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Artigo publicado na edição nº 53 de Abril de 2012.

A CONTRIBUIÇÃO DE CESARE VECELLIO PARA AS PRIMEIRAS NARRATIVAS HISTÓRICAS SOBRE O VESTUÁRIO

Larissa Sousa de Carvalho[*1]

Nascido entre 1521 e 1531 em Pieve di Cadore, região norte de Veneza, Cesare Vecellio – primo do célebre Tiziano – obteve reconhecimento não tanto por suas pinturas, mas pela publicação de De gli habiti antichi et moderni di diverse parti del mondo, em 1590[*2] . Constatou-se, ao longo de muitas leituras, a recorrência de citações ao artista, mais especificamente a essa obra, embora sempre de maneira pontual, para exemplificar ou corroborar um tema maior que está sendo abordado pelos autores. Por tal razão buscamos compreender a obra por si só – como se estrutura, a quem se dedica, suas peculiaridades e seu contexto. Se desprezarmos os textos introdutórios de algumas versões atuais, não encontramos informações detalhadas e específicas sobre o volume.

O teor da obra, grosso modo, permeia os costumes – em um sentido bastante amplo – aliados à representação de uma série de trajes. Vecellio não apenas representa o vestuário ocidental, sobretudo o europeu, como também inclui exemplares asiáticos, africanos e americanos. Alguns autores consideram o trabalho como a primeira história moderna do vestuário, já que são concebidas imagens comentadas de povos da Antiguidade até o momento presente do autor – século XVI –, em um amplo espectro geográfico. Neste artigo, focaremos nos treze breves capítulos iniciais do volume, onde essa questão se apresenta de maneira mais evidente.

Previamente à exposição dos pormenores mais descritivos do volume, cabe destacar o panorama sociocultural do momento de sua criação, uma vez que isto facilitará a compreensão de alguns aspectos e escolhas tomadas pelo artista. Deste modo, Veneza, cidade portuária, cosmopolita e influente no comércio mediterrâneo, era uma importante porta de entrada para outras culturas, principalmente as do Oriente. Ainda que em 1590 tenha perdido um pouco de seu domínio na região, a cidade ainda era um ambiente fortemente internacional, com apelo turístico por seu mito de prosperidade e repleto de visitantes e mercadorias. Havia, assim, o fluxo de novidades, costumes, objetos, trajes e acessórios diversos, assim como o interesse de colecionar e exibir tais artefatos.

É nessa mesma época que surge os Gabinetes de Curiosidades (cabinets of curiosities), locais onde se colecionava uma multiplicidade de objetos e achados exóticos vindos das expedições e do contato com culturas variadas. A esse colecionismo e à vontade de conhecer empiricamente o mundo ao redor, aliou-se à edição de catálogos e compêndios, geralmente ilustrados, que permitiam a difusão, o acesso e o registro daquele material. Podemos chamar a atenção para o florescimento do interesse por publicações relativas ao vestuário, dando origem a um novo gênero, os chamados costume books. Essa era a forma impressa que saciava a curiosidade dos interessados pela alteridade, sendo uma “viagem sem sair da poltrona” (mais prático e menos dispendioso), como aponta o antropólogo Daniel Defert [*3].

De forma curiosa, alguns livros que tratam da história do vestuário de maneira geral tendem frequentemente a mencionar a publicação de Cesare Vecellio como sendo a primeira e mais importante, ainda que vários antecessores tenham investido na mesma área. Por que atribuem tanto valor a ela? Podemos adiantar que os fatores que corroboraram para essa importância são seus comentários textuais (além da descrição detalhada do traje, explica a geografia, a agricultura, a dieta e os costumes dos lugares que cobre), sua linguagem especializada (terminologias técnicas da área), a amplitude espaço-temporal que aborda e também como o autor traça uma história do vestuário ao longo das pranchas. Se estudarmos as demais obras perceberemos que essa é uma publicação sui generis.

