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Artigo publicado na edição nº 53 de Abril de 2012.

VESTIR A HISTÓRIA:
Pintura, moda e identidade nacional da Amazônia, c. 1916-1923

Aldrin Moura de Figueiredo[*1]

“O incapaz se cobre; o rico se enfeita; o presunçoso se disfarça; o elegante se veste”.
Honoré de Balzac

A formulação da história da Amazônia não se deu apenas nos livros escolares e na pintura de traços acadêmicos. O acompanhamento das mudanças na comemoração das datas cívicas indica que o meado da década de 1910 foi um momento privilegiado na Amazônia para rever e reaver o passado. Em 1917, ainda nos ecos de seu tricentenário, Belém assistiu a um momento privilegiado dessa efervescência: uma exposição sobre os três séculos dos trajes e da moda paraense. O evento revisitou a abolição e o próprio tricentenário numa mostra inaugurada em 13 de maio daquele ano, no salão nobre da Associação de Imprensa do Pará, pelo comendador João Affonso do Nascimento (1855-1924). Foram 56 aquarelas, sépias e nanquins que reproduziam a evolução do vestuário masculino e feminino no Pará, desde 1616 até 1916. Para a melhor leitura da mostra, o pintor distribuiu entre os presentes, segundo Theodoro Braga, “uma interessante plaquette”, justificando o significado e os objetivos pretendidos por seu autor .[*2]

O artista tinha consciência da necessidade de persuadir a sociedade paraense para entendimento de uma exposição de história da moda. E prosseguia: “Uma vista de olhos pelos domínios do vestuário” poderia ser um motivo “suscetível de merecer a atenção dos estudiosos, como de excitar a apetência dos curiosos”[*3] . O pintor se voltou ao exame e descrição das aparências mais visíveis no Pará, indo do presente ao passado, do moderno ao antigo, e de lá retornando para esclarecer os avanços experimentados na época contemporânea: essa era a alegação “de registrar as extravagâncias da indumentária presente, só comparáveis às da anarquia dos costumes nascida da Revolução Francesa, tendo a merveilleuse e o incroyable condignos sucessores na melindrosa e no almofadinha” [*4]. Era necessário restabelecer as diferenças entre o tempo ancestral dos “homens d’armas” que fundaram Belém “com suas rudes botas conquistadoras” e a modernidade da “aurora do século XX” com a “mais risonha e auspiciosa” das épocas [*5].

Esse seria o traço mais forte da exposição de 1917. Apesar da amplitude do conteúdo da mostra e das inúmeras possibilidades de leitura das explanações de seu autor, é possível destacar alguns pontos centrais para a discussão da história e da identidade nacional, então formuladas a partir da moda.

Como que numa linha de tempo, o pintor escolheu algumas datas para construir seus manequins. Em 1616, o mostruário pertencia a um Francisco Caldeira Castelo Branco (1566-1619), que se vestia como um Luís XIII de Bourbon de França, chamado O Justo, em traje campestre: “justilho muito apertado, enfiado de telas metálicas para aprumar o torço, o pescoço esgonçado numa coleira de gaze encanudada e dura de goma, barba aparada em ponta, cabelos à escovinha, chau de formato canônico e de pequenas abas, com uma breve pluma” [*6]. Imagem essa que estava ligada à de Armand Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu (1585-1642), o grande responsável pela orientação da monarquia francesa da época [*7]. Como se não bastasse, explicava aos presentes, pela imagem do fundador de Belém, os “resquícios das passadas frivolidades” dos tempos de Henrique III: as argolinhas de ouro, os sapatos rasos, as meias de Milão compridas e de pura seda. Discorria sobre o veludo e especialmente sobre os panos de ouro, alegria dos gastadores seiscentistas, adornados com enfeites de pérolas, como os descritos nas memórias de Bassompierre (1579-1646)[*8] .

Capitão Francisco Caldeira Castelo Branco (1616). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. Coleção de Obras Raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna, Belém.

Capitão Francisco Caldeira Castelo Branco (1616). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. Coleção de Obras Raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna, Belém.

