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Artigo publicado na edição nº 55 de Agosto de 2012.

A POLÍTICA FINANCEIRA DA PRIMEIRA REPÚBLICA DO BRASIL (1889-1930)

Rodrigo De Lima[*1]

Introdução

O século XIX foi decisivo na formação da institucionalização das finanças do Brasil. Na formação institucional do Estado brasileiro, uma fixação de metas de arrecadação pecuniária passou a captar os saldos financeiros da incipiente indústria e comércio. O Império garantiu, através do Poder Moderador da Constituição de 1824, a criação do Banco do Brasil, que passou a operar as relações financeiras do país, inclusive aquelas ligadas à representação diplomática nas negociações internacionais como questão de Estado. O controle do Império sobre as finanças e sobre o Banco do Brasil conjugou a expansão dos negócios públicos, operacionalizando a formação das instituições administrativas em comunhão aos interesses de investidores particulares. Desta forma, foram instauradas recompensas financeiras como parte da política de juros do Império, agregadas aos títulos de investimento emitidos pelo Banco do Brasil. O Primeiro Reinado configurou-se e consolidou-se com sólidas relações creditícias advindas de Portugal, as quais possibilitaram ao Brasil uma formação internacional fortemente marcada pela tradição das principais praças financeiras.

O primeiro empréstimo brasileiro, realizado em 7 de setembro de 1824, envolveu autoridades diplomáticas, militares e do Conselho Imperial, de posse e controle sobre as movimentações do Banco do Brasil. Essas autoridades protagonizaram propostas e conceitos sobre o desenvolvimento econômico do país, bem definidos no papel plenipotenciário do diplomata Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa e de Felisberto Caldeira Brant, futuramente nomeado Marquês de Barbacena. Esse primeiro empréstimo foi explicado por Octavio Tarquínio de Sousa como uma negociação do governo absoluto e que comprovaria um sistema de governo para enfrentar as exigências internacionais.

A centralização e o controle do Banco do Brasil pelo Conselho de Estado estimularam queixas contra o Império no tocante à política de concessão de contratos e também à baixa taxa de retorno financeiro para os investimentos depositados em custódia. O apoio veio de produtores nacionais que passaram a exigir melhores condições de competição com o mercado internacional e, sobretudo, o aprimoramento das políticas de crédito aos particulares. Tais produtores oriundos das Províncias atuaram na transição do Primeiro para o Segundo Reinado, estimulando o estabelecimento de uma nova classe econômica alicerçada nas propostas de reforma liberal, e como instrumento de limitação ao Poder Moderador. O liberalismo brasileiro atuou diretamente na Constituição de 1824, sempre interpretando formas de disciplinar o Poder Imperial pelo Poder Legislativo. Deputados Federais como Paula Sousa, Marquês de Monte Alegre e Honório Hermeto Carneiro Leão formaram coro e atuaram no combate à centralização de governo, com o objetivo de consolidação da abertura política, sustentada na defesa do parlamentarismo como forma de Estado para o Brasil. Ainda assim, não foi possível impedir a realização do Tratado de 1855, em que se estabeleceu a família inglesa Rothschild como representante legítima dos negócios do governo brasileiro, assinalando uma era sobre os negócios exteriores do Brasil por quase 100 anos.

Intervenções financeiras

João Pandiá Calógeras, influente político nas negociações financeiras do Brasil, observou que a formação monetária do país, no início do século XIX, já demonstrava problemas em relação às parcerias internacionais firmadas sobre o incipiente sistema financeiro nacional. Sua densa obra, A Política Monetária do Brasil, aponta que o desenvolvimento econômico do país contou fundamentalmente com a regulagem permanente de investimentos com demais países credores, estabelecidos em um fundo comum preso às deficiências de um sistema desequilibrado de compensações. Para Calógeras, crises em balanço de contas fatalmente comprometeriam o Brasil por conta da relação de déficit de receita sobre despesas e principalmente pela expansão das funções da moeda sempre sobredeterminantes às funções do comércio da própria moeda. Em outras palavras, isso constituía a primeira causa da exportação da moeda nacional, de mais alto valor que sua concorrente, desde que os negócios se estabeleceram em bases comerciais comparáveis ao que se passava no resto do mundo[*2] .

