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Artigo publicado na edição nº 48 de Junho de 2011.

RODOPIANO RAIMUNDO:

Tagarelices de um pasquineiro na Corte Imperial (1880-1881)


Rodrigo Cardoso Soares de Araujo [*1]

Ora, se o tagarelismo é geral, bem fizemos em nos chamar Tagarella, para deste modo celebrarmos os tempos da atualidade. Além disto, tudo o que se diz é referido pela opinião pública. A opinião pública é, pois, a pessoa que mais fala: portanto não é de estranhar que o Tagarella seja o órgão mais autorizado da opinião pública[*2] .

Assim, em 26 de novembro de 1880, Rodopiano Raimundo justificava a curiosa nomeação do pasquim que começara a publicar vinte dias antes: o Tagarella[*3] . Toda a imprensa da Corte Imperial, “jornais pequenos e grandes”, “tagarelavam”; logo, o nome do novo periódico, na lógica estabelecida por seu diretor, não poderia ser mais acertado. Dessa forma, Rodopiano Raimundo deixava de lado a modéstia para justificar a aparição do Tagarella na esfera pública da Corte Imperial.

Isso se dava num conturbado momento político, marcado pelo avanço do Republicanismo e do Abolicionismo. O Tagarella, sendo um pasquim, tomava posição quanto a essas questões, porém por um viés diferente. Aparecia num momento no qual novos periódicos desse gênero apareciam às dezenas na esfera pública da Corte Imperial. Não sendo, assim, exagerado falar em um surto pasquineiro no período que se estendeu desde os últimos meses de 1880 até o final do ano seguinte. Sua linguagem, mesclada de sátira e difamação, atacava indivíduos de diferentes realidades sociais. Desde os ligados ao submundo da cidade até os membros do alto escalão do governo, como membros da família Imperial e o próprio Imperador, que viram naqueles anos seus nomes sabatinados em diferentes pasquins. O surgimento de grande número de pasquins às vistas dos transeuntes em todas as esquinas do centro da cidade, apregoados por jovens vendedores, em sua maioria estrangeiros, propiciou uma distinta maneira de se conceber a atuação política através da imprensa.

O nome de Rodopiano Raimundo, cuja trajetória profissional pretende-se aqui apresentar, já em outubro de 1880 podia ser visto assinando uma série de artigos na coluna “a pedidos”, do Corsario[*4]. Este pasquim, publicado por Apulco de Castro, foi pioneiro e, ademais, logrou o maior sucesso entre os pasquins publicados até 1883, ano do assassinato de seu editor. Ainda nas primeiras publicações do Corsario, Rodopiano Raimundo apareceu publicando uma série de artigos contra a administração da Tipografia Nacional, os quais chamavam a atenção pela agressividade da linguagem empregada.

As principais acusações feitas à administração da Tipografia Nacional estavam centradas nas duras condições de trabalho dos tipógrafos ali empregados. Estando geralmente em baixo número, eram obrigados a trabalhar muitas vezes até as quatro ou cinco horas da madrugada, enquanto os tipógrafos empregados nas folhas diárias trabalhavam, segundo o autor, no mais tardar até a meia noite. Entre outras diversas acusações feitas à administração, estava a de corrupção e a de contratação de estrangeiros – o que seria proibido pelo regulamento da Tipografia Nacional. Entretanto, a denúncia explorada com mais astúcia a fim de causar impacto no público foi a de ter sido realizada uma feijoada regada a vinho nas dependências da instituição para os funcionários de seu alto escalão. Segundo Rodopiano Raimundo, o administrador da casa, o Sr. Galvão, estaria ciente do ocorrido, pois lhe fora servido um copo de vinho[*5].

Pouco tempo depois de publicar essa série, Rodopiano Raimundo trazia a público seu próprio pasquim, o já citado Tagarella. Almejava, nesta empreitada, obter maior evidência pública enquanto um agente político, pari passu com suas intenções pecuniárias neste empreendimento.

Do ponto de vista político, duas questões norteariam a linha editorial desse pasquim: a Monarquia e o combate à escravidão. Outros pontos, como “o autoritarismo da Igreja Católica” e a defesa dos “interesses da armada e do exército”, apareciam com algum destaque nas edições iniciais do Tagarella, como previra seu programa; no entanto, não tiveram maior atenção nos números seguintes.

