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Artigo publicado na edição nº 16 de novembro de 2006.
Um discurso sobre o Brasil: uma análise do jornal Minerva Brasiliense - Rio de Janeiro (1843-1845)

Lílian Martins de Lima

Os estudos históricos dedicados ao periodismo brasileiro do século XIX são escassos e apresentam como característica comum o uso dos mesmos a título de ilustração das polêmicas românticas entre nós. Analisá-los e compreendê-los, enquanto um espaço de discussão e divulgação/doutrinação de idéias, é nosso objetivo no presente trabalho. Assim, uma primeira observação a ser feita diz respeito ao que era compreendido por imprensa no período em questão.

Nacionalidade e Progresso

Diferentemente do que entendemos por imprensa nos dias atuais, no século XIX era considerada imprensa toda obra impressa, desde pequenos panfletos, folhas avulsas até os jornais. Outra observação que se faz necessária é com relação ao seu formato. Os periódicos apresentavam um formato semelhante a um livro, com páginas seqüenciais ao longo de todo o período de publicação; era comum a prática de encadernação desses periódicos que eram vendidos nas principais livrarias da Corte, em especial nas livrarias francesas que abundavam na capital carioca.

Os redatores desses periódicos eram, em geral, literatos, advogados, médicos, e jornalistas que não realizavam um jornalismo noticioso-informativo como conhecemos hoje, e sim redigiam verdadeiros ensaios que versavam sobre os assuntos mais diversos: desde economia política, passando por astronomia, literatura, ciências, teatro e traduções de textos clássicos. Nesses ensaios, que às vezes ocupavam até dois números da publicação, foram discutidos assuntos que eram compreendidos como fundamentais para o país na época, entre os quais vale destacar a afirmação do caráter nacional através da literatura, a ciência enquanto um instrumento de civilização e progresso, e a história como um conhecimento que permitia um certo grau de previsibilidade sobre o futuro.

Cabe destacar que, somente a partir da chegada da Corte de Dom João VI para o país, em 1808, esse surto de panfletos e publicações foi possível. Uma vez autorizada a instalação da imprensa no país, verificou-se um aumento no número das atividades ditas culturais, como salientou Laurence Hallewell (2005) a respeito das livrarias que no momento do embarque da Corte Portuguesa resumiam-se em apenas duas e já no ano de 1816 esse número passou para 12, além da criação, anos mais tarde, em 1821, dos Gabinetes de Leitura na rua do Ouvidor, que favoreceu a criação de hábitos de leitura entre a população carioca.

Apesar de sua duração dificilmente ultrapassar dois anos, pelas dificuldades de manter tal empreitada, a imprensa periódica desempenhou um importante papel não só no que concerne à história da imprensa brasileira como à história da cultura. Num ambiente, por mais tímido que se apresentava para discussões sobre a pátria, o periodismo focava sua atenção para as coisas que diziam respeito ao bem comum e ao progresso geral da sociedade, na busca de assim tornar os homens mais virtuosos como se dizia no vocabulário da época. Ilustrativo desse posicionamento engajado entre os intelectuais do período é a epígrafe da Revista Nitheroy de 1836 “Tudo pelo e para o Brasil”. Antes, porém, de entrarmos na análise do Minerva Brasiliense de 1843, vale observar a existência de outros periódicos, como foi o caso de Variedades ou Ensaios de Literatura de 1812, na Bahia, que foi o primeiro periódico que se tem notícia (VIANNA, 1945). Anos depois surgiram O Patriota (1813-1814), Anais Fluminense de Ciências, Letras, Artes e Literatura (1822), Jornal Científico Econômico e Literário (1826), O Beija- FlorAnais Brasilienses de Ciências, Política, Literatura (1830), Semanário Político, Industrial e Comercial do Rio de Janeiro (1831).

Tendo como redator-chefe[*1] a figura de Francisco Torres Homem que era médico, advogado, senador durante o Império e membro do Instituto Histórico de Paris, o Minerva Brasiliense foi palco de uma das inúmeras discussões e polêmicas que versavam sobre uma das problemáticas do período: a existência ou não de uma cultura genuinamente brasileira; cultura essa que seria afirmada por meio da literatura.

