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Artigo publicado na edição nº 9 de abril de 2006.
A Imigração Italiana para o Rio Grande do Sul no final do século XIX

Miriam de Oliveira Santos

Vários fatores concorreram para a grande imigração transatlântica, que levou milhares de italianos para o continente americano. Um dos principais é a maneira por meio da qual foi feita a Unificação Italiana.

Com a dissolução do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), acontece a fragmentação da Itália, que se transforma em uma região dividida em várias unidades políticas independentes entre si. Após o Congresso de Viena, em 1815, estas regiões passaram a ser dominadas por austríacos, franceses e pela Igreja Católica. Os reinos e ducados da Lombardia-Veneza, Toscana, Parma, Módena e Romagna estavam submetidos ao domínio austríaco. O Reino das Duas Sicílias pertencia à dinastia francesa dos Bourbon. O Reino do Piemonte-Sardenha era autônomo, governado por um monarca liberal e os Estados da Igreja pertenciam ao Papa.

No início do século XIX, o norte da Itália passou por transformações sociais e econômicas desencadeadas pelo desenvolvimento industrial, as cidades cresceram e o comércio se intensificou.

Em 1848, contando com o apoio da burguesia, o Rei Carlos Alberto, do Reino do Piemonte-Sardenha fez a primeira tentativa de unificação, declarando guerra contra a Áustria. O rei foi vencido deixando o trono para seu filho Vítor Emanuel II.

No governo de Vítor Emanuel II o movimento a favor da unificação da Itália foi liderado pelo seu primeiro-ministro, o Conde de Cavour. Com o apoio da França, em 1859, Cavour deu início à guerra contra a dominação austríaca. Alcançando expressivas vitórias, conseguiu anexar ao reino sardo-piemontês as regiões de Lombardia, Parma, Módena e Romagna.

Havia outros grupos que também lutavam pela unificação italiana, mas com a intenção de transformar o país em uma República. Mazzini e Garibaldi foram os líderes mais conhecidos desta corrente. Em 1860, Guiuseppe Garibaldi alia-se a Cavour e, liderando um exército de mil voluntários, conhecidos como camisas vermelhas, ocupou o reino das Duas Sicílias, afastando do poder o representante da dinastia dos Bourbon, Francisco II. Em março de 1861, dominando quase todo o território italiano, Vítor Emanuel II foi proclamado Rei da Itália.

É importante notar que a Unificação Italiana ocorreu apenas alguns anos antes da grande imigração para o Brasil, e que não foi de modo algum um movimento único e consensual. A Unificação acontece em 1861, mas Veneza só foi anexada em 1866, Roma em 1870. A região de Trento só foi incorporada à Itália Unificada após a 1ª Guerra Mundial em 1919 e a questão dos Estados Pontifícios arrastou-se por décadas, sendo resolvida apenas em 1929 com a assinatura do Tratado de Latrão, já no governo fascista. Em função disso a capital do Reino da Itália de 1861 até 1866 foi Turim, depois Florença (1866 até 1870) e, só então, Roma.

Dentre os numerosos problemas gerados pela unificação (1848-1870), o que se apresentou como mais urgente foi o de tornar homogêneo um território muito diferente política e economicamente. Não foi à toa que D’Azeglio, um dos mentores da unificação, afirmou: “Nós fizemos a Itália: agora temos que fazer os italianos”. Segundo Ianni (1972:32) “(...) até não muito tempo milhares de contadini[*1] só no exterior adquiriam consciência de italianos e deixavam de ser sicilianos, ou napolitanos ou vênetos”. Ou seja, após a Unificação acontece uma construção da nacionalidade italiana, dentro e fora da Itália.

Ainda na década de 60 do século XIX, antes de concluída a unificação, a supressão das alfândegas regionais, a oferta de produtos industriais a preços reduzidos e o desenvolvimento das comunicações haviam destruído a produção artesanal, atingindo os pequenos agricultores, que complementavam as suas rendas com o artesanato familiar ou o trabalho em indústrias artesanais existentes no campo.