Do século XVII aos tempos contemporâneos, a moda não poderia passar incólume pelo divisor de águas que foi a Revolução Francesa – uma espécie de clímax das mudanças históricas, na leitura de João Affonso. Assim, da mesma maneira, foram lembradas as figuras pré-revolucionárias que teriam frequentado os salões paraenses. O ano de 1780 era uma boa data para triunfo das inspiradas em Maria Antonieta – a bela e educada rainha, antipatizada pela plebe com “o epíteto desprezível de austríaca” [*9]. Tomando emprestado os termos de Edmond e Jules Goncourt, reiteradamente citados e aludidos em toda a exposição[*10] , o pintor descreveu minuciosamente as cabeças das mulheres, com seus “monstruosos penteados”. De uma altura desproporcionada, a mulher poderia levar, nos “muitos andares sobrepostos”, um requintado arranjo arquitetado com perucas ou até mesmo uma caravela, bem ao gosto da data nos festejos do tricentenário[*11] . Esse, no entanto, também era um tempo de mudanças. Lembrava o artista: “A Revolução, que desenraizou as torres da Bastilha, fez desmoronar também as que se amontoavam na cabeça das mulheres”. Essa chamada de João Affonso servia para lembrar que esta era uma história republicana, de valores republicanos, antidespótica:

A Revolução, em tudo e por tudo foi uma revolução: revolucionou a ordem social, revolucionou os costumes, revolucionou os vestuários. Até então, só as pessoas gradas entretinham as modas: o povo baixo cingia-se à andaina de roupa sempre talhada pelo mesmo padrão.

Monstruosos Penteados (1780). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Monstruosos Penteados (1780). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Em 1790, o retrato já é outro: “as coisas mudaram. Foram-se os ci-devant nobres; os sans culotte subiram a citoyens; somos todos um: liberté, égalité. Cada cabeça, cada sentença... enquanto não lhe chega a vez de ser decepada pelo carrasco, e atirada à fatal cesta de vime acolchoada de serradura empapada de sangue” [*12]. Era a hora da elegância da mulher do povo e da representação masculina que mais se aproximava dos cocheiros londrinos, os carricks. A explicação vinha a seguir: “Como as posses dessa gente não lhe proporcionam os meios de andar de carruagem, ou de cadeirinha, eles se defendem da lama das ruas não calçadas, calçando botas altas até o joelho”. Os ecos paraenses também eram claros pela linguagem do vestuário, porém com algumas divergências: “o francês chama frac ao que nós chamamos casaca; chamamos fraque ao que o francês intitula jaquette; a nossa jaqueta para ele é veste; aquilo que distinguimos como paletó, o alfaiate parisiense dirá que é veston, e intitulará paletot o que na nossa língua designamos sobretudo”. Se as aproximações se dariam também pelos desvios linguísticos, também era correto afirmar a proeminência do espectro republicano na figura da mulher dos fins do século XVIII, que, se em 1800 não estava nas ruas em carne e osso, estava nos livros, nos desenhos e no pretenso arremedo da “mulher da antiguidade grega” [*13].

Mulher do Povo (1790), Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Mulher do Povo (1790), Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Após revirar o século XIX por inteiro, João Affonso adentra o tempo recente, pela época presente, louvando a prosperidade do novo século, que a França saberia inaugurar como poucos, “na grandiosa feira universal de 1900”, fazendo o seu próprio “inventário” dos anos precedentes. Embora Paris já ocupasse o lugar de “capital da Europa”[*14] , a resposta definitiva viria 30 anos depois. A própria exposição universal, inaugurada em abril de 1900, era, com seu forte apelo decorativo, uma “exposição da mulher” – do cinematógrafo aos “espécimes etnográficos de mulheres de todas as raças”[*15] . João Affonso descrevia com minúcia a importância doart nouveau,domodern stylepara as linhas contemporâneas das “reformas radicais” operadas no ornato. Dos desenhos aos móveis, da caricatura ao vestuário, dos utensílios domésticos à arquitetura, uma nova orientação tomava conta da realidade. Não somente as damas e cavalheiros paraenses se vestiam agora na leveza das “linhas sóbrias” do novo estilo, a estilização do movimento chegava à produção literária, à prosa e à poesia. Em 1917, a avant-garde, termo que surgira na França poucos anos antes no limiar da Primeira Guerra, era um escândalo no Pará. Soava como decadência, guerra, destruição, quebra de valores – e, precisamente, era isso mesmo que os vanguardismos pretendiam expressar. Mas nem tudo estava perdido: “A guerra, a grande guerra, abalando o mundo, transformando tudo, não teve o poder de fazer estacionar a moda enquanto duraram as hostilidades”. Apesar do desempenho norte-americano, Nova Iorque não conseguiu destronar Paris “na posse exclusiva da soberania das modas para as damas”. João Affonso arrematava mais adiante, em ironias: “Nem se concebe que o ianque, de maneiras rudes e arrogantes, todo pávulo dos seus bilhões de dólares e dos seus horríveis arranha-céus de quarenta e cinco andares, tivesse a delicadeza de sentimentos indispensável ao exercício de uma arte feita de finura e sutileza”[*16] .