A falta de acesso público aos créditos financeiros, mais o controle da Junta de Crédito para acordos e empréstimos e a ausência de lastro suficiente de moeda tantas vezes modificada para atender novos critérios de valor – lembrando que a sua estipulação dependia, na maioria dos casos, do volume de despesas do Estado –, aguçaram batalhas entre liberais e conservadores no que se referia a reformas eleitorais, promulgação de leis abolicionistas e ampliação e profissionalização dos efetivos militares. Logo, a formação de blocos políticos para campanhas contra a monarquia no Brasil passou a tomar força e estruturou os debates entre o Partido Conservador e o Partido Liberal. Este último buscou desvencilhar o país das extremas obrigatoriedades e imposições do governo vigente para a realização de projetos de desenvolvimento econômico, e baseados nos princípios republicanos formou campanhas pró-República para o Brasil. Tais campanhas trataram de publicitar outras formas de governo e de Estado, expondo também o desejo dos produtores nacionais em acompanhar a vida financeira do país.

A transição do Império para a República: a crise de postulados

Em relação aos compromissos internacionais, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade financeira, o aprimoramento da noção de crédito aconteceu durante o período da Guerra do Paraguai, que, por sua vez, marcou a expansão industrialista do Brasil[*3] . Tal Guerra ocasionou profundas consequências na organização das instituições do Estado brasileiro. A primeira delas foi a severa exaltação nacional que imprimiria valor histórico na formação das instituições da República Federativa do Brasil, e pode ser observada em A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai, de Visconde de Taunay [*4], em que a distinção entre classes ganha convicções definidas. Dialogando com as correntes do positivismo no Brasil, e em conjunto ao Partido Conservador, o Partido Liberal e a preponderância de militares, como Deodoro da Fonseca, a formação de nichos de desenvolvimento setorizados, por regiões, bem como São Paulo e Minas Gerais, tornou-se inevitável. O desequilíbrio na representatividade política e econômica selou, a priori, os distúrbios na Federação. A modernização do Brasil, voltada à substituição de escravos por imigrantes, e o cultivo de açúcar por uma economia cafeeira acrescentaram um capítulo a mais a essa crise. Havia em curso uma verdadeira avalanche de empréstimos consolidados pelo Império nas Negociações Funding Loan que perdurariam até 2 de março de 1932, quando foi promulgado o Decreto nº 21.113, autorizando a suspensão do pagamento dos juros de determinados empréstimos externos decorrentes da sentença do Tribunal de Haya. Getúlio Vargas considerou que as péssimas condições financeiras do país impossibilitavam o pagamento em moeda estrangeira dos serviços de empréstimos e das responsabilidades do Governo Federal neste campo [*5].

Foi imbuído dessa convicção que Tavares Bastos, deputado do Partido Liberal na Câmara, apresentou, por vezes, o problema da centralização do poder político sobre as finanças do Brasil pelo Visconde de Itaborahy. Por sua vez, o Visconde sempre rebateu as críticas asseverando o Poder Moderador da Constituição como único e principal instrumento de promoção do Brasil[*6] . A questão principal incidiu sobre o não cumprimento das leis de restrição de emissão de papel moeda, e foi a maior contenda entre Liberais e Conservadores. O monopólio ainda formado sobre a política fiscal, mais a falta de acesso público aos créditos financeiros, encorajou os liberais a encampar o Estado e a lutar pela queda da Monarquia [*7].

A política financeira da Primeira República

A transição do Império para a República, iniciada e determinada por fatores como a forte expressão da burguesia cafeeira no cenário nacional, o recrudescimento do poder do Exército diante da enfermidade e ausência do Imperador Pedro II, e a crença das elites na autoridade civil [*8], também não conseguiu evitar que a Comissão de Finanças, equipe formada por autoridades escolhidas pelo Governo Imperial, continuasse a operar empréstimos.