A unificação alfandegária, impôs à toda a Itália o sistema alfandegário da Sardenha, que tinha as taxas mais baixas, e fez com que as economias regionais, que eram mais ou menos fechadas e até então conseguiam manter certo equilíbrio, sofressem um violento baque. Também a disparidade econômica do Norte, que se industrializou mais cedo, e do sul, predominantemente agrícola, agravou o quadro econômico do país.

Preocupado em obter recursos para a realização de obras públicas, como ferrovias, o governo italiano tomava medidas impopulares, como o imposto sobre a farinha, que atingia duramente os pobres. Nas décadas de 70 e 80 no final do século XIX, várias decisões desse tipo aumentariam os problemas.

No entanto, a unificação política e aduaneira impulsionou a industrialização, que se intensificou no decênio de 1880-1890. O Estado reservou a produção de ferro e aço para a indústria nacional, favorecendo a criação da siderurgia moderna. Protegida pelo Estado, a siderurgia se concentrava ao norte, mas sua produção não era suficiente para o mercado interno, o que exigia importações. A indústria mecânica cresceu mais depressa, especialmente as de construção naval e ferroviária, máquinas têxteis e ligadas à eletrificação, principalmente motores e turbinas. A partir de 1905, a indústria automobilística de Turim conseguiu excelentes resultados. Também protegida, a indústria têxtil era a única com capacidade de conquistar mercados externos. A falta de carvão estimulou a produção de energia elétrica. O problema mais grave estava na total concentração do processo de crescimento no norte, enquanto o sul permanecia agrário.

Esta situação econômica fez com que houvesse uma crise na Itália durante o período final do século XIX, crise esta que não abalou igualmente todas as regiões. O norte foi a primeira área a ser atingida, pois ali começou a se desenvolver a industrialização, deixando os agricultores que complementavam sua renda com o trabalho artesanal sem emprego e sem ter mercado para colocar seus produtos, que não podiam competir com os feitos pelas fábricas locais ou com os importados. Por isto, o norte da Itália forneceria as primeiras grandes levas de emigrantes, e o sul só viveria o processo de emigração mais tarde, principalmente a partir do início do século XX.

A aplicação de formas administrativas típicas do Reino de Savóia provocou com o tempo o agravamento das diferenças já existentes entre as regiões da Itália, criando as condições para um grande movimento migratório de classes rurais para os países das duas Américas entre o fim do século XIX e o início do século XX quando muitos milhões de italianos emigraram. Em 1902, através do decreto Prinetti, o Comissariado Geral da Emigração na Itália proibiu a emigração subvencionada para o Brasil.

Este decreto refletia o imenso debate que a imigração provocou na Itália, debate que podemos acompanhar pela sua repercussão nos jornais. Ao analisar os jornais vênetos do período 1861-1914, Filipuzzi (1976) demonstra que a emigração era vista como a única saída possível em face do desemprego e da miséria e ao mesmo tempo as colônias agrícolas do Brasil são pintadas como se fossem o Paraíso na Terra.

É significativo que as fazendas de café de São Paulo não sejam nem sequer mencionadas, especialmente porque é para esta região que se dirige o grosso da imigração italiana para o Brasil.[*2]

Enquanto a elite econômica da Itália tentava reter o êxodo de mão-de-obra, a Igreja incentivava e abençoava seus fiéis, incumbindo-os de serem no mundo portadores da boa-nova. Dom João Batista Scalabrini, bispo de Piacenza, na Emilia Romagna, se preocupou com a assistência espiritual dos emigrados italianos, fundando uma sociedade, logo transformada em Congregação Religiosa para assistência aos emigrantes. Dom Geremia Bonomelli, analista e crítico da política italiana, o pensador maior da emigração da Itália para o mundo, combatia a exclusão, a exploração imposta pelo poder econômico e político, defendendo o direito de os pobres e explorados buscarem seu destino, liberdade e dignidade através do direito de emigrar.