Além da carga textual – estudos clássicos e contemporâneos – que o artista expunha em sua obra, é possível perceber a transferência de modelos pictóricos da tradição da pintura para as suas gravuras. Embora os trajes em sua maioria não façam parte de cenários nem envolvam outros personagens e objetos, a figura está para além de ser apenas uma portadora de indumentárias específicas, exibindo, assim, ações e fazendo parte de “micronarrativas”. Deste modo, as diferentes culturas ganham elementos cada vez mais característicos e próprios, já que seus costumes também estão ali “retratados”. Uma semente do que futuramente constituiria o interesse etnográfico e antropológico.

Contíguo às imagens e aos comentários textuais, o livro de Vecellio também apresentava títulos curtos para cada prancha. Fazia referência normalmente ao gênero e à origem regional da figura. Informações mínimas, mas que eram consideradas básicas na determinação da identidade de um indivíduo (também mencionavam profissão, etnia, status moral e posição social). Logo, com o acréscimo das legendas em várias línguas, um maior número de pessoas pôde ser atingido e, assim, este gênero tornou-se mais recorrente.

A respeito dessa questão, Ulrike Ilg traz considerações importantes: “Vestuário não é uma ‘linguagem’ universal, mas um sistema semiótico no qual potencializa funções somente em uma área limitada. Além dessa área local, o vestuário revela sua mensagem semiótica somente em parte e então na maioria dos casos tem que ser comentado”[*4] . Portanto, a representação da vestimenta só fazia sentido por completo quando o leitor dominava aquele determinado código e a mensagem podia se revelar a ele (“sistema semiótico do vestir”). Os livros de vestuário da época demonstram como os trajes podiam expressar-se como uma linguagem simbólica (comunicação não-verbal). Lia-se a sociedade na veste de seus habitantes e a Veneza do Cinquecento é um claro exemplo, como evidencia nosso autor.

Após algumas considerações mais gerais, mostra-se oportuno adentrar o cerne de nossa análise. Ambas as edições originais de Vecellio iniciam com a dedicatória a Pietro Montalbano seguida de considerações endereçadas ao leitor. Enquanto a de 1598 parte para os extensos índices – reforçando seu caráter enciclopédico –, a primeira edição se atém em comentar alguns pontos importantes para o autor. A sessão, intitulada Discorso di Cesare Vecellio sopra gli habiti antichi, e moderni, origine, mutatione, & varietà di quelli, divide-se nos treze capítulos mencionados previamente.

O primeiro, intitulado Delle mvtationi, et varietà de’ paesi, & città, che poi hanno portato seco le mutationi, & diuersità de gli habiti, explica a causa das transformações – efemeridade e mutabilidade – nos vestuários, comparando com as próprias civilizações que agora são meras ruínas (como Tróia e Babilônia). Atribui essa falta de permanência e instabilidade, características de todos os empreendimentos humanos e mundanos, a dois fatores: “Et di questo si può dir esserne cagione l’intemperie del cielo, & gli fieri assalti degli anni nemichi[*5] . Isso nos remete à melancolia típica do período a respeito do tempo e, sobretudo, à sua passagem. Maria Berbara vai além da visão de um Renascimento puramente otimista e grandioso para ressaltar este outro aspecto:

Sobretudo após o violentíssimo saque de Roma pelas tropas do imperador Carlos V, em 1527, a imagem das ruínas antigas não tanto evoca os paradigmas do passado clássico ou a grandeza daqueles que os criaram, mas exprime um sentimento de desolação e melancolia ante a percepção da vitória definitiva do tempo sobre o homem e todas as suas realizações.[*6]

No entanto, Vecellio não envereda pelos caminhos dessa angústia, constatando apenas a “mudança” como um fator que para além de alterar o vestuário já faz parte de sua própria constituição. É seu elemento estrutural. Giovanni della Casa, em sua obra Galateo overo de' costumi (1558), dialoga com as preocupações de nosso autor:

