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Artigo publicado na edição nº 26 de outubro de 2007.
Escravos no novo oeste paulista:
a contribuição da raça negra no desbravamento da região do Jahu

Guilherme Valente

A história oficial costuma muitas vezes minimizar ou simplesmente apagar a contribuição de classes menos favorecidas no processo de colonização ou apossamento ocorrido em cidades do interior paulista. Na publicação da edição comemorativa dos jornais Correio da Capital e Correio de Garça, veiculada durante as comemorações do primeiro centenário de fundação da cidade de Jaú, centro oeste paulista, há em toda edição de cerca de 341 páginas uma breve menção à colaboração da raça negra nos primeiros anos de fundação da vila do Jahu de quatro parágrafos, ou seja, menos de um terço de uma única página. O texto resume-se a falar da quantidade de escravos negros e como alguns senhores desbravadores utilizaram a mão-de-obra escrava na fundação da vila do Jahu para abrir picadas ou levantar a igreja (Fernandes, 1954 p.14). No entanto, em estudo de fontes primárias, como inventários e livros de registros e escrituras do arquivo do atual Cartório de Notas e Protestos de Jaú, foi constatado que o trabalhador escravo não só foi muito utilizado nos primórdios da fundação da vila, mas como contribuiu praticamente até o final do regime escravocrata com as mudanças econômicas e urbanas ocorridas de 1853 a 1888. Segundo o historiador Luís Felipe de Alencastro, a economia brasileira desde seus primórdios foi baseada na escravidão do africano.

A partir de 1550, todos os “ciclos” econômicos brasileiros – o do açúcar, o do ouro e o do café – derivam do ciclo multissecular de trabalho escravo resultante da pilhagem do continente africano. O tráfico negreiro vai irrigar os desdobramentos regionais e setoriais da economia mineira, permitindo o desenvolvimento simultâneo das diferentes zonas produtivas... (Alencastro, 2000, p.353).

Embora a fundação da vila de Jaú só tenha ocorrido depois da proibição do tráfico negreiro internacional em 1850, a cidade de Jaú usufruiu da força de trabalho escrava durante trinta e cinco anos, ou seja, desde sua fundação oficial em 1853 até a abolição em 1888. Esta importante contribuição está registrada nos documentos de cartórios e arquivos da cidade de Jaú.

Este artigo tem como objetivo traçar um breve histórico de como a mão-de-obra negra esteve presente no cotidiano das Fazendas Mandaguahy e Riachuelo, duas propriedades agrícolas na região de Jaú. A primeira propriedade, a Fazenda Mandaguahy, pertencia a Antonia de Almeida Prado. A segunda fazenda, Riachuelo, a seu irmão Francisco de Paula Almeida Prado, O Major Prado. O período estudado é de 1868 e 1888, quando as duas propriedades ficaram sob o comando de Francisco de Paula Almeida Prado e seus herdeiros.

ESCRAVOS DESBRAVADORES E LAVRADORES

A pesquisa sobre o uso de mão–de-obra escrava em fazendas da região de Jaú foi baseada em referências bibliográficas e fontes primárias disponíveis no acervo do Arquivo Municipal de Jaú e nos registros de cartório de transações e inventários de pessoas ligadas às propriedades em analise.

Em uma publicação comemorativa do centenário de Jaú, há um relato sobre a vinda do Tenente Lourenço de Almeida Prado para a região, acompanhado de sua família e escravos. Segundo o texto foram os escravos que abriram a picada entre o Porto Ribeiro (atual Barra Bonita) e Banharão (Jaú) sob o comando de Lourenço de Almeida Prado. Neste relato, ficou registrada a importância dos cativos no desbravamento de áreas novas.

O Tenente Lourenço de Almeida Prado é o primeiro membro da família a chegar ao Jaú....viaja Tietê abaixo em batelões que toma de aluguel. Com a família e os escravos aporta a fazenda do Capitão Ribeiro de Camargo...Com a sua bússola, traça este uma reta que ambos, com o trabalho dos africanos recém chegados, transformam, no decurso de um mês, na estrada do Banharão Novo. Encurtando assim a distancia entre o Porto Ribeiro e a localidade em formação (Correio da Noroeste, 1955 p.29)