Sob o aspecto econômico e social o período decorrido entre a Unificação e a 1ª Guerra Mundial caracterizou-se por um crescimento geral da economia italiana, favorecida pela conjuntura internacional positiva que permitiu à Itália ajustar as próprias finanças, reorganizar a administração pública e desenvolver setores essenciais ao desenvolvimento industrial. As condições sociais do país, caracterizado por uma disparidade entre as áreas rurais e urbanas, marcaram os primeiros anos da sua industrialização e os primeiros passos para a organização social moderna, com a formação de partidos políticos o emergir de tensões sociais que tiveram uma ampla influência nos sucessivos eventos históricos italianos.

Às vésperas do primeiro conflito mundial a Itália entrou na guerra ao lado das Potências Aliadas, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Após a Conferência de Paz de Versailles (1919) a Itália conquistou as regiões setentrionais que ainda faltavam para completar o processo de unificação nacional, Trentino, Alto Adige e Venezia Giulia.[*3] No entanto a região da Dalmácia, também ambicionada, permaneceu ligada à Iugoslávia.

Vitoriosa na guerra, porém economicamente destruída, a Itália foi sacudida por uma série de agitações. Surgem nesse período algumas associações políticas que terão uma influência decisiva no destino do país pelos próximos decênios, o Partido Popular (1919) de Don Sturzo, que no futuro daria origem à Democracia Cristã, o Partido Socialista, o Partido Comunista de Gramsci (1921), e os Grupos de Combate de Mussolini (1919) que depois de 1921 transformou-se no Partido Nacional Fascista, levando Mussolini ao poder.

A crise da Itália no pós-guerra e a incapacidade do parlamentarismo e do liberalismo em conter o avanço comunista possibilitou a ação dos fascistas. Em 1926 com a extinção de todos os outros partidos teve início o período do regime fascista. Inspirado numa política autárquica, de cunho nacionalista, o regime fascista introduziu mudanças radicais na vida do país, limitando a liberdade política.

Na política exterior o governo Mussolini buscou uma afirmação de prestígio por meio de uma política expansionista que culminou na aliança com a Alemanha (Pacto de Aço de 1939), e a entrada na Segunda Guerra Mundial (1940-1945) contra as Potências Aliadas. Deposto após o desembarque anglo-americano na Sicília, em 1943, Mussolini refugiou-se no norte da Itália, onde foi preso e fuzilado nos últimos dias da guerra em 1945.

Tanto a ascensão do fascismo, quanto a entrada na segunda guerra mundial propiciam a criação de um novo fluxo emigratório, radicalmente diferente daquele do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Neste período a migração é de indivíduos isolados, citadinos e com certa escolaridade, enquanto no fluxo migratório anterior verificava-se a predominância de famílias camponesas em sua maioria analfabetas ou com baixo grau de instrução, pois só em 1879 a instrução primária torna-se obrigatória na Itália.

A massificação da alfabetização acontece a partir de 1931, todavia já é significativa desde 1921. No entanto na época da grande imigração para o Rio Grande do Sul, nas décadas de 70 e 80 do século XIX, o analfabetismo ainda era a regra.

A Itália era um dos países mais pobres e populosos da Europa, com enorme oferta de mão-de-obra. As guerras para a Unificação, a ocupação por sucessivos exércitos, o serviço militar por três anos consecutivos, foram fatores que contribuíram para a desorganização da unidade familiar de trabalho e para a pauperização do pequeno agricultor, além das formas tradicionais de sujeição do campesinato aos proprietários de terra. Por outro lado, a industrialização da Itália Setentrional não era capaz de absorver toda a mão-de-obra disponível, o que explica a opção pela migração.

Delineadas as condições em que a massa de migrantes se encontrava na Itália e os motivos da sua partida, buscaremos agora analisar a recepção que eles tiveram no Rio Grande do Sul.