I tuoi panni convien che siano secondo il costume degli altri di tuo tempo o di tua conditione, per le cagioni che io ho dette di sopra; che´ noi non abbiamo potere di mutar le usanze a nostro senno, ma il tempo le crea, e consumale altresi` il tempo.[*7]

Como observa Carlo Marco Belfanti [*8] , Della Casa é avesso à inovação e à mudança na indumentária. E o tempo é também o responsável. Vecellio compartilha esse sentimento, defendendo a tradição e os elementos característicos de cada nação. Porém, vale lembrar que outros fatores modificaram de maneira mais direta as categorias fixas do vestuário, como, por exemplo, as rápidas transformações políticas e culturais, a permeabilidade dos limites geográficos, escolhas individuais e as novas dinâmicas sociais e principalmente comerciais. Era lugar-comum no século XVI o desaprovar das mudanças dos trajes; porém, mais que isso, consentir a imitação e adoção dos costumes estrangeiros. Isto talvez justifique a necessidade europeia de classificar e representar o que é mais tradicional de cada lugar neste tipo de publicação. A própria cultura e identidade estavam sendo construídas ali. É a busca por um estilo nacional que represente claramente a sua procedência e origem – uma coesa identidade sartorial, cuja linguagem está sendo reforçada em De gli habiti...

No caso da Itália, por exemplo, Vecellio se preocupa com a adoção do estilo espanhol na região de Nápoles. Percebemos, com isso, como as transformações políticas alteram radicalmente os elementos que constituem a identidade do povo subjugado. Nosso autor percebe em sua obra essa instabilidade política italiana que ocasiona a variedade dos costumes. Assim sendo, para ele, esta última é resultado da primeira. Diferentemente, Baldassare Castiglione e Giovanni Villani, em suas obras Il libro del Cortegiano (1528) e Nuova Cronica (1537) respectivamente, acreditam que a mudança no traje é sinal da instabilidade política, provavelmente uma dominação vindoura, ao invés de seu fruto.

Se dermos um salto para o oitavo capítulo, perceberemos que mesmo a Roma antiga não escapou dessa transformação sartorial como consequência das alterações em seus governos. Aponta a passagem a seguir: “[...] & perche in diuersi tempi ella [Roma] è stata soggetta alle mutationi di diuersi Prencipi, & capi; però non è marauiglia, che cosi gli huomini, come le donne habbino cambiato, & variato tante volte gli habiti, & le forme del vestire” . Por mais que a questão tenha se intensificado em sua época, ela possui antecedentes. [*9]

Logo, o que fica evidente é a falta de um estilo nacional italiano, quando comparado com outras culturas. Isso não deixa de nos remeter à unificação tardia da península, explorada por Fernand Braudel e indicada na seguinte passagem: “Dizer Itália, com mais razão o homem da Itália – tais singularidades são cheias de perigos” [*10]. Vecellio queria, ao menos, ordenar o caos das constantes transformações na sociedade italiana ao criar estruturas de códigos e classificações fixas. Desejava que todos voltassem a representar nitidamente as identidades regionais como nos séculos anteriores, sobretudo durante a chamada Idade Média.

Mas como uniformizar o que escapa de classificações? Não apenas dentro do contexto europeu, mas a indumentária em si se esquiva de categorias descritivas precisas. Eugenia Paulicelli já havia notado esse problema metodológico em Vecellio, que por mais que ele reconheça em seus comentários iniciais, não deixa de querer enfrentá-lo ao enquadrar cada um em sua “gaveta”. O texto vecelliano é evidência da contradição entre esse sistema fixo de classificação das figuras e a dissolução dessa mesma estrutura.