Entre a civilidade do Velho Mundo e a riqueza inculta da América do Norte, João Affonso escolheu a tradição para o encerramento da exposição comemorativa. Afinal, a verdadeira moda, que era a “maneira de trajar”, não existia apenas nos elegantes cafés e salões parisienses. Esse era o argumento que o pintor precisava para ligar a tradição brasileira ao traço da Velha Europa. A perspectiva que estava em jogo lidava com referências folclóricas e de “conservação” das tradições ditas populares, opondo, de forma rígida e fixa, a “gente do campo” aos habitantes da cidade. As vestes dos antepassados, que se repetiam “sempre com o mesmo corte, os mesmos tecidos, as mesmas cores, os mesmos ornamentos”, contrapondo-se à moda forjada no mundo urbano, por “citadinos submissos aos caprichos dos figurinos”, numa relação de oposição entre o forjado e o imutável. Por isso era necessário refletir sobre a nossa cultura tradicional, numa espécie de “preleção de geografia indumentária”. Dos cossacos russos aos camponeses da Holanda “com seus casais de frisões vendendo saúde e asseio”, passando pelos lavradores da Alsácia, “popularizados nas gravuras de Erkmann-Chatrian ”[*17], os pequenos moradores dos cantões suíços, até o cadinho espanhol, onde o “catalão não se confunde com o valenciano, nem o basco com alicantino”. Cada lugar com seu aspecto pitoresco: poderiam ser as toucas e coifas das mulheres do Auvergne, como os trajes das cachopas na festa de São João de Braga, em Portugal, tudo isso dava o melhor sentido a uma nação. Talvez por isso mesmo, segundo João Affonso, a Europa pudesse viajar pela recriação das vestimentas, forjando, destruindo e recriando novidades. Aos visitantes paraenses em sua exposição de aquarelas, o artista explicava em tom claro e uníssono: a nossa diferença é que, no Brasil, a “nacionalidade ainda não está completamente formada e definida”. Sofríamos ainda pelo “amálgama de raças heterogêneas, sem tempo suficiente para firmar tradição”[*18] .