A oscilação de opiniões quanto ao problema do “elemento servil” parece uma característica de toda a imprensa pasquineira em circulação nos três primeiros anos da década de 1880. Quem lesse as duas primeiras edições do Tagarella teria a nítida impressão de que ele era um defensor incondicional do fim imediato da escravidão. Por vezes, elogiaram-se aqueles oradores dos discursos mais radicais quanto à essa questão, tais como Vicente de Souza, que em conferências abolicionistas realizadas dentro dos principais teatros da cidade pregava a abolição imediata sem indenização aos senhores.

Contudo, em edições seguintes, o abolicionismo manifesto nesse pasquim foi matizado para tons bem mais suaves, não se furtando em criticar as mesmas personagens que haviam sido elogiadas em outras ocasiões por proporem a abolição de forma impensada. O discurso que condenava a abolição imediata, fundamentado nos problemas de reorganização do trabalho que essa medida acarretaria, era comum no abolicionismo. Célia Maria M. de Azevedo, tentando identificar características do “abolicionismo brasileiro”, estabeleceu alguns traços ideológicos que norteariam a campanha. Entre eles, apontava, marcadamente, a preocupação com os senhores no caso de uma súbita ruptura com o regime escravista de trabalho[*6] .

Concluía o Tagarella sugerindo a melhor maneira para se acabar com o “mal necessário” que era a escravidão: “[...] Melhoremos as condições dos infelizes escravos, cumpra-se fielmente a magna lei de 28 de setembro, e teremos em breves anos, talvez em menor prazo do que propôs o ilustrado Sr. Joaquim Nabuco, a extinção completa do elemento servil. [...]”[*7].

A postura adotada no Tagarella, no que diz respeito à escravidão, era apenas mais um reflexo da complexidade daquele movimento, e ocupava naquele momento a mente e as penas de todos aqueles que estavam dispostos a formar opiniões por meio da imprensa. Em suma, o Tagarella defendia a abolição da escravidão em meio à incerteza, manifesta em diferentes momentos, da melhor maneira de se proceder.

Outra ideia que perpassa todas as páginas do Tagarella, direta ou indiretamente, é a da plena falência do regime monárquico. Rodopiano Raimundo expressava em seu pasquim uma fina sintonia com o republicanismo mais radical, não por acaso também chamado de jacobino[*8]. Nitidamente a estratégia mais sistemática pela qual Rodopiano Raimundo atacava o Estado Imperial era criticando os membros do poder executivo em diferentes instâncias. Atacando os ministros e os dirigentes de diferentes instituições públicas, no conjunto, esboçava-se um quadro de impossibilidade de continuação daquele regime político.

Reservava-se um destaque especial às críticas formuladas contra o Chefe de Polícia da Corte, Corrêa de Menezes, e os agentes policiais de diferentes escalões. Isso ocorria, em larga medida, em decorrência do expressivo espaço que ocupava nas colunas do Tagarella assuntos ligados à criminalidade, tais como o “caftismo” e a exploração de casas de tavolagem.

Sustentando essas posições políticas quanto às principais questões da época e fazendo vigilante patrulha dos acontecimentos do submundo da cidade, denunciando crimes e imoralidades, em menos de dois meses o Tagarella já havia marcado seu lugar no cenário da esfera pública da Corte Imperial. Contudo, no fim de 1880, precisamente no dia 31 de dezembro, ele teve sua circulação interrompida sem prévio aviso. Logo, o nome de Rodopiano Raimundo aparecia vinculado à outra folha que já vinha circulando no ano de 1880[*9], intitulada Figaro, e de propriedade do advogado Henrique Alves de Carvalho.

Afirmava o Figaro ser um “periódico de crítica e censura”, a mesma epígrafe que Rodopiano Raimundo utilizara no Tagarella a partir do dia 26 de novembro de 1880, nítido sinal do importante papel que o pasquineiro vinha a ocupar no Figaro, estando à frente daquela redação.