O primeiro inventário aberto de proprietários das fazendas Mandaguahy e Riachuelo, foi o de Antonia de Almeida Prado, casada com Joaquim Pires de Campos em 1862. Há treze escravos enumerados de acordo com as idades e valor de venda. Os escravos na idade produtiva, entre quinze e trinta anos, valiam cerca de 2:000$ contos de réis cada, já velhos e crianças de 500$ a 800$ mil réis a unidade. O cotidiano destes escravos devia ser dedicado basicamente às culturas de cana, café e milho. Havia na fazenda uma pequena produção de seis arrobas e meia de açúcar registrado no inventário, bem como carros de milho e dezessete arrobas de café. Observa-se que já em 1862 havia produção local de café, o que demonstra a existência de plantações de no mínimo três anos e mais uma vez a utilização de escravos na implantação da cultura agrícola que trará riqueza e progresso à região. As ferramentas de trabalho usadas resumiam-se a quatro machados, uma foice, seis enxadas, uma corrente para madeiras e bruaquinha, caixa de estrutura de madeira recoberta de couro, com ferramenta de ferrar. O número de ferramentas era o suficiente para os cinco escravos com idade de ir para a roça. Nos inventários seguintes ao de Antonia de Almeida Prado reforçam que a ocupação dos escravos era dividida entre as plantações e criações de animais, tais como: carneiros, bois para puxar carros-de-boi, cavalos, mulas e burros para puxar implementos e carroças e principalmente muitos porcos.

Se nas fazendas de Jaú os escravos eram basicamente usados nas atividades agrícolas, uma carta escrita pelo senhor Felício Botelho, ex-escravo da família Arruda Botelho, descreve atividades mais amenas desempenhadas por ele. Em seu relato destinado ao neto de Antonio Carlos de Arruda Botelho, o Conde do Pinhal, há um trecho descrevendo as obrigações do escravo, primeiramente como copeiro, depois balconista e finalmente feitor de um plantel de 50 escravos. (Memórias do velho escravo Felício, 1917). O depoimento do escravo é repleto de saudosismo de um homem que lhe parecia mais companheiro do que senhor de escravos. Talvez esta relação de “companheirismo” fosse necessária não só no comércio, como descrito pelo escravo Felício, mas também nas atividades agrícolas, as quais eram muito dependentes da mão-de-obra escrava.

ESCRAVOS CONSTRUTORES

Os escravos não só eram essenciais na agricultura como deviam também ser na construção civil. Não há relatos na região de Jaú descrevendo a atuação da mão-de-obra cativa na edificação de casas ou benfeitorias, porém o uso de escravos está implícito, uma vez que eram eles que faziam a maior parte do serviço braçal no município de Jaú. Nos inventários de Antonia de Almeida Prado, datados de 1862, estão arrolados 10 milheiros de telhas; em 1885 foi formada uma sociedade entre João Lourenço de Almeida Prado e Manoel José Coimbra para o fabrico de tijolos (Livro 24, 1885 p.27). Posteriormente à abolição, em 1901, na Fazenda São João do Barreiro de João Leite Ferraz de Campos, no inventário feito por ocasião da morte de sua esposa Carolina Ferraz de Almeida Prado, contabilizou-se 40 mil tijolos produzidos na olaria daquela propriedade. Aqui abre-se um parêntese para relembrar que a Fazenda São João do Barreiro fazia parte da gleba inicial da Fazenda Mandaguahy, desmembrada na época da divisão de bens (1863), entre a viúva Anna Joaquina Ferraz e seu filho João Leite Ferraz de Campos. Como o próprio nome da propriedade sugere, a olaria provavelmente existia anteriormente à época do inventário de 1900, e é muito provável que nela tenha sido empregada mão-de-obra escrava, a qual era de direito do herdeiro da mesma forma que as terras o foram.

Os escravos do município de Jaú vieram de toda parte do país. Havia negros de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Sergipe e da região do Vale do Paraíba paulista. Estas áreas, embora estagnadas ou decadentes na época do desenvolvimento da região de Jaú, eram conhecidas por suas propriedades opulentas e vilas com edifícios bem construídos. Se os escravos eram trazidos para Jaú destas regiões, é natural inferir que entre os trabalhadores trazidos para a região tenham vindo pessoas com conhecimento de como construir com tijolos além da taipa, e os escravos oriundos do Vale do Paraíba já tinham contato com uma arquitetura mais refinada e com influência neoclássica, diferentemente dos mineiros arraigados ao estilo barroco. A cidade de Jaú, em 1888, segundo uma fotografia tirada do centro da cidade, era uma cidade de “Barro”, com poucas casas de alvenaria de tijolos, mas com certeza era uma cidade, senão integralmente, parcialmente construída com a contribuição da raça negra.