Com isso lembramos as considerações de Ann Rosalind Jones sobre o “presente impossível” do De gli habiti..., embora comum ao gênero dos “livros de vestuário”. A pesquisadora ressalta a lacuna temporal existente entre o momento em que determinado traje foi usado e aquele de sua representação. Era um longo processo de criação (concepção, desenho, incisão), escrita dos comentários, organização, impressão, até chegar na publicação. O intervalo aumentava ainda mais quando copiavam as fontes anteriores, como gravuras, desenhos e livros de vestuários precedentes. Resume: “Dress defines the present, but the costume book is always already out of data”[*11] .

Regressando aos breves capítulos, o segundo e o terceiro (respectivamente, Divisione della terra e Di qvali habiti de’ paesi si ragioni nella presente opera) trazem anedotas a respeito de certas terminologias relativas ao esquema geral do mundo que Vecellio está propondo. Explica o surgimento da nominação e criação da Europa (destaque para a Itália), Ásia e África, sem deixar de fora uma certa defesa da superioridade europeia perante as demais regiões. No entanto, esse é o ápice de um sentimento mais eurocentrista em De gli habiti... Admite a maior atenção que reservará ao traje europeu, preparando o leitor para o que encontrará pela frente. Na verdade, é mais do que uma mera indicação do conteúdo futuro, Vecellio dá instrumentos para uma melhor compreensão de sua obra.

O quarto capítulo é bastante interessante – Della varietà de’ panni, et delle materie, con le quali si faceuano gli habiti à i tempi antichi. Nele, essa instrumentalização do leitor fica evidente. Mas essa estrutura que aborda os materiais e técnicas em breves capítulos antes de iniciar de fato a obra não é uma invenção de Vecellio. O modelo pliniano era usado de forma recorrente pelos autores do período. Isso nos remete rapidamente à obra de Giorgio Vasari, uma vez que seus trinta e cinco capítulos iniciais explicitam o “como fazer” de todas as artes[*12] . Vecellio, em contrapartida, se mantém no campo do vestuário, seja abordando os diferentes tecidos como também as cores e seus significados no capítulo seguinte (De’ colori diversi, che sono stati trouati di tempo in tempo per tigner le materie, con le quali si formano i vestimenti). Se atentarmos para sua escrita, perceberemos que o autor foca mais em uma história dos tecidos do que propriamente na variedade têxtil oriunda de seu tempo. Ele os mencionará ao longo de sua obra, porém, o intuito neste segmento é o de resgatar os primórdios do material usado para cobrir o corpo humano.

Cesare volta-se para uma referência bíblica ao iniciar a narrativa, comentando sobre Adão e Eva e o pecado original que fez com que percebessem a própria nudez. Toma como verdadeira a posição de Deus como o criador das primeiras túnicas de peles animais, identificadas como o primeiro material usado para se vestir. Em seguida, o homem teria começado a utilizar a lã tingida, posteriormente a seda, a pele de outros animais (cabra, texugo...), folhas de palmeira trançada, algodão, linho e materiais similares. É interessante notar que o autor não esquece de mencionar os trajes confeccionados com penas de diferentes aves e, mais do que isso, de elogiar sua beleza, variedade na coloração, textura e criação. Considera-os “le piu delicate, & pompose, che si trouino” [*13] . Ainda que a Europa tenha posição de destaque no volume, o autor sabe reconhecer aspectos positivos na alteridade, sobretudo a mais recente e distante.

Plínio, o velho, é citado nominalmente no quinto capítulo. Além de resgatar o modelo de sua obra, Vecellio o utiliza como interlocutor ao articular sobre as cores nos trajes. Contudo, é interessante perceber como esse arquétipo funciona para a proposta vecelliana. Naturalis Historia (77-79 d.C.) inaugurou na literatura clássica o gênero enciclopédico. Em seus trinta e sete livros, várias temáticas são abordadas a partir das compilações realizadas pelo escritor romano. E nisso os projetos também convergem: o desejo de inventariar um amplo conhecimento. Sobre as cores, afirma partir tanto de autores antigos como contemporâneos a ele, porém Plínio é o único que sai dessa generalização para uma menção mais específica. Parafraseando-o, cita o tipo de pigmento – grana – utilizado para tingir as vestes das personalidades mais ilustres do período, sendo empregado por Julio César em primeira instância e, em seguida, por seus militares. Afora essa coloração avermelhada (porpora), o azul (giacinto) e o branco também eram considerados cores dignas das camadas mais elevadas.