Em meio ao forte nacionalismo propagado em forma de identidade cultural, defendido cultural e regionalmente como símbolo de representação político-partidária; diante também dos desentendimentos a respeito do tipo de modelo de desenvolvimento que o país deveria adotar, a crise desses postulados passou a influir na opinião pública e encontrou forte resistência por parte das classes trabalhadoras que reivindicaram sua representação na composição do centro decisório do país. Assim sendo, uma série de crises sociais advindas de movimentos operários no Rio de Janeiro e em São Paulo romperam a discussão sobre a dificuldade de regularização da República no Brasil, relacionada com problemas de coordenação e formação do poder nacional, como pôde ser assistido na Guerra do Contestado.

A Primeira República atrelou à política da burguesia cafeeira a oligarquia financeira, e também os produtores comerciais, em um sistema jurídico-político ajustado ao modus operandi da economia agroexportadora. Mesmo que o governo mantivesse a representação política, a separação de poderes, a liberdade econômica e a garantia da propriedade privada, conservou-se um fraco desenvolvimento do modelo político-econômico que condenava ao país a dependência de dinheiro oriundo de empréstimos das praças londrinas.

Dentre os presidentes da Primeira República, Campos Sales foi o único a apresentar proposta política de restauração das finanças brasileiras a patamares operacionais. Com efeito, os acontecimentos de 1889 e a reação do Marechal Floriano Peixoto à Revolta da Armada demandaram ao país imensos sacrifícios pecuniários. Baixaram os créditos, havia excesso de papel moeda e o câmbio cobria um quinto da dívida externa consolidada. Ainda assim, Campos Sales, na Europa, tratou de conseguir um novo contrato Funding Loan, autorizando até dez milhões de libras esterlinas para retirar o país da insolvência próxima. Houve naqueles tempos o risco iminente de pedido de moratória internacional pelo Brasil, e que só foi abandonado após a assinatura de um novo contrato de empréstimo para a retirada de circulação de um grande volume de papel-moeda[*9] .

Durante toda a Primeira República, ao menos 21 contratos transformados em Decretos, Leis e Decretos-Lei foram aprovados pela Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro, sempre conferindo aos Rothschild And Sons a representação integral dos planos financeiros externos do Brasil. Os principais Decretos e Leis do período são: Decreto nº 5.551, de 6 de junho de 1905, em que o Ministério da Fazenda contratou os banqueiros N. M. Rothschild And Sons, de Londres, para a emissão de 3 milhões de libras esterlinas. Decreto nº 7.853, de 3 de fevereiro de 1910, que autorizou a contratação dos banqueiros N. M. Rothschild And Sons para o empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas. Decreto nº 10.197, de 29 de abril de 1913, que contratou os banqueiros N. M. Rothschild And Sonspara celebrar empréstimo de 11 milhões de libras esterlinas com juros de 5% ao ano. Decreto nº 6.664, de 28 de setembro de 1907, em que o Ministro da Fazenda contratou os banqueiros N. M. Rothschild And Sons, de Londres, para o empréstimo de 3 milhões de libras esterlinas. Decreto nº 7.037, de 21 de julho de 1908, em que o Ministro da Fazenda contratou os banqueiros N. M. Rothschild And Sons, de Londres, para o empréstimo de 4 milhões esterlinos. Decreto nº 8.621, de 23 de março de 1911, em que o Ministro da Fazenda contratou os banqueiros N. M. Rothschild And Sons para o empréstimo de £ 4.500.000. Lei nº 2.919, de 31 de dezembro de 1914, em que o Governo brasileiro celebrou com os banqueiros. N. M. Rothschild And Sons o pagamento de juros da dívida externa. Lei nº 2.909, de 31 de dezembro de 1914, em que foi firmado o acordo de Dívida Externa com o contrato de 19 de outubro de 1914, celebrado pelo Governo brasileiro com os Srs. N. M. Rothschild And Sons, para pagamento de juros da dívida externa, em quota especial de amortização do empréstimo externo; e finalmente o Decreto nº 17.235, de 3 de março de 1926, para pagamento na Casa N. M. Rothschild And Sons, por agentes financeiros do Brasil em Londres, de créditos derivados de empréstimos anteriores.