Tendo grandes ambições políticas, Henrique de Carvalho fazia de sua folha um veículo que visava elevar seu nome e de seus partidários. Entre eles, sobretudo, o de seu amigo pessoal, o Chefe de Polícia Corrêa de Menezes e, numa esfera mais elevada, os membros do Gabinete chefiado pelo Conselheiro Saraiva. Nas primeiras eleições após a reforma eleitoral de 1881, candidatando-se à Câmara dos Deputados pelo segundo distrito da capital, conseguiu ser eleito. Antes disso, ainda nos primeiros meses daquele ano, já começara o trabalho de valorização de seu nome no âmbito político, tendo a seu serviço a pena empenhada com alguma habilidade por Rodopiano Raimundo.

Grande deve ter sido a surpresa dos leitores do Tagarella ao serem surpreendidos não apenas com o súbito desaparecimento desse pasquim, mas, sobretudo, com a participação de Rodopiano Raimundo em um periódico com uma linha editorial bem diversa. As edições do Tagarella publicadas no ano de 1880 apresentavam uma linha de franca oposição ao governo e, indo além, ao regime monárquico. Uma vez no Figaro, Rodopiano Raimundo não teve pudor em empenhar-se a serviço da defesa daqueles que atacara poucas semanas antes no Tagarella.

Rodopiano Raimundo revelou toda a venalidade de sua pena nessa mudança de lado. Ao que tudo indica, tinha como motivação para esse câmbio não uma reavaliação de suas concepções políticas, mas, sim, as possibilidades de projeção pública e de benefícios pecuniários. Talvez tenha recebido oferta semelhante à que foi feita ao pasquineiro Apulco de Castro, que acusava ter-lhe sido oferecida a quantia de 10:000$000 pelo Ministro da Justiça Souza Dantas, por via do Chefe de Polícia Corrêa de Menezes, para que parasse de publicar o Corsario. Relatava ainda que o próprio Henrique de Carvalho lhe havia feito oferta semelhante[*10]. Tudo indica que uma proposta dessa natureza foi tentadora demais para que Rodopiano Raimundo recusasse.

A resposta seria dada apenas semanas depois e não por meio do Figaro. Após cerca de dois meses trabalhando ao lado de Henrique de Carvalho, na redação do Figaro, Rodopiano Raimundo voltou atrás e retomou a publicação do pasquim que lhe havia dado visibilidade pública. O Tagarella voltava à cena. Em seu retorno, da mesma forma que fizera Apulco de Castro, denunciava uma suposta interferência das duas autoridades. Acusava Henrique de Carvalho de tentar curvá-lo a seus interesses, “com a mudança do nome desse jornalzinho para Figaro, a pedido dos Srs. conselheiro Dantas e Corrêa de Menezes, como nos disse S. S.”[*11].

Ao mesmo tempo em que acusava a tentativa de manipular sua atividade jornalística por parte desses indivíduos, Rodopiano Raimundo assumia ter, por algum tempo, rendido-se a tal tarefa. Contudo, no número de reestreia do Tagarella, ele buscava afastar a acusação de ter sido pago para defender o Chefe de Polícia e o governo nas páginas do Figaro. Indo além, nesta mesma edição, apresentava uma justificativa para tamanha alternância na forma de entender o trabalho da polícia:

Embalados por algum tempo nas promessas mentirosas do Sr. Corrêa de Menezes, chefe de polícia da Corte, e quem tomamos por um homem sério e decente quando S. Ex. não passa de um trambolho que o Sr. conselheiro Dantas rolou com a ponta de sua botina, talvez enlameada, desde a província da Bahia até a capital do Império, chegamos a fazer, iludidos na nossa boa fé, alguns elogios a S. Ex. Esse nosso procedimento deu lugar a que fossemos acoimados de transigir com a polícia, mediante interesses inconfessáveis! [...] Felizmente acordamos em tempo. A letargia que ia manhosamente se apoderando de nós enfraqueceu em meio. Estamos em oposição. Já não somos o Figaro, chamamo-nos – Tagarella[*12].