Os dois próximos capítulos (Del nvmero delle citta d’Italia e De’ popoli diversi, che habitano l’Italia, con il numero delle città metropoli, delle prouincie di essa, con i loro nomi antichi, & moderni) lidam com exposições de cunho geográfico, uma espécie de recenseamento das localidades italianas. No entanto, ambos tocam em um ponto comum: a diversidade dos costumes italianos, mais nitidamente seus trajes. Indicamos acima diversos fatores que ocasionaram essa hibridização, todavia o próprio Vecellio reforça um outro agente para além daquele previamente indicado (o tempo). Vale confrontar as seguintes passagens:

Mi è parso far questo breue discorso, acciò si conosca à quante grandi rouine sia stata sottoposta questa bella regione dell'Italia, et da quanta diuersità di habitatori, & predatori Oltramontani, & Barbari sia stato calpestato, & derobbato questo fertilissimo paese; satiandoli, & seruendoli di tutte le commodità desiderabili, per premio delle quali non ha riceuuto altro da loro, che diuersità, & mutationi di lingue, d'Habiti, & di costumi.[*14]
Di modo che si conclude, che questa Italia nostra è stata diuerse uolte preda di Forestieri, & Piazza della Fortuna; & per questo non sarà marauiglia, se qui si veder à maggior diuersità ne gli habiti, che in qual si voglia altra maggior natione, & regione. [*15]

Estaria, na verdade, considerando os estrangeiros e invasores da península os maiores causadores da multiplicidade de estilos, hábitos e alterações linguísticas na Itália? E a força maior do tempo que destrói e altera qualquer empreendimento humano? Vecellio, morador da movimentada Veneza, era testemunha desse processo transcultural. Ele vivenciava, de fato, os efeitos do contato entre as culturas. Assim, essa falta de uniformidade teria ocasionado uma liberdade de escolha. Diferentemente da visão de Della Casa, os italianos teriam o poder de “[…] si facesse tagliare dal sarto il vestimento à modo suo[*16]. Sabemos que na prática isso não ocorria, pois vestir-se “à modo suo” ou segundo “nostro senno” não era permitido pelas leis suntuárias da época.

Os comentários do oitavo capítulo em diante, quase a metade do total, são dedicados ao contexto romano. Após confrontar o estado atual de Roma com o seu passado em Di Roma Capo del Mondo, Cesare retoma o tópico da diversidade dos trajes, agora romanos, quando comparados, por exemplo, aos dos gregos. E indica a arte como prova desse câmbio. O cerne do nono capítulo, intitulado Delle magnificenze, et svperbe spese intorno à gli ornamenti sontuosi de’ senatori, e delle donne romane antiche, parece relacionar-se à necessidade do autor em ressaltar a suntuosidade e riqueza do traje romano a partir de uma narrativa envolvendo a figura de Cleópatra. Recorre novamente aos escritos plinianos, já que os nobres antigos eram descritos altamente ornamentados com joias e pérolas majestosas. Além do comentário sobre a rainha egípcia, menciona a esposa de Calígula, ambas exemplares da ostentação na indumentária.