Depois de 1870, o governo imperial incentivou a vinda de colonos italianos para o Rio Grande do Sul. Pequenos cultivadores procedentes em sua maioria do Tirol, do Vêneto e da Lombardia estabeleceram uma série de colônias, das quais a de Caxias foi a mais importante. A atividade econômica dos italianos, além de seguir alguns caminhos semelhantes a dos alemães, especializou-se no cultivo da uva e na produção do vinho. Entre 1882 e 1889, em um total de 41.616 imigrantes que ingressaram no Rio Grande do Sul, 34.418 eram italianos. (FAUSTO 2000: 241-2)

A colonização italiana e alemã no Rio Grande do Sul fez parte de um projeto geopolítico do governo imperial brasileiro, que ocorreu no final do século XIX e início do século XX e utilizava a imigração para preencher os chamados “vazios demográficos” do Sul do país. No pós-independência há uma decisão de concentrar a colonização na região sul como uma decisão geopolítica, de consolidação de fronteiras. Neste contexto, os indígenas que ocupavam aquelas terras não eram pensados como nacionais ou brasileiros.

Além dessa função estratégica e geopolítica, a imigração foi planejada como um processo de substituição não só do trabalho escravo pelo trabalho livre, mas principalmente como uma substituição do negro escravo pelo branco europeu em um processo de colonização baseado na pequena propriedade. Nessa perspectiva, a escravidão era vista como uma forma arcaica de produção que não se coadunava com a modernidade, enquanto a colonização era vista como um processo civilizatório.

No início do século XX, com a aceitação em nível oficial da tese do branqueamento que apostava na imigração e na miscigenação como forma de “branquear” a população brasileira, houve um apoio maciço à imigração européia e a defesa irrestrita de uma imigração de brancos oriundos da Europa. Ramos (1994) observa que enquanto a preocupação do Império era aumentar o número de brancos no país a da República era miscigenar os imigrantes com a população mestiça para branqueá-la.

Importa notar que a política imigratória e seus objetivos alteram-se ao longo do tempo como ressalta Carneiro (1950:10):

(...) há a distinguir duas políticas de imigração: (1) a política do governo imperial, criando núcleos coloniais de pequenos proprietários, num prosseguimento da velha idéia colonizadora, inaugurada por D. João VI, com a fundação de Nova Friburgo; e (2) a política dos fazendeiros, que querem imigrantes para a lavoura, à medida que vêem o braço escravo escassear.

Com a lei de terras de 1850 a terra foi transformada em mercadoria e cessou a distribuição gratuita para os imigrantes. Este fato despertou o interesse da iniciativa privada. Assim, ao lado das colônias imperiais e provinciais surgiram colônias particulares (IOTTI, 2001: 24).

As primeiras colônias na encosta superior do nordeste do Rio Grande do Sul, foram as de Conde d’Eu e Dona Isabel, na região onde atualmente estão localizados respectivamente, os municípios de Garibaldi e Bento Gonçalves. Estas colônias foram criadas pela presidência da província em 1870, antes que se iniciasse o processo de imigração italiana no estado. Para ocupá-las, o governo provincial firmou contrato com duas empresas privadas, que deveriam introduzir quarenta mil colonos em um prazo de dez anos.

No entanto, as dificuldades encontradas fizeram com que apenas um pequeno número de colonos fosse assentado. Vários foram os motivos que contribuíram para este quadro. Na Europa Central, e em especial na Alemanha, havia uma prevenção generalizada contra o Brasil, que era visto, especialmente depois da publicação das memórias de Thomas Davatz,[*4] como um local onde os imigrantes sofriam privações.

Além disso, o governo provincial pagava menos para os transportadores do que o governo central, e os imigrantes preferiam ficar no sopé da serra, nas áreas já colonizadas. Por isso em 1874 só dezenove lotes da colônia Conde d'Eu estavam sendo cultivados, com apenas setenta e quatro pessoas vivendo no local. Em função desse quadro, o governo provincial desistiu de administrar a colonização da área e repassou-a para o governo central.

Foi a partir de 1875, sob a administração da União, que chegam as primeiras levas de italianos para Conde D'Eu e Dona Isabel. A área dessas colônias encontrava-se limitada pelo rio Caí, os campos de Vacaria e o município de Triunfo, sendo divididas entre si por um caminho de tropeiros.

Nesse mesmo ano foi criada a colônia Caxias, no local chamado pelos tropeiros que subiam a serra em direção a Bom Jesus de "Campo dos Bugres". Essa colônia limitava-se com Nova Petrópolis, São Francisco de Paula, o rio das Antas e com as colônias de Conde d'Eu e Dona Isabel.

As primeiras levas de imigrantes vieram do Piemonte e Lombardia, e depois do Vêneto. Quando começou a imigração do Sul da Itália, em 1901, as terras disponíveis no estado já estavam quase que totalmente ocupadas e, por isso, no Rio Grande predominaram os italianos vindos do norte.

Falando sobre a colonização do Rio Grande do Sul, na segunda metade do século XIX, Woortmann esclarece:

O processo de ocupação pelos colonos interessava ao capital num duplo sentido: a valorização das terras e a comercialização da produção. Realizando o objetivo da Lei de Terras, datada de 1850, a colonização transforma terras devolutas em mercadoria, cria um campesinato parcelar ao mesmo tempo que elimina o posseiro (e os grupos indígenas, exterminados no bojo do processo), e transforma a propriedade no fundamento da subordinação do capital (1988: 99).

Ou seja, a imigração no Rio Grande do Sul foi dirigida para a colonização, que por sua vez foi pensada como um processo de preenchimento de áreas não ocupadas economicamente. Roche nos lembra que além de preencher os vazios demográficos e econômicos, as colônias tinham uma função exemplar:

(...) as colônias eram fundadas para balizar e preparar a abertura das estradas que subiriam o escarpamento da serra. Invadiam a frente florestal além da zona de povoamento luso-brasileira e formavam grande número de núcleos agrícolas cujos intervalos seriam ocupados, pouco a pouco, pela população de origem nacional, que a prosperidade exemplar das colônias oficiais atrairia (Roche, 1969:112).

Essa colonização dá origem à formação de um novo tipo de campesinato no Brasil, que, por sua vez, engendra a construção de núcleos urbanos e de um pequeno mercado regional.

O objetivo dos agentes de colonização era trazer para o Brasil famílias de agricultores brancos. O processo de recrutamento para a colonização no norte da Itália só se efetivava quando se tornava mais difícil trazer alemães, que eram vistos como agricultores eficientes e como o ideal para a colonização no Rio Grande do Sul (SEYFERTH, 2001).

Parte do campesinato europeu emigrou para a América em busca de novas terras. Esses camponeses italianos adquiririam, ao chegar ao nordeste do Rio Grande do Sul, a identidade de colonos, isto é, proprietários de uma fração de terra denominada colônia. Segundo Seyferth (1993:38): “No seu significado mais geral, a categoria colono é usada como sinônimo de agricultor de origem européia, e sua gênese remonta ao processo histórico de colonização (...) e ainda” A categoria colono foi construída, historicamente como uma identidade coletiva com múltiplas dimensões sociais e étnicas (SEYFERTH,1993: 60)” . Sendo assim, a palavra colono, que era a designação oficial para o imigrante que adquiria um lote de terra em um projeto de colonização, converte-se em um símbolo de diferenciação étnica.

