Artigo publicado na edição nº 53 de Abril de 2012.
Ronaldo Salvador Vasques[*2]
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Introdução
A indústria de confecções e tecelagens, no início da primeira metade do século XX, teve enorme progresso no Brasil, quase liquidando o espaço dos alfaiates e costureiras no trabalho sob medida. Alimentado por uma oferta maior e mais diversificada de matérias-primas naturais e sintéticas, e por um crescimento do mercado interno, em particular entre as classes médias urbanas, o setor cresceu não só em faturamento e número de empregados, mas também no número de novas empresas e fábricas .[*3]
No ano de 1958, inaugurou-se a primeira Feira Nacional Têxtil Brasileira, a FENIT, no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo. Organizada pelo empresário da comunicação e propaganda Caio de Alcântara Machado, era realizada em conjunto com o Sindicato das Indústrias Têxteis (Sinditêxtil).
A FENIT contribuía para a valorização dos tecidos brasileiros, pois a feira empenhava-se em promover as fibras naturais com o concurso “Miss Algodão”. A relação da indústria têxtil com a moda estava vinculada ao referido concurso que era realizado nessa feira. Podemos afirmar, portanto, que a indústria têxtil iniciava a moda. Notamos que os concursos para eleição de miss estão diretamente ligados aos tecidos brasileiros. A feira começa a introduzir elementos da produção brasileira, como fio e tecido, e a investir nas fibras naturais, aspecto voltado para a tendência de moda.
Os convites, crachás e trajes das damas de cerimônia apresentavam o mesmo padrão de estamparia (logo). Não só a roupa, mas a postura, a etiqueta e elegância das candidatas eram consideradas primordiais, em 1958, para que trabalhassem na feira ou não.
O logo da FENIT é uma criação do arquiteto e artista gráfico Maurício Nogueira de Lima, nesse trabalho os efeitos visuais, dão à impressão do movimento dos fusos. A criação de um logo para a feira é uma forma de atingir aquele que é um dos objetivos do Grupo Ruptura (a qual pertence Maurício Nogueira de Lima) a integração do artista e intelectual na produção industrial. [*4]
Na busca de sensações estéticas novas, da curiosidade pelas ousadas e modernas criações artísticas da grande indústria e da versatilidade da transformação da indumentária moderna, era importante para o mercado brasileiro iniciar uma feira onde a moda e o têxtil nacional aparecessem e fossem divulgados. A escolha do logo inspirado no “fuso” era um explicativo de que a produção têxtil nacional estava em processo de aceleração.
A FENIT trazia ao encontro de clientes e consumidores os maquinários, as tendências, as cores e as padronagens de tecidos. A feira era aberta ao público do setor, que conhecia, cada vez mais, o produto feito no Brasil e, de certa maneira, sugeria sua profusão. Nesta escala, a moda despontava novas maneiras do vestir. Francisco Teixeira assinala que:
A presença da moda como grande referencial de mercado mudou a perspectiva da indústria na condução das suas atividades produtivas e, principalmente, na promoção de seus produtos. Os fios, tecidos e roupas passaram a ser, definitivamente, produzidos e vendidos não só como bens de primeira necessidade – o que sempre serão – mas igualmente como bens de outras necessidades do consumo humano, menos imediatistas, porém não menos legítimas e importantes para a auto-estima, a saúde, e o bem estar diário dos homens, mulheres, jovens, crianças e idosos. [*5]
É correto afirmar que a FENIT representa um marco na formação do mercado consumidor e nas transações comercias. Após as três primeiras experiências, seu organizador, Caio de Alcântara Machado, resolveu que o melhor era fazer feiras abertas ao público e com shows espetaculares, o que garantiria a ampla repercussão de seus desfiles e, quem sabe, efeito direto a seus lançamentos. E assim foi até 1970, enquanto esteve no Parque Ibirapuera. Bonadio ressalta que essa feira industrial passou a funcionar como um “espaço de celebração” da moda “democrática”[*6] . Do seu ponto de vista, isso ocorria porque
[...] ao contrário do que acontecia com aqueles que eram até o final da década de 1950, os eventos mais disputados da moda nacional – os desfiles da Casa Canadá ou da Bangu – realizados em ambientes fechados e restritos ao um seleto público convidado, a FENIT e todas suas atrações eram abertas ao grande público, para entrar e conhecer as novidades bastava adquirir o ingresso vendido a preço popular.[*7]
É importante comentarmos que o comportamento que vinha da rua no começo da década de 1960 também modificaria o processo do vestuário. Nesse instante, a feira aparece para mostrar o produto têxtil que podia ser visto por todas as classes, diferente dos anos anteriores dos desfiles da Bangu e Casa Canadá [*8]. Com a popularização da feira, as coleções das empresas traziam uma moda com aspectos brasileiros, uma vez que na FENIT eram lançados os melhores e mais modernos tecidos fabricados no país. Os empresários esperavam essa mostra de tecidos, estampas e desenhos da feira para então iniciarem o desenvolvimento das coleções para a próxima estação. Entretanto, a indústria têxtil desenvolvia-se muito na criação do produto de moda.