Estava tudo espalhado. O gaúcho no Sul com seu “poncho listrado”, a preta na Bahia, “igualmente impermeável às injunções da moda”, pois em 1916 ainda era a mesma “que há um século tentava o lápis de Rugendas e o pincel de Debret”, impondo uma “figura sem a qual não se imagina o vatapá, nem a moqueca, nem mesmo quando manipulados pela mais sedutora iaiá”. Na Amazônia acontecia o mesmo. João Affonso perguntava aos presentes se ainda estava viva na memória a “preta mina [...] pomposamente aderaçada nos dias de festa”. Seu principal reduto era o Maranhão, ainda nos tempos de sua ligadura ao Grão-Pará. Mas o assunto era complexo, pois havia uma genealogia a ser traçada: primeiro as pretas africanas, vindas da Costa da Mina e que, nos tempos da escravidão, tomavam conta das ruas, vestidas com “camisa decotada, de mangas curtas, toda guarnecida de belíssima renda de almofada, quando não era o labirinto, ou de cacundê; saia de finíssimo e alvíssimo linho, tendo na beira largo folho, também de renda, como de renda era o lencinho que ela cuidadosamente segurava à mão direita”. O luxo para a festa era um atributo universal: “se a saloia portuguesa exibia, no dia do oráculo da sua paróquia, o melhor de seus haveres, representados em dixes e tetéias de ouro, o ouro da preta mina era muito mais abundante, e mesmo muito mais sólido”. Na cabeça, os pentes e marrafas de tartaruga “chapeados de ouro cinzelado”, brincos vindos de ourives do Porto e, no pescoço e colo, “uma sucessão de enfiadas de contas de ouro em grossos bagos”, com um grande crucifixo maciço dependurado na última das voltas. Em separado, um detalhe infalível: o “cordão de fortes elos de ouro, de que pendiam, na frente e nas costas, os bentinhos ou escapulários de N. Sra. do Carmo, ou de N. Sra. das Mercês, segundo a confraria a que a preta pertencia”[*19] . A cuidadosa descrição de João Affonso sobre a preta mina revelava, em suma, o que os folcloristas da época chamavam de tipo popular, reconhecido em qualquer parte da cidade – e era justamente esse aspecto que atribuía autenticidade à figura descrita, como símbolo de um tempo passado. Por isso mesmo, as histórias das negras, escravas ou libertas, estavam sempre e irremediavelmente coladas ao mundo da escravidão.

Preta Mina e Crioula do Maranhão (cópia do natural em 1880). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Preta Mina e Crioula do Maranhão (cópia do natural em 1880). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Olhando para o passado, sob a aura republicana, as histórias ganhavam ainda mais o sentido pitoresco de elemento primitivo formador de nossa, ainda tênue, nacionalidade, aqui enfatizada pela diferença das raças e costumes contribuintes do amálgama. Apenas desse modo a escravidão poderia ser citada na história da arte republicana, nos exageros e no mau uso das joias pelas negras: “enquanto a gente de poucos recursos se contentava em forrar com oleado” todos aqueles bentinhos, “para preservar do contato do corpo, ela queria que fossem metidos em duas chapas de ouro”. Mas, apesar de tudo, não conseguia apagar sua posição social: “E com toda esta ostentação de estofos finos, rendas caras e adornos de ouro, a preta mina ia descalça”. Histórias não faltavam na recordação das pessoas. Era difícil encontrar em São Luís, entre os mais velhos, quem não lembrasse da “abastada capitalista”, a africana forra Catharina Mina, “negociante de farinha, com armazém à rua do Trapiche, que teve o capricho de casar com cafuz, para quem arranjou uma patente de alferes da Guarda Nacional”, cujo caso foi motivo de lembrança numas pequenas historietas e comédias de Arthur e Aluísio Azevedo, ainda em seus tempos de Maranhão, encenadas por eles mesmos, incluindo aí o próprio João Affonso, no teatrinho do antigo Largo do Carmo, em São Luís[*20] . Passando para a segunda figura representada na exposição, o artista descrevia a “descendente da em> preta mina”, brasileira, “nascida e criada no Maranhão, xerimbabo da senhora moça, cria da casa, alforriada na pia, ou já livre de nascença, uma vez atingida a puberdade, e em conseqüência de certas liberdades, ou pela natureza de certos serviços, como vender doces e flores, levar recados a pessoas de amizade, ir buscar amostras e fazer compras a lojas e tavernas, logo ganhava a rua, e entrava para o grêmio das chamadas negrinhas de baralho”. Assim, como a preta mina, a crioula também tinha o “seu modo peculiar de trajar”, no qual sobressaía, a “extensa cauda, com folho largo, anágua farfalhante, dura de goma” .

A crioula da terra era a ponte entre o passado africano e a mestiçagem nacional e, por isso mesmo, era representada pelo pintor já perfeitamente aclimatada ao ambiente da casa brasileira e com menos vínculos com o cativeiro: uma grande rosa-de-todo-ano nos cabelos, as argolas de ouro e a figa dependura no pescoço eram seus símbolos mais legítimos, além da “chinelinha de pelica branca, ou de polimento, em que mal introduzia os dedos do pé sem meia, apoiando-lhe o meio da sola sobre o salto, o que lhe comunicava um andar gingado e cadenciado, crepitando nas pedras da calçada estalidos secos, num tique-taque ritmado, que a denunciava à distância”. Sua condição social já expunha, segundo João Affonso, a “tentação de fazer de moça branca” , recorrendo à última moda, sendo por isso alvo dos “apodos das malungas e das surriadas dos moleques [...], que a perseguiam com remoques e cantiguinhas”[*21] .