Durante a Primeira República, ocorreu a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, em que o capitalismo e os acordos financeiros internacionais declinaram profundamente, gerando uma corrida jamais vista de troca de títulos por comida. A ruína e o caos econômico espalharam-se pelo mundo e fizeram dos anos 30 os anos da devastação financeira. No caso do Brasil, o baixo preço do café concorreu com a deposição do presidente Washington Luís Pereira de Sousa e com a Revolução de 1930. Foi durante os primeiros anos da década de 1930 que Getúlio Vargas se dedicou à regulação das soluções creditícias do formato Funding Loan, em um sistema administrativo com vistas a sua equalização nas relações internacionais financeiras que passaram a ser empreendidas entre Estados com ações combinadas, especialmente na relação direta com os Estados Unidos de Franklin Delano Roosevelt.

Considerações finais

As relações político-financeiras do Brasil têm se conservado ainda de forma bastante peculiar e resguardadas como questão de Segurança Nacional. A produção historiográfica é escassa e quase inexistente se considerarmos que se trata de uma área de conhecimento ainda não inteligível para o público em geral. A constituição tradicionalista da formação de negócios financeiros do Império até a Primeira República traduz bem que a evolução dos negócios financeiros sempre esteve sob o domínio do Estado, com monopólio sobre a movimentação das finanças. Assim sendo, acordos financeiros internacionais são protagonizados e formam paradigmas e conceitos sobre o desenvolvimento econômico para o país. Desse modo, do governo Imperial até o término da Primeira República, observa-se que a produção de capitais não chega a registrar mudanças drásticas de agenda, mas de volume na quantidade de empréstimos.

Há uma vigorosa expansão de negócios realizados entre os mercados financeiros e os Estados, em que a expansão de créditos, a realização futura de gastos de consumo e os investimentos têm produzido uma complexa engenharia financeira. Esta, por sua vez, considera a complicação existente no jogo de forças entre as potências maiores e potências menores, sistematicamente nas estratégias da necessidade de avaliação perceptiva sobre os fenômenos políticos na luta por prestígio internacional, embutidos nos liames da cooperação financeira internacional; do reexame do equilíbrio internacional avalizado também na política internacional; e da necessidade da materialização da política, tacitamente nos problemas de política objetiva, evitando, assim, a aspiração e a recidiva nos contratos de empréstimos.

Referências bibliográficas

CALÓGERAS, João Pandiá. A Política Monetária do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960.
CARONE, Edgar. A Primeira República: 1889-1930. Rio de Janeiro: Difel, 1976.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1994.
POMER, Leon. Conflictos em la Cuenca Del Plata. Buenos Aires: Editorial Riesa, 1984.
SALES, Campos. Da Propaganda a Presidência. São Paulo: [S. n.], 1908.
SOUSA, Octavio Tarquínio. História dos Fundadores do Império do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1947.
TAUNAY, Alfredo D'Escragnolle. A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1868.
TAVARES, Bastos. Cartas do Solitário. Rio de Janeiro: Harvard College Library, 1863.
VARGAS, Getúlio. Diário. Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto. Rio de Janeiro: Editora Siciliano, 1995.
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Pós-Doutorando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutor em Ciências Sociais, Área de Concentração em Relações Internacionais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2011). Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002). Membro do Núcleo de Análise e Conjuntura Internacional, NACI, PUC-SP. E-mail: rodrigohist@hotmail.com.
Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. <>A Política Monetária do Brasil
. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960. p. 31-46.
Cf. POMER, Leon. Conflictos em la Cuenca Del Plata. Buenos Aires: Editorial Riesa, 1984. p. 15.
TAUNAY, Alfredo D'Escragnolle. A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1868. p. 67.
VARGAS, Getúlio. Diário. Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto. Rio de Janeiro: Editora Siciliano, 1995. P. 15.
TAVARES, Bastos. Cartas do Solitário. Rio de Janeiro: Harvard College Library, 1863.
CARONE, Edgar. A Primeira República: 1889-1930. Rio de Janeiro: Difel, 1973. p. 76.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1994. p. 345.
SALES, Campos. Da Propaganda a Presidência. São Paulo: [S. n.], 1908. p. 40.