Nessa mesma fase, surgem as revistas femininas de moda como a Manequim, que era patrocinada pelas empresas têxteis e seus fornecedores. Durand comenta que tais publicações aproximavam produtores e consumidores:
As revistas profissionais de moda ajudam no tráfego e digestão de tendências lançadas no estrangeiro e noticiam as pretensões de uma moda “criativa” no país. Sobretudo, aproximam fornecedores e compradores. Finalmente, realizam a crônica social do meio da moda, contribuindo assim para a “confraternização” entre pares e para a circulação de pessoas entre cargos em empresas. [*9]
Neste contexto, a FENIT começa a aproximar a moda brasileira do mercado consumidor e a reforçar a divulgação de novas tendências por meio de revistas e desfiles, realizando uma fusão de elementos com a área têxtil na criação de suas estampas.
Entre o final da década de 1950 e início da década de 1960, período em que os fios naturais dominam os editoriais e anúncios de moda no Brasil, as estampas dos tecidos são carregadas e pouco dialogam com os padrões adotados pela moda parisiense e pelas artes. A partir de 1964, ano em que a publicidade Rhodia ganha mais espaço em revistas, a alteração no design da padronagem é visível. O excesso de flores miúdas é substituído por padrões predominantes geométricos, os quais dialogam com as novas produções da moda parisiense, e em especial, com a arte abstrata e concretista.[*10]
Essa tentativa de imprimir à moda brasileira algumas características que diferenciavam o mercado oscilou entre o excesso e a contenção de cores e formas nas estamparias. De todo modo, o empresariado têxtil tinha que travar embates para superar a preferência pela padronagem dos tecidos estrangeiros. Por exemplo, o festival de moda das indústrias Matarazzo-Boussac transcende no mero acontecimento social de alta sociedade e passa a estimular o consumo de novas fibras têxteis na década de 1960.
Aos poucos, com a apropriação dos conceitos de moda internacionais (pesquisados no exterior) embutidos nos nacionais, a estamparia e as confecções foram aproximando suas criações, introduzindo elementos e características do produto “feito no Brasil”.
Como o segmento da calça jeans ficou muito marcante nessa década, outro grupo que produziu tecido jeans no segmento têxtil, no mesmo período, foi a empresa Alpargatas [*11], uma vez que fabricava dentro da sua tecelagem metros e metros de tecido plano[*12] . Com o forte apelo da moda Brim (denim ou jeans) [*13], fez o lançamento no Brasil do primeiro brim sanforizado[*14] . A empresa inicia-se na área têxtil com a marca “Coringa”, e foi difícil convencer costureiros, alfaiates, modistas e confecções a usar e aceitar a largura do tecido de 1m, uma vez que naquele momento se usava 0,70cm de largura. A grande maioria tinha mesas de corte com as medidas anteriores. A propaganda e a fabricação desse primeiro produto feito na Alpargatas marcaram uma série de outros jeans da empresa que em 1954 criou a marca “far-west”.
Cabe-nos ressaltar que as indústrias têxteis nacionais e internacionais tinham interesse na abertura de mercado para materiais têxteis naturais ou não-naturais.
Na tentativa de fortalecer o consumo de tecidos fabricados no Brasil, algumas indústrias se dispunham a convidar costureiros da alta-costura francesa (mais tarde a italiana) com o intuito de montar coleções com tecidos fabricados no Brasil e desfilá-los diante da “alta-costura” paulista ou carioca. Assim, a tecelagem Bangu fez contatos com Jacques Fath e Givenchy. Matarazzo, que tinha acordo com Boussac, apelou a Christian Dior. Inspirado nos “festivais de moda”, Durand afirma:
O consórcio Matarazzo-Boussac mobilizou várias maisons francesas (Dior, Hein, Lanvin, Patou) e costureiros brasileiros reconhecidos ou em via de reconhecimento do mercado de “criação” ou das “interpretações”, tais como Boriska, Rosita e Dener, entre outros.[*15]
Nos anos 1960, a empresa Rhodia convidou com frequência Alceu Penna, Dener, Guilherme Guimarães, Clodovil, entre outros costureiros para desfilarem coleções em tecidos à base de fios sintéticos de sua fabricação, com o objetivo principal de promover a “brasilidade” na “alta-costura”, alinhavando vestuário, cultura e identidade brasileira.
Para salientar a importância de tais costureiros para a criação de marcas e estilos, no Brasil, citaremos três costureiros e suas principais criações: Alceu Penna, Dener Pamplona de Abreu e Clodovil Hernandez.
Alceu Penna nasceu no estado de Minas Gerais no ano de 1915. Em 1932, deslocou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou arquitetura e passou a fazer cartazes para o Cassino da Urca. Em 1933, passou a fazer ilustrações para a revista O cruzeiro e, no mesmo ano, criou a chamada Garotas do Alceu. Nessa revista, desenhava seus croquis (roupa e cabelo) influenciando as jovens brasileiras da época. As “garotas do Alceu” eram irreverentes, divertidas, charmosas e procuravam retratar a realidade e os desejos das mulheres, evidenciando o “vestir tropical” e o clima adequado às roupas leves.
Alceu Penna dizia que para mostrar a identidade brasileira era preciso
[...] ocupar a capital da moda, Paris. Manequins brasileiros fotografados pelas ruas parisienses, modelos linha café destacando-se na paisagem típica da Cidade luz... E haveria, depois, a volta ao Brasil. Numa cadeia de desfiles, de Brasília a Manaus, divulgando a fabulosa coleção de modelos autênticos franceses e dos grandes criadores brasileiros. Eis uma magnífica ideia promocional em favor da moda nacional. [*16]
O desfile verdadeiramente aconteceu em Paris e fez história a partir de então. Para aqueles pioneiros, era possível dizer que a moda nacional começava a existir no âmbito mundial, provando à sociedade francesa que o Brasil, além de petróleo, tinha estilo e elegância também. Dener Pamplona de Abreu, outro costureiro que se destacou por suas criações, principalmente após uma viagem realizada à Europa, retornou ao Brasil, instalou-se em São Paulo e, em 1958, abriu sua própria Maison. Salientamos que nesse mesmo ano é inaugurada a FENIT. Ele participou do Festival de Moda Matarazzo-Boussac, ganhando os prêmios “Agulha de Platina” e “Agulha de Ouro”, premiação muito importante da época. O algodão era a maior aposta da feira, a qual contava com o concursos de “Miss Algodão” e com o apoio da Votorantim e da Matarazzo-Boussac. Todavia.
Apenas em 1960 a feira torna-se sucesso de público, recebendo 61.380 mil pessoas, fato que, segundo a revista Manchete e o próprio Caio de Alcântara Machado, se deve à apresentação dos shows musicais de Luiz Peixoto, os quais passam a atrair grande público para o evento.[*17]
Dener utilizava, na grande maioria, tecidos nacionais para suas confecções. O Brasil estava na “moda” e a indústria têxtil em ascensão. Dener também criou uma calça de cintura baixa, justa até o tornozelo, conhecida como “bikini slacks”, que ficou bem evidenciada entre suas criações.
Diante desse quadro, a tecelagem Matarazzo, associada à francesa Boussac, sentiu a necessidade de investir mais do que vinha fazendo, ou seja, além de continuar utilizando fios de algodão, passando a promover desfiles, a empresa, segundo Dória,
[...] sentiu o peso da concorrência e resolveu tomar a dianteira, promovendo a desfiles internacionais de moda do Rio de Janeiro e em São Paulo. Instituiu prêmios, convidou costureiros franceses, italianos e brasileiros. Em São Paulo, o desfile foi realizado na própria sede da empresa. Evento tacanho, mas capaz de atrair a atenção da imprensa e do mundo dos negócios. [*18]
Já a revista O Cruzeiro publicou que os desfiles
estiveram à altura das obras-primas da moda européia. Os paulistas, em maior número que os cariocas, tiveram uma apresentação espetacular. Revelação paulista: Dener Ele ganhou o principal prêmio do desfile, irradiando a aura de um Mozart na alta-costura nacional.[*19]
Contudo, Dener utilizara conceitos europeus de moda e requinte que se manifestavam no seu estilo, corte e caimento.
A trajetória de Clodovil Hernandes também é significativa para compreendermos as transformações da indústria têxtil no Brasil. Em 1960, ganhou o prêmio “Agulha de Ouro”, oferecido pelas indústrias reunidas Matarazzo, com o traje inspirado em Georges Sand, tailleur com casaco e saia em tecido listrado cinza e branco, complementado por uma camisa branca.
Nesse período, a Indústria Têxtil Matarazzo-Boussac promovia eventos, valorizando o que era nacional ao criar, por exemplo, o Festival de Moda Brasileiro. Assim, passou a premiar os costureiros com “Agulha de Ouro” e “Agulha de Platina”, conforme já foi mencionado. As manequins recebiam o “Sapatinho de Cristal”.