Os dois próximos capítulos (Dell’ordine della Repvblica Romana circa i reggimenti, & habiti suoi e Ordine della Militia Romana) focam nos cargos de poder e na estrutura militar romana. Já o penúltimo capítulo – Nomi de gli habiti, et principalmente di quelli de’romani – é o momento onde as terminologias das vestes da Antiguidade são elucidadas. Um pequeno tratado sobre o vestuário antigo no maior dentre todos os capítulos. Ele descreve finalmente os trajes, citando suas nomenclaturas antigas e, em alguns casos, tecendo paralelos com peças do guarda-roupa mais atual. Faz referência: praetexta (túnica branca com borda colorida), trabea (traje bordado), paludamentum (capa militar presa no ombro), chlamys (capa retangular como um véu cobrindo os ombros), toga (manto usado de várias formas), ungulata (manto ondulado), crebra, papaverale, prevesta, pallia, etc. Baseia-se em diversos autores antigos, demonstrando vasta pesquisa e conhecimento. Ainda que foque nos romanos, dedica algumas linhas para o vestuário dos habitantes da Babilônia.

Por fim, no capítulo treze (Delle coperte della testa), Vecellio parte para a análise de alguns acessórios utilizados na cabeça. O material é identificado, seu formato, assim como seu uso e usuário. Contemplamos em todo o volume a atenção que dedicará aos elementos supostamente periféricos e supérfluos da indumentária. Suas últimas linhas introdutórias resgatam um tom mais próximo ao leitor, considerando suficiente a explicação de suas motivações ideológicas e conceitos relevantes ao leitor. Completa: “[...] per tanto mi par necessario di venire à trattar sopra gli Habiti delle Figure, che io fatte intagliare, & ho dissegnate con tanta mia fatica, & spesa” [*17].

Não será possível dar seguimento, aqui, à análise desse grandioso empreendimento. Esperamos que estas poucas linhas tenham suscitado a curiosidade do leitor para conhecer a fundo o conteúdo total da obra vecelliana. Trouxemos considerações com o intuito de reforçar as teses que compreendem a obra como parte das primeiras narrativas históricas sobre o vestuário. Os treze breves capítulos iniciais deixam claras as motivações ideológicas e os conceitos relevantes que o autor desejava transmitir ao seu leitor. Ele volta, algumas vezes, no tema das transformações e diversidade nos trajes, explicando as suas causas e consequências; aborda a sucessão do uso de tecidos, a simbologia das cores, as terminologias de vestes da Antiguidade, além de muitos outros aspectos, principalmente do contexto romano. Após essas explanações, deixemo-nos levar pelo seu convite.

Referências bibliográficas

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VECELLIO, Cesare. De gli habiti antichi, et moderni di diuerse parti del mondo libri dve, fatti da Cesare Vecellio, & con discorsi da lui dichiarati. Venetia: Presso Damian Zenaro, 1590.
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Mestranda em História da Arte pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e bacharel em História da Arte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista FAPESP desde 2011. Desenvolve pesquisas no campo do vestuário, relacionando-o aos conhecimentos adquiridos no curso de História da Arte. E-mail: larissartes@yahoo.com.br.
O autor publica uma segunda versão da obra em 1598 intitulada Habiti antichi et moderni di tutto il Mondo. Tal publicação sofreu algumas alterações quando comparada à anterior, sobretudo porque se tornou uma edição bilíngue, em italiano e latim. Além disso, a maioria dos textos introdutórios foi omitida, seus comentários reduzidos e as gravuras, por outro lado, foram ampliadas para pouco mais de 500 desenhos.
DEFERT, Daniel. Un Genre ethnographique profane au XVIe siècle: Les livres d’habits; un essai d’ethno-icongraphie. In: Histoires de l’anthropologie (XVIe – XIXe siècles). Ed. Britta Rupp-Eisenreich, Paris: Klincksieck, 1981, 25 – 41.
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VECELLIO, Cesare. De gli habiti antichi, et moderni di diuerse parti del mondo libri dve, fatti da Cesare Vecellio, & con discorsi da lui dichiarati. Venetia: Presso Damian Zenaro, 1590.
VECELLIO, Cesare. De gli habiti antichi, et moderni di diuerse parti del mondo libri dve, fatti da Cesare Vecellio, & con discorsi da lui dichiarati. Venetia: Presso Damian Zenaro, 1590. p. 13.