Analisando os aspectos econômicos da colonização italiana para o Rio Grande do Sul, Moure (1980: 96) afirma que a imigração italiana seguiu três etapas básicas:

(a) o estabelecimento dos imigrantes em moldes de uma agricultura de subsistência (1875-1910); (b) o desenvolvimento de atividades vitivinicultoras (1910-1950), onde a comercialização de excedentes de produção começa a especificar a área de colonização italiana; e (c) a instalação de cooperativas e empresas de industrialização capazes de aproveitar a produção local, gerando, a exemplo da zona colonial alemã, redefinições ao nível de mercado e nas relações de produção da pequena propriedade (...).

Enquanto a primeira fase é quase exclusivamente rural, a partir da segunda o núcleo urbano ganha importância e passa a ser preponderante na terceira fase. No decênio 1950-1960 no Rio Grande do Sul, como aliás em todo o território nacional, a população urbana aumentou de maneira expressiva em detrimento à rural. Uma possível explicação para isso é o surto de industrialização desencadeado após a 2ª Guerra Mundial e consolidado entre 1950 e 1960.

Gostaria de sublinhar que esse processo histórico imprimiu certa marca na representação da identidade, memória e tradição da população do Rio Grande do Sul. É através dele que surgiu uma cultura que não é a dos dois Estados Nacionais envolvidos no processo, mas uma mescla de ambas. Ao chegar ao território brasileiro, o imigrante italiano reelaborou sua identidade, definiu seus amigos e inimigos, delimitou imaginariamente seu território, estabelece sua ordem social e familiar, e redefine seus modelos de conduta.

Bibliografia

CARNEIRO, J. Fernando. (1950) Imigração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil.
DAVATZ, Thomas (1972) Memórias de um colono no Brasil. São Paulo: Martins/Edusp
FAUSTO, Bóris (2000) História do Brasil. 8 ed. São Paulo: EDUSP
FILIPUZZI, Angelo. (1976) Il Dibattito Sull’Emigrazione; polemiche nazionali e stampa veneta (1861-1914). Firenze: Le Monnier.
GABACCIA, Donna (2000) Italy’s many diasporas. Seattle: University of Washington Press
IANNI, Constantino (1972) Homens sem paz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
IOTTI, Luiza Horn. (2001) Imigração e Colonização: legislação de 1747 a 1915. Porto Alegre / Caxias do Sul, Assembléia Legislativa do estado do Rio Grande do Sul/EDUCS
MOURE, Telmo.(1980) A inserção da economia imigrante na economia gaúcha. In: Dacanal, José H. e Gonzaga, Sérgius (org.). RS: Imigração e Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980
RAMOS, Jair de Souza. (2002) O Poder de domar do fraco: Construção de autoridade e poder tutelar na política de povoamento do solo nacional. Tese de doutorado. PPGAS, Museu Nacional, UFRJ
ROCHE, Jean. (1969) A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo.
SEYFERTH, Giralda (1993) “Identidade Camponesa e Identidade Étnica (Um estudo de caso)”, Anuário Antropológico 91
SEYFERTH, Giralda (2001). “Imigração e nacionalismo: o discurso da exclusão e a política imigratória no Brasil”. In: Castro, Mary Garcia (coord.). Migrações Internacionais: Contribuições para políticas, Brasília: CNPD
WOORTMANN, Ellen F.(1988) Colonos e Sitiantes: um estudo comparativo do parentesco e da reprodução social camponesa. Tese de Doutorado, Brasília, UNB
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Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professora da Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora.
Camponeses.
A ponto de uma autora ítalo-americana afirmar em um livro sobre a diáspora italiana (Gabaccia, 2000) que os imigrantes italianos foram encaminhados para plantações de café no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Aliás o texto original demonstra perfeitamente que a autora não compreendeu a existência de dois diferentes tipos de imigração italiana para o Brasil: a de colonização e a de braços para as fazendas de café.
Estas regiões enviaram vários colonos para o Brasil, que aqui chegavam com o passaporte austríaco.
Colono alemão que participou da revolta de Ibiacaba, publicou, ainda ano século XIX, um livro sobre o tratamento que os colonos recebiam nas fazendas de café paulista. Ver Davatz (1972)