Sabino comenta que Clodovil adquiriu grande importância no âmbito da “alta-costura”, em especial a partir de confecções de modelos exclusivos de vestidos de noivas no seu ateliê localizado na Rua Oscar Freire, referência de moda e elegância em São Paulo. Entretanto, ele se adaptou facilmente à moda prêt-à-porter que despontava na década de 1960.
[...] O estilista licenciou também vários outros produtos com sua marca. Bethy Lagardère, Elke, depois Elke Maravilha, Malu Fernandes e várias outras modelos da época apresentavam-se em desfiles para uma platéia selecionada no ateliê situado na capital paulista. A publicidade de seu Jeans era extremamente original, trazendo um cacho de bananas revestido com brim azul. Lançou também uma linha de bolsas e valises de couro estruturadas, forradas com tecido com seu nome impresso e até mesmo um carro Monza Clodovil, fabricado pela Chevrolet, foi colocado no mercado.[*20]
Clodovil percebeu que os grandes costureiros, naquele momento, já licenciavam suas marcas, ou seja, vinculavam o nome à marca, prática muito comum na época e nos negócios que envolviam o todo da indústria da moda – perfumes, roupas, bolsas, cosméticos, etc.
Considerações Finais
O festival de moda na FENIT oferecia visibilidade às novidades em tecidos de algodão e de outras fibras naturais brasileiras, como seridó, popeline e tricoline. Mas o processo de desenvolvimento da estamparia e os desenhos eram criados nas indústrias e escolas têxteis paulistas, com premiações para as melhores criações e estampas nas edições das FENITs.
Nesse período, percebe-se a importância da feira ser aberta ao público e, além disso, introduzir o conceito de produto nacional aos brasileiros, mediante a contratação de artistas plásticos incumbidos de esboçar motivos que remetam à cultura nacional. Durand[*21] assevera que o pretexto dos shows do tipo “Brazilian Style” era “promover a alta-costura nacional”, dando espaço nos desfiles a uma série de aspirantes a costureiros. Esse show propunha características e visual de um país tropical, especificamente com elementos do Brasil, traduzidos e interpretados com formas ousadas, decotes e fendas adotando uma identidade nacional. Como também se impunha desenvolver a estamparia, foram contratados artistas plásticos para conceber motivos “bem brasileiros”. Todavia, tal iniciativa implicava o desenvolvimento da estamparia sob a ótica do autor. Aliás,
Nessa aproximação entre costura e artes plásticas, teve papel ativo o professor Pietro Maria Bardi, que chegou a organizar um desfile de Dior, além de manter por algum tempo um ateliê experimental de costura, em seu Museu de Arte em São Paulo.[*22]
Outro evento que também evidencia a busca de uma identidade na moda brasileira é o “Brazilian Nature”, nome dado à exuberância das estampas desenvolvidas e inspiradas na flora e fauna brasileira, foi promovido e divulgado pela FENIT, Rhodia, Varig e O Cruzeiro nos meses finais de 1962 e início de 1963. O objetivo perseguido era novamente o desenvolvimento de estampas com motivos e cores nacionais. Porém, com a abertura da FENIT, a indústria têxtil teve repercussão em todo segmento do vestuário, contribuindo para valorizar os tecidos naturais no Brasil, trazendo ao conhecimento dos empresários e consumidores o processo organizacional do setor.
Alceu Penna, Dener Pamplona de Abreu e Clodovil Hernandes, entre outros, unidos às empresas vinculadas à FENIT, buscaram definir conceitos e formas capazes de distinguir a moda brasileira. Tais criações, além de adquirir visibilidade nas grandes capitais (Rio de Janeiro e São Paulo), também eram levadas para outras regiões do país. As empresas têxteis ainda patrocinavam viagens para toda Europa na tentativa de produzir uma moda sofisticada e atual, com referências de outros costureiros e assim prospectar uma moda nacional.
Referências bibliográficas
BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade. Rhodia S.A. 1960-1970. 2005. Tese (Doutorado)–Universidade de Campinas, Campinas, SP, 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2010.
DURAND, José Carlos. Moda, luxo e economia. São Paulo: Babel Cultural, 1988.
DÓRIA, Carlos. Bordados da fama: uma bibliografia de Dener. São Paulo: SENAC-SP, 1996.
IVAN, Mauro. 80 anos de nossa história. São Paulo: Marketing Editorial, 1987.
SEIXAS, Cristina. D. Mena Fiala e a Casa Canadá. Disponível em: . Acesso em: 10 de out. 2010.
SABINO, Marco. Dicionário da moda. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
TEIXEIRA, Francisco. A história da indústria têxtil paulista. São Paulo: Artemeios, 2007.