O Figaro, por sua vez, sem mais contar com os trabalhos do pasquineiro, deixava de existir. Rodopiano Raimundo, agora, novamente mostrava-se ferrenho opositor do Chefe de Polícia, do governo e mesmo da Monarquia. O pasquineiro devia explicações a seus admiradores. Assim, o reaparecimento do Tagarella vinha acompanhado delas:

Sou um humilde operário e considero-me um homem honesto. Sempre procurei andar de acordo com a opinião pública e nunca concorri para desmerecer em seu criterioso juízo. Ultimamente se espalhou nesta capital que eu, um dos redatores do ex-Figaro, com certeza o último, e toda a redação, recebíamos dinheiro da polícia para a defender, como se fossemos uns miseráveis!... Nunca defendemos o injusto procedimento de autoridades arbitrárias, nem a improbidade de pessoa alguma, por mais elevada que ela se achasse. Censuramos sempre o que era digno de censura, e aplaudimos o que nos pareceu digno de aplauso, quer no Tagarella, que passou a se chamar Figaro por algum tempo, e que, qual outra fênix, hoje ressurge. [...] A opinião pública, em seu juízo reto e imparcial, é quem nos há de julgar no tribunal de sua consciência[*13].

O Tagarella voltava à linha editorial que o havia dado certa notabilidade nos dois últimos meses de 1880. Novamente estava na oposição, dando maior destaque às críticas à polícia chefiada por Corrêa de Menezes, frisando, sempre que possível, que a criminalidade grassava na cidade devido à incapacidade deste indivíduo para exercer tal cargo.

Rodopiano Raimundo novamente se envolveria em outros problemas, ainda mais graves, em função de sua ousadia em publicar críticas diretas voltadas contra importantes personalidades públicas. Uma delas, o Visconde de Santa Cruz, não estava disposta a ver seu nome sendo citado de forma indecorosa nas páginas do Tagarella, na série intitulada “As águas virtuosas de Minas e o Visconde de Santa Cruz”, que começou a ser publicada em 7 de outubro de 1881, na seção “a pedidos”.

Prontamente o Visconde entrou com uma queixa na 1ª Delegacia de Polícia pelo crime de injúrias impressas direcionadas contra ele. Logo, Rodopiano Raimundo se via sentado no banco dos réus. Entre as diversas ofensas que motivaram a queixa, foi citada, nos autos do processo que se instaurou, a seguinte opinião sobre o Visconde: “[...] sensual até a sodomia, jogador capaz de estranhas e novas sutilezas, ébrio e batedor de carteiras, eis os títulos que constituem a sua benemerência e fidalguia”[*14] . Com o processo em curso tomando contornos cada vez mais graves, o Tagarella, novamente sem prévio aviso, sairia de circulação, desta vez para não mais voltar.

Estavam previstos legalmente diversos usos indevidos dados à imprensa, os quais eram semanalmente praticados pelos pasquins sem que fossem punidos. Na seção III do Código Criminal do Império de 1830, “calúnias ou injúrias”, os pasquineiros poderiam ser enquadrados em diversos delitos, desde a imputação falsa de algum crime ou injúria a qualquer cidadão, chegando até mesmo a calúnias ou injúrias atiradas ao Imperador. Além de multa, a condenação por esses crimes poderia chegar até nove meses de prisão[*15] .

Contudo, não era fácil chegar até o responsável por algum artigo, uma vez que o anonimato era uma prática consagrada na imprensa brasileira desde seus anos iniciais. Assim, adotava-se o regime das responsabilidades, sucessiva ou per cascades, a fim de se chegar ao responsável maior pelo escrito, o autor. Partia-se da imputação de culpa ao impressor, que deveria indicar o autor do escrito ou ao menos o editor. Este, por sua vez, para se livrar, teria que indicar o autor.

Como de praxe na imprensa, os pasquineiros também adotavam como forma de se livrar de eventuais processos a utilização de testas de ferro, como no caso de artigos publicados que eram, em geral, anônimos ou assinados por nomes falsos.

Rodopiano Raimundo tinha habilidade em recrutar esses indivíduos para assumirem a responsabilidade pelos artigos publicados em sua folha. Provas disso fornecia o testa de ferro José Dias da Costa. Sendo inquirido num processo movido contra a Gazeta da Tarde, no qual fora apresentado como o responsável pelo artigo que motivara a queixa, Dias da Costa revelava como havia principiado sua atividade de testa de ferro: a pedido de Rodopiano Raimundo, teria assinado diversas tiras de papel em branco. E mais: nunca havia ele prestado esse tipo de serviço para a Gazeta da Tarde e supunha que Rodopiano Raimundo teria distribuído as tiras que assinara, uma vez que o Tagarella havia saído de circulação[*16].

No processo movido pelo Visconde de Santa Cruz, Rodopiano Raimundo apontava como editor do Tagarella Cláudio José de Oliveira, que, por sua vez, indicou como autor Luiz José Pereira: dois testas de ferro. Aparentemente o primeiro deles não exercia somente o cargo de testa de ferro, atuava também como uma espécie de intermediário entre o proprietário do periódico processado e aqueles que assumiriam, efetivamente, a responsabilidade dos artigos. Não era a primeira vez que Cláudio José de Oliveira era apontado como editor e apresentava a assinatura de alguém que supostamente seria o autor. Anos antes fora processado por um certo Luís José de Magalhães como sendo o editor da Gazeta de Noticias. Cláudio José de Oliveira, por sua vez, apontou como o autor um conhecido testa de ferro em atuação na cidade: Romão José da Lima[*17].

Contudo, a acusação parecia empenhada em punir Rodopiano Raimundo como o responsável pelas injúrias atiradas ao Visconde de Santa Cruz. Ao se revelar que o suposto autor, Luiz José Pereira, já havia sido condenado pelo crime de injúrias impressas em 26 de agosto de 1881, por artigo contra um certo Jacomo Nicolau Vicenzi, publicado no Carbonario, causou estranheza o fato do processo ter corrido a revelia do réu. Logo, chegar-se-ia a conclusão de que Luiz José Pereira na verdade era uma “entidade imaginária”.

Caberia, portanto, a Cláudio José de Oliveira assumir a responsabilidade pelo artigo enquanto suposto editor do Tagarella. Porém, também este indivíduo já havia sido condenado pelo mesmo crime em 24 de setembro de 1874 e ainda não havia cumprido a pena que lhe fora imposta. Assim, ele não estava em condições legais de ser responsabilizado por qualquer escrito publicado. Restava a Rodopiano Raimundo, enquanto proprietário e impressor do Tagarella, assumir a responsabilidade.

No dia 18 de janeiro de 1882, Rodopiano Raimundo foi declarado culpado em seu julgamento em primeira instância[*18]. No dia seguinte recorreria à Justiça, ao Superior Tribunal da Relação da Corte Imperial e também à opinião pública, com o lançamento de seu novo pasquim, o Relampago.

Teria vida curta o Relampago, cessando seus trabalhos em 20 de março daquele mesmo ano[*19]. Condenado judicialmente em primeira instância, Rodopiano Raimundo, bem compreendendo o papel da imprensa enquanto um espaço de atuação política, exerceria sua defesa não apenas pelo viés legal, mas também por meio desse novo pasquim. Em carta assinada dirigida ao irmão do Visconde de Santa Cruz, Pedro Gonçalves do Souto Carvalho, um de seus procuradores nesse processo, defendia-se:

Não sou, nem testa de ferro, nem nunca tomei a responsabilidade dos comunicados insertos no Tagarella contra seu irmão. Se fossem de minha lavra assinava-os e honrava perante os tribunais a minha assinatura. Nunca tive animosidade contra o Sr. Santa Cruz. Não a tenho contra o tal Souto Carvalho embora ofendido em minha honra. [...] Nenhum de nós pode ainda cantar vitória. A confirmação de minha sentença depende ainda do Supremo Tribunal da Relação para onde apelo cheio de confiança nos retos anciões que se sentam nas cadeiras de juízes daquele Egrégio Tribunal. [...] A justiça não faz distinção de pessoas nem seleção de classes, e cada um dos honrados anciões daquele Egrégio Tribunal simboliza a Justiça, representa a Égide da Lei. Se não fosse esta confiança que tenho nos Juízes brasileiros do Supremo Tribunal e na justiça que me assiste não apelaria da sentença, Sr. Souto Carvalho. Esperemos, portanto, a final conclusão. A favor de quem será ela? Só Deus sabe![*20]

