso Campineiro obtinha o apoio da Igreja na realização de suas práticas e, com isso, conquistava o respeito e a confiança da sociedade, a qual também acreditava na necessidade do ensino religioso como formador moral das alunas. Esse apoio significou, ainda, uma importante conquista para a Igreja, pois ela assegurou um espaço dentro da escola para as suas práticas, ao mesmo tempo em que podia contar com a possibilidade de encontrar alunas com vocação religiosa e ampliar seus quadros[*7].

A presença do ensino religioso em um colégio feminino não se limitava em inspirar a fé das alunas, mas se alinhava também a um projeto moralizador, que buscava formar mulheres piedosas e obedientes. A religiosidade permitia modelar os corpos e as condutas das jovens, em sintonia com as expectativas da sociedade e da Igreja. O espaço escolar se mostrava importante não apenas para o ensino das ciências e das artes, mas também para a moralização que o ensino religioso assegurava. A consolidação do Colégio Progresso Campineiro precisou mobilizar diferentes setores da sociedade, assegurando assim a escolarização dessas mulheres.

Referência Bibliografia

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Professora do ensino fundamental na rede municipal de Vinhedo. Pedagoga e mestra em História da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Sua dissertação intitula-se O ensino religioso no Colégio Progresso Campineiro: entre prescrições e práticas, e foi orientada pela profa. dra. Maria do Carmo Martins. E-mail para contato: prikco@gmail.com.
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