Por fim, a terceira e última da geração: a mulata paraense – “cozinheira ou costureira, amassadeira de açaí ou vendedeira de tacacá, ama seca ou criada de servir, a mulata paraense era sempre original no seu vestir, de que jamais se afastava”. Seu retrato revelava uma mulher “bonita, feições de mestiça, robusta, elegante, amando o asseio e os perfumes fortes, feitos de raízes e ervas nacionais”. Nos trajes, “usava corpete decotado, de mangas curtas e tufadas, saia pelos tornozelos, toda em roda da mesma altura, de folho na beira” e as mesmas chinelinhas da crioula maranhense. Nos cabelos, os ramalhetes de jasmins; no pescoço, um colar de ouro com medalha na frente e, “nas costas, sobre o cangote, para afugentar feitiços e maus olhados, enorme figa de azeviche”. Pelo meio dos inúmeros detalhes descritos, João Affonso chamava a atenção dos frequentadores da mostra para o pintor russo Davi Widhopff. É que este sujeito havia sido, segundo o artista, um dos primeiros a imortalizar a mulata paraense, justamente em 1895, quando começou a publicar uma série ilustrada, todos os domingos, pelo jornal A Província do Pará. Pelo lápis do caricaturista, circularam as mulatinhas “em ligeiros bosquejos palpitantes de espírito, de arte, e de flagrante verdade”. Apenas, por esses registros, reclamava o pintor-folclorista, a mulata estava “salva do total olvido”, já que sua morte simbólica já havia sido declarada pelo autor das aquarelas: “Hoje, esse tipo desapareceu inteiramente do movimento da vida contemporânea de Belém”, por isso mesmo, “o presente estudo da indumentária de três séculos, ao invés de acabar na atualidade, encerra-se com uma recordação do passado”[*22] .

Mulata Paraense (cópia de Davi Widhoppff, 1895). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

Mulata Paraense (cópia de Davi Widhoppff, 1895). Aquarela de João Affonso do Nascimento, 1915. COR-BPAV, Belém.

O tom singelo do encerramento não impediu que a exposição de João Affonso do Nascimento imprimisse um novo desejo de representação da memória social da nação, a partir do retrato da sociedade do passado. Mas já era a hora de dar nomes aos heróis pretéritos, em vez de apenas recordar as figuras anônimas e obscuras. Se era importante recuperar antigas e pitorescas imagens da escravidão e da constituição de uma república livre e mestiça, mais necessário ainda era refazer o viveiro de nossos homens ilustres, fundadores da nacionalidade presente.[*23]

Referências bibliográficas

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Doutor em História, professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia e pesquisador do CNPq.
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AFFONSO, João. Três séculos de modas. 2. ed. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1976. p. 214-15. Ver também, sobre essas mudanças no contexto brasileiro, FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1989.
AFFONSO, João. Três séculos de modas. 2. ed. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1976. p. 219. (Grifos do autor). Para uma leitura da presença escrava nesse universo das confrarias, especialmente dos pretos Mina, ver FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Os reis de Mina: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Pará, do século XVII ao XIX. Boletim do MPEG, Belém, v. 9, n. 1, 1994, p.103-121.
AFFONSO, João. Três séculos de modas. 2. ed. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1976. p. 219. (Grifos do autor); Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Coleção Theodoro Braga, Anotações e recortes: “Teatro no Pará e Maranhão”, pacote 3, maço 1. Cf. também ALMEIDA, Adílson José de. A indumentária nas associações armadas: o uniforme da Guarda Nacional. In: SANT'ANNA, M. R.; QUIRINO, S. Modapalavra. Florianópolis: UDESC; Insular, 2002. p. 20-40.
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