Ao mesmo tempo em que atuava no Relampago, Rodopiano Raimundo defendia-se judicialmente na apelação que havia requerido contra sua condenação por publicar injúrias impressas. Repetia os mesmos argumentos utilizados na primeira instância do processo. Afirmava não ter nenhuma intenção de injuriar o Visconde de Santa Cruz, prova disso que o artigo havia sido publicado na coluna a “pedidos” de seu periódico. Entretanto, a principal estratégia da defesa continuava sendo imputar a responsabilidade do artigo que havia motivado o processo ao suposto editor Cláudio José de Oliveira, que já teria sido apontado como editor em diferentes periódicos: Gazeta de Noticias, Cruzeiro, Revista Illustrada, Mequetrefe, Carbonario e o Corsario. A defesa reforçava o argumento de que esse indivíduo, apesar de já ter sido condenado em outro processo, estaria ainda em gozo dos seus direitos civis e políticos, ou seja, apto a assumir a responsabilidade, uma vez que ainda não lhe teria sido imposta a condenação.

Entretanto, o argumento não convenceu os juízes do Superior Tribunal da Relação, que reafirmaram Rodopiano Raimundo como o único indiciado que poderia assumir legalmente a responsabilidade pela série de artigos que haviam motivado o processo. Passados alguns meses, confirmar-se-ia o ganho de causa ao Visconde de Santa Cruz. Rodopiano Raimundo foi condenado de acordo com o artigo 232 do Código Criminal a cumprir a pena “média”, determinada em pena de prisão por quatro meses e multa em valor correspondente à metade do tempo da pena, além de arcar com os custos gerados no processo[*21].

Não foi possível, por lacunas documentais, averiguar se Rodopiano Raimundo efetivamente cumpriu a pena de prisão. Mas constata-se que essa condenação ao menos decretou o fim de sua vida pública na imprensa do Rio de Janeiro, não sendo possível encontrar mais qualquer vestígio dele após esta data.

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Doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (PPGH/UERJ).
JTAGARELLA. Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1880.
Período de circulação: de 5 de novembro de 1880 até 31 de dezembro de 1880; de 1º de março de 1881 até 11 de novembro de 1881.
Período de circulação: 2 de outubro de 1880 até 26 de outubro de 1883.
CORSARIO. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1880.
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003.
TAGARELLA. Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1880.
ALONSO, Angela. Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e terra, 2002.
A coleção do Figaro utilizada nesta pesquisa apresenta-se bastante incompleta, o que impossibilita a delimitação precisa do período em que este periódico esteve em circulação.
CORSARIO. Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1881.
TAGARELLA. Rio de Janeiro, 5 de março de 1881.
TAGARELLA. Rio de Janeiro, 1º de março de 1881.
TAGARELLA. Rio de Janeiro, 1º de março de 1881.
TAGARELLA. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1881.
TINOCO, Antônio Luiz Ferreira. Codigo criminal do Imperio do Brazil annotado. Ed. fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2003.
Processo movido pelo Barão de Mesquita contra Cândido Valladares Tinoco pelo crime de injúrias impressas. Arquivo Nacional. Fundo: Tribunal da Relação. Ano: 1882. Número: 1697. Maço 131. Gal.: C.
Segundo Lima Sobrinho, em frente a redação do Jornal do Commercio constantemente encontrava-se este indivíduo, que se oferecia a assinar os artigos da coluna a pedidos em troca de dinheiro. LIMA SOBRINHO, Barbosa. O problema da imprensa. São Paulo: EDUSP, 1997.
Processo movido pelo Visconde de Santa Cruz contra Rodopiano Raimundo pelo crime de injúrias impressas. Arquivo Nacional. Fundo: Tribunal da Relação. Ano: 1882. Número: 2322. Maço: 212. Gal.: C.
Último número da coleção deste periódico disponível na Biblioteca Nacional.
RELAMPAGO. Rio de Janeiro, 19 de Janeiro de 1882.
Processo movido pelo Visconde de Santa Cruz contra Rodopiano Raimundo pelo crime de injúrias impressas. Arquivo Nacional. Fundo: Tribunal da Relação. Ano: 1882. Número: 2586. Maço: 197. Gal.: A.