NOVAS TERRAS, VELHOS COSTUMES

No livro de Boris Kossoy e Maria Lúcia Tucci Carneiro, “O Olhar Europeu”, a punição dos cativos era uma forma de enfatizar as relações senhor/escravo como matriz estruturadora da sociedade e da economia. (2002 p. 151). Já Eduardo Silva escreve que “o perigo de fugas e rebeliões – vulcão sobre o qual se assentava a sociedade escravista – tornava necessária a existência de mecanismos de manutenção da “ordem”: o tratamento através da violência ou através do paternalismo dentro do marco da fazenda escravista.” (1984 p. 155)

Como a região de Jaú foi povoada por pessoas vindas de Itu e algumas regiões de Minas Gerais, houve aqui uma continuação da relação senhor/escravo existente em núcleos urbanos mais antigos. Objetos de punição como algema, cadeado, corrente e colar estão arrolados no inventário de Antonia de Almeida Prado. Isto demonstra que, apesar dos escravos serem escassos e caros nesta área, os instrumentos de domínio e punição continuavam os mesmos de outras regiões antigas.

Paes de Barros narra em suas memórias sua visão pessoal dos castigos dados aos escravos. Nota-se no texto uma exaltação do caráter dos negros em geral. Segundo ela, eram resistentes, dóceis e prolíferos; mas, se eram maus, causavam medo nos brancos e escravos mais submissos.

Raça resistente e prolífera! Nunca se queixavam de excesso de trabalho e, por pouco que lhes dessem trato, roupa e comida, viviam satisfeitos. Se isso, contudo, se dava com os pacíficos, não faltavam também os ociosos, briguentos e ladrões, os quais, severamente punidos, tomados de medo ao tronco e ao chicote, recorriam à fuga. Embrenhavam-se pelo mato....Eram, no entanto, facilmente apanhados pelo”capitão do mato”, homem esperto e habilíssimo em acompanhar pegadas do fugitivo até seu esconderijo, trazendo-o preso para a fazenda, onde recebia castigo... colocava-se uma argola de ferro com uma ponta aguda, no pescoço do negro, que era obrigado a suportá-la durante certo tempo. (Barros, 1998, p.128)

MÃO-DE-OBRA IMPRESCINDÍVEL

Os escravos foram presentes nas fazendas Mandaguahy e Riachuelo praticamente até a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888. Nos quatro inventários redigidos durante o regime monarquista, estão elencados cerca de 55 escravos, sendo que o último inventário desta época é de 1867.

No inventário de Izabel de Almeida Prado de 1866, primeira esposa de Major Prado estão arrolados 40 escravos pertencentes ao casal, os outros 15 escravos estão listados nos outros três inventários: o inventário de Antonia de Almeida Prado, de 1862, de Joaquim Pires de Campos, de 1863 e de Joaquim do Amaral Campos, morto em 1866, mas inventariado somente em 1867. Neste número de 55 escravos totalizados nos quatro inventários, foram descontados os nomes pré-existentes nos inventários de 1862 e 1863, por pertencerem aos herdeiros da fazenda Mandaguahy. Com este cuidado em não repetir nomes previamente listados, pudemos verificar que num prazo de cinco anos entre a elaboração do primeiro ao terceiro documento e três herdeiros diferentes, o número de cativos pouco aumentou para os proprietários da Fazenda Mandaguahy, fato ocorrido somente com a junção das duas propriedades através de casamento entre os viúvos Anna Joaquina Ferraz e Francisco de Paula de Almeida Prado.

ESCRITURAS DE COMPRA E VENDA

Numa tentativa de achar outros números relativos ao uso da mão-de-obra escrava nas duas propriedades, houve uma investigação nos livros de registros e escrituras do Cartório de Notas e Protestos de Jaú. Foram encontrados números isolados em escrituras de compra e venda registradas em cartório dos quais podemos inferir a possibilidade do número de escravos usados nas fazendas Mandaguahy e Riachuelo, ao final da década de 1880, ter sido bem maior que os cinqüenta e cinco inventariados na década de 1860.

Nas escrituras do Cartório de Notas e Protestos de Jaú nos livros 16 a 34, durante o período de vinte e cinco de fevereiro 1881 a 4 de julho de 1888, há um grande número de transações comerciais envolvendo escravos. Ora eram contratos de compra e venda, ora trocas de escravos, ora permutas de escravos por terra ou casas de morada. O total de transações comerciais chegaram a 117 e cartas de alforria a 21 unidades. Observou-se que, enquanto os contratos de compra e venda podiam envolver mais de escravo, as cartas de liberdade só beneficiam um trabalhador cativo, com exceção de uma datada em dois de março de 1885 que beneficiava cinco escravos pertencentes a José Pacheco de Almeida Prado (Livro 22,1885 p.90).