Concebida na época como o “espírito de um povo”, a literatura era a expressão mais bem acabada de uma nação e, desse modo, provaria a existência, ou melhor, ilustraria uma nacionalidade que era, por excelência, compreendida por meio da literatura. Nesse sentido, o ensaio de Santiago Nunes Ribeiro intitulado Da nacionalidade da literatura brasileira é fundamental. Nesse ensaio, Nunes Ribeiro rebate as críticas feitas pelo português Gama e Castro acerca da nossa produção literária ser um mero apêndice da portuguesa. O autor argumenta a existência de uma literatura de caráter nacional, resultante de um clima, um solo, instituições e costumes distintos do europeu.

Agora, perguntaremos se um país, cuja posição geográfica e constituição geognóstica, cujas instituições, costumes e hábitos tanto diferem da sua metrópole de outrora, não deve ter sua índole especial, seu modo próprio de sentir e conceber, demandante destas diversas causas, modificadas umas pelas outras; se, numa palavra, não deve ter carácter nacional.(...) A literatura é a expressão da índole, do carácter, da inteligência social de um povo ou de uma época. (RIBEIRO, 1843, p. 26).

Ensaio de grande importância para a então recente historiografia literária, o texto de Ribeiro, ao defender a autonomia da literatura produzida no Brasil, faz interessantes considerações acerca da produção poética anterior ao século XVIII, que, pelo seu elevado uso da mitologia, foi pouco mencionada nos autores tratados anteriormente. Ribeiro, no que diz respeito a esse apego a elementos mitológicos, pondera:

a poesia brasileira da época anterior à independência foi o que devia ser. Porventura poderia ela ser a expressão das idéias e sentimentos de outros tempos? (...) Ninguém pode sentir inspirações completamente estranhas ao seu tempo. (Ibidem, p. 31)

A tese em defesa da literatura brasileira de Ribeiro em linhas gerais pode ser assim compreendida: a natureza, o clima, a sociedade são elementos que distinguem uma literatura em relação à outra; logo uma sociedade diferente como a brasileira produz uma literatura distinta da portuguesa. Na defesa que elabora sobre a nacionalidade da literatura brasileira, Ribeiro compreende que mesmo apresentando um elemento comum com a literatura portuguesa (a língua), deve-se observar

ao espírito que anima, a idéia que preside aos trabalhos intelectuais de um povo, isto é, de um sistema, de um centro, de um foco de vida social. Este princípio literário e artístico é o resultado das influências, do sentimento, das crenças, dos costumes e hábitos peculiares a um certo número de homens, que estão em certas e determinadas relações, e que podem ser muito diferentes entre alguns povos, embora falem a mesma língua. (Ibidem, p. 24)

Concluindo que “as condições sociais e o clima do Novo Mundo necessariamente devem modificar as obras nele escritas nesta ou naquela língua da velha Europa” (idem, ibidem).

Ao lado dessa problemática, que foi a questão da afirmação da cultura nacional, depreende-se outra questão que está ligada ao modo como os intelectuais do período compreendiam sua atuação na sociedade. Como observou Antonio Candido (2000), é perceptível nesses homens letrados do século XIX a crença no poder transformador do intelectual que, por meio de uma participação ativa nas mais variadas esferas da sociedade, garantiria a marcha rumo ao progresso, outra idéia bem cara para o período em questão. É nesse sentido que compreendemos o trecho abaixo, no qual Francisco Torres Homem ressalta esse empenho dos homens compromissados com a pátria que se enveredavam por territórios ainda inexplorados.[*2]

Parece que na ordem providencial do mundo, nada se obtém sem sacrifício; ele é a condição de nossa perfectibilidade; para que tenha lugar o progresso da sociedade é mister que uma geração seja oferecida em holocausto à outra [...].Para nós portanto, os tormentos de uma época crítica, a fadiga da construção, os ardores da luta: para as gerações vindouras, as flores da primavera, o orvalho do céu, a fruição não disputada de sua herança.

Verifica-se, portanto, dois aspectos intimamente ligados: o primeiro diz respeito à afirmação da cultura nacional e o segundo refere-se ao papel desempenhado pela intelligentsia da época nesse processo. Ao lado das discussões sobre o caráter nacional na literatura que tratamos acima, encontramos outra questão que não menos importante ocupou boas páginas do Minerva Brasiliense: a consagração da ciência no Oitocentos. É com o título de Progressos do século atual, que o mesmo Torres Homem abre o primeiro número do Minerva. Nesse ensaio que enumera os principais avanços das ciências – desde a nova classificação biológica até o aparecimento da máquina a vapor – o autor enfatiza a aplicabilidade das ciências na vida cotidiana do homem do século XIX como ilustra o trecho abaixo:

É somente em nossos dias que se tem feito notar uma geral mudança na direção das ciências: noutras épocas elas apresentavam uma marcha altiva e orgulhosa, absorvidas na grandeza de suas abstrações pouco se cuidava em prestá-las ao serviço prático da espécie humana (...). A nossa idade terá a glória de haver tirado a ciência de suas compreensões egoístas. Mais popular hoje em dia, ela não vive exclusivamente no recinto das academias; percorre os campos, visita as oficinas, e vem presidir até os modestos arranjos da vida doméstica. Que poderosos auxílios dados às artes pela química e a física! Enquanto uma dotava de uma multidão de processos novos, os domínios das indústrias, a outra estendia a esfera do poder do homem sobre o universo físico que o encadeia e limita, substituindo a força dos músculos pela ação emprestada dos agentes da natureza, armando com máquinas a fraqueza de seus membros. (TORRES HOMEM, 1843, p. 5)

Entre os “avanços” que registra, vale destacar, ao lado do aparecimento da máquina a vapor e a conseqüente diminuição das distâncias, a propagação da imprensa a um número cada vez maior de pessoas, e a adoção da forma constitucional de governo, tida como um indicador do progresso de uma nação.

A ciência política e moral não tem avançado menos. As nações modificam a ferocidade de sua legislação criminal e os vestígios da antiga barbaridade desaparecem de dia em dia em toda à parte, diante das vozes da filosofia e dos queixumes dos povos o sistema constitucional que antes não passava de um fato estabelecido pela mão do tempo na Inglaterra, tornou-se um princípio, a forma da liberdade, a condição do progresso dos povos (...).(Ibidem, p. 9)

No final de sua exposição acerca do aperfeiçoamento das ciências, Torres destaca a “sorte das gerações futuras, destinadas a colher o fruto de tão grandes e úteis trabalhos”, onde se observa uma visão linear e teleológica da história que por sua vez era orientada pelas noções de progresso e civilização.

Essas idéias serão uma constante na produção periódica do Oitocentos. Desde panfletos menores até jornais com uma duração maior, nação, progresso e civilização serão por assim dizer as idéias-chave que estarão presentes nos ensaios, desde a economia, passando pelos ensaios literários, até mesmo no espaço dedicado às ciências e suas benfeitorias dando aos homens letrados do século XIX a sensação de viver em uma época em apogeu e a contribuição de cada um nesse cenário. Observa-se assim a construção de um padrão discursivo sobre o país e sobre sua trajetória rumo à civilização.

Bibliografia

ABREU, Márcia; SCHAPOCHNIK, Nelson (orgs). Cultura Letrada no Brasil. Campinas: Mercado das Letras/ABL, 2005.
CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. São Paulo: Itatiaia, 2000.
COUTINHO, Afrânio. A tradição afortunada – O espírito de nacionalidade na crítica brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista. Lisboa: Casa da Moeda, 1999.
GUIMARAES, Manoel Salgado. “Nação e Civilização nos Trópicos – O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 1, 1988.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: Edusp, 2005.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico: reações e transações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
LUCA, Tânia de; MARTINS, Ana Maria. Imprensa e Cidade. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.
MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira (1794-1855). Vol. II. São Paulo: Cultrix, 1977.
NAXARA, Márcia. Cientificismo e Sensibilidade romântica. Brasília: Editora da UNB, 2004.
RIBEIRO, Santiago Nunes. “Da nacionalidade da Literatura Brasileira”. In: Minerva Brasiliense – Jornal de Ciências, Letras e Artes. Rio de Janeiro, nº 1, 1º de novembro de 1843.
RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil (1500-1822) - Com um breve estudo geral sobre a informação. São Paulo: Imesp, 1988.
SODRÉ, Nelson Werneck de. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
TORRES HOMEM, Francisco. “Progressos do século atual”. In: Minerva Brasiliense – Jornal de Ciências, Letras e Artes. Rio de Janeiro, nº 01, 1º de novembro de 1843.
VIANNA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nacional, 1945.
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Bacharel em História pela Unesp. Mestranda em História e Cultura Social na Unesp. Bolsista CAPES.
Até o ano de 1844, quando esse cargo passa a ser desempenhado pelo chileno Santiago Nunes Ribeiro.
Cabe observar que foram esses letrados os responsáveis pelos primeiros estudos sobre o país em suas diversas dimensões, como história, geografia, economia, política, etc.