O proprietário das Fazendas Mandaguahy e Riachuelo, a partir de 1867, o Major Prado e seus filhos Lourenço Avelino de Almeida Prado, Cláudio Furquim de Almeida Prado, Francisco de Paula Almeida Prado filho, seu enteado João Leite Ferraz de Campos e seu genro Lourenço Ferraz de Almeida Prado, são citados várias vezes nos livros, algumas vezes em escrituras de compra e venda, outras em adiantamento de herança. Nota-se nos documentos que a maioria dos escravos comprados eram destinados ao uso nas lavouras, o que demonstra a necessidade crescente da mão–de-obra para expansão das plantações de café que vinha desde a década de 1870 com a aproximação de Jaú da Ferrovia Paulista.

Podemos fazer uma análise comparando a construção da ferrovia em direção às novas zonas produtivas de café com o aumento das plantações e conseqüentemente da necessidade de uma maior força de trabalho. O número exato de escravos na década de 1870 foi aferido por ocasião da promulgação da Lei do Ventre Livre. O artigo oitavo desta lei obriga os proprietários de escravos a matriculá-los em órgãos oficiais sob pena de perdê-los caso não o fizessem.

Art. 8.º - O Governo mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes do Império, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se for conhecida.
§ 1.º - O prazo em que deve começar e encerrar-se a matrícula será anunciado com a maior antecedência possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserta a disposição do parágrafo seguinte.
§ 2.º - Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados não forem dados à matrícula, até um ano depois do encerramento desta, serão por este fato considerados libertos...
(http://www2.uol.com.br/linguaportuguesa/valeoescrito/ve_ventre.htm - acesso em 14/04/06 - 10:15)

Havia, segundo o recenseamento de 1872, cerca de 906 escravos na região de Jaú. Eram 410 mulheres e 496 homens (Fernandes, 1954 p.14). Neste número não estão computadas as crianças nascidas após 1871, que, segundo a Lei do Ventre Livre, seriam libertadas ao completarem os 21 anos. Fernandes também faz uma comparação com o aumento do número de escravos 16 anos depois. São 1.384 cativos, sendo 852 homens e 532 mulheres. Aqui também o autor não inclui as crianças, mas fornece o número de 509 infantes. Houve neste período um crescimento de cerca de 45% do número de cativos usados no eito. Somando as crianças aos adultos, teremos um crescimento ainda mais expressivo. É um aumento de mais de cem por cento na força de trabalho, embora a Lei do Ventre Livre já estivesse valendo desde de 1871. O primeiro artigo permitia o uso de menores até completarem vinte e um anos para o trabalho, desde que não houvesse castigos excessivos.

Art. 1.º - Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.
§ 1.º - Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei...
§ 6.º - Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no § 1.' se por sentença do juízo criminal reconhecer-se que os senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
(http://www2.uol.com.br/linguaportuguesa/valeoescrito/ve_ventre.htm)

O Major Prado faz transações comerciais envolvendo menores de dois, nove e doze anos de idade num período curto entre outubro de 1886 a janeiro de 1887. O primeiro menor comprado era conhecido como Bernadino, 12 anos, natural de São Luiz de Parahytinga no Vale do Paraíba, pelo valor de um conto e duzentos mil réis (Livro 28, 1886 p.05), um valor muito mais alto que os seiscentos mil réis oferecidos pelo governo imperial como indenização aos senhores para manter a tutela da criança. Provavelmente, devia ser uma criança bastante saudável e com possibilidades de fazer valer seu preço com sua produtividade futura. A outra menor de nove anos era chamada Benedita com aptidão para cozinheira (Livro 29, 1887 p.04). Esta escrava comprada por um conto de réis veio acompanhada de outro menor de dois anos, chamado Rhaul, ambos naturais de Jaú. Esta compra feita em 12 de janeiro de 1887, um pouco mais de um ano antes da abolição, pode ser interpretado da seguinte forma: embora houvesse mão-de-obra européia livre, o Major parecia acreditar numa possível renovação do plantel de cativos, empregando a quantia de cerca de um conto de réis na pequena escrava. Com a mesma quantia, poderia comprar mais terra.[*1] Os filhos e enteados de Major Prado também compram vários menores. Francisco de Paula Almeida Prado Filho comprou em duas ocasiões uma menor de doze anos com filho, natural de Minas Gerais, por 600$ mil réis (Livro 25, 1885 p.08) e um menor de quatorze anos por 1:200$, um conto e duzentos mil réis (Livro 26, 1886 p.116 verso). Ela sem aptidão definida, ele lavrador, seu genro Lourenço Ferraz de Almeida Prado, comprou um menor de 15 anos, natural de Cachoeira, com aptidão de copeiro, por um conto de réis. O filho mais velho de Major Prado, Lourenço Avelino de Almeida Prado, também comprou uma menor de 14 anos, natural de jaú, com aptidão para doméstica (Livro 26, 1886 p.23 verso). Já seu enteado João Leite Ferraz de Campos vendeu uma menor de oito anos (que recebera com herança de seu sogro) a seu cunhado João Lourenço de Almeida Prado pela quantia de um conto e cem mil réis (Livro 22, 1885 p.69)

ADULTOS E CRIANÇAS NO EITO

Se as plantações de café cresceram de forma vigorosa nos primeiros anos da década de 1870, chegando a dobrar ano a ano o número de pés de café com a perspectiva da chegada da ferrovia (Oliveira, 199 p.25), havia na década de 1880, uma escassez grande de escravos para a venda na região de Jaú. Há épocas em que os registros inexistem. Há ocasiões em que a oferta de mercadores de escravos chegam com grupos de negros da região do Vale do Paraíba e os negócios são reiniciados.

O ano de escassez para a compra de mão-de-obra escrava é também o ano de 1885, que a ferrovia Paulista chega a Brotas, quarenta quilômetros de Jaú, e facilita ainda mais o transporte da crescente produção de café jauense para centros de comercialização. Na verdade se analisarmos as médias de transações comerciais anuais de escravos, veremos que as onze transações são acima das médias de anos anteriores com exceção de 1881. No entanto, muito abaixo das cinqüenta e quatro do ano seguinte (1886).

O interesse no aumento do plantel de escravos era grande a ponto dos proprietários de fazendas fazerem procurações autorizando comerciantes a procurarem, comprarem e pagarem todos os impostos devidos para a obtenção deste tipo de trabalhador. Nos livros 23 e 24 do Cartório de Notas, encontraremos os nomes de Francisco de Paula Almeida Prado Filho (Livro 24, 1885 p.58), Antonio de Pádua Almeida Prado (Livro 24, 1885 p.113) e Luciano Pacheco de Almeida Prado (Livro 23, 1885 p.44), todos da mesma parentela e agricultores a procura de mais trabalhadores cativos para expansão de suas plantações.

O ano de 1886, nos meses de março a julho, foi o período mais profícuo para a comercialização de escravos na Vila de Jahu. Neste período curto de apenas cinco meses houve mais negociações de escravos do que em anos inteiros. Somente no período de 5 de março a 17 de julho, o número de escrituras de compra e venda chegam a 31 transações, número muito superior as médias anuais que variava entre 15, em 1881, a 4, nos anos 1882 e 83. Aliás, o ano de 1886 fecha com cinqüenta e quatro registros de compra e venda, o maior da década de 1880.

Este número reflete a chegada da ferrovia na região — Brotas, em 1885, e Dois Córregos, em 1886 — e a preocupação em aumentar as plantações de café. Outra observação: os escravos eram originalmente de regiões onde a mineração e agricultura estavam em decadência. Estados nordestinos como Bahia, Ceará e Sergipe enviavam o excesso de contingente para São Paulo, bem como o faz Minas Gerais. As cidades dentro da província de São Paulo mais citadas são: São Luiz do Parahytinga, Cunha, Cachoeira e Guaratinguetá, situadas no vale do Paraíba. Nesta região paulista houve exaustão precoce do solo por desconhecimentos de técnicas de cultivo mais elaboradas e pouco uso de maquinários modernos.

Os livros também registram várias trocas de escravas solteiras sem filhos por escravas com filhos. Há também a venda de escravos menores que legalmente seriam beneficiados pela liberdade com lei do Ventre Livre promulgada em 1871. No entanto a lei que os libertava quando adultos de vinte e um anos, os mantinha cativos em poder de suas mães e senhores, com exceção daqueles senhores que preferiam entregar os menores para o governo e receber uma indenização por cada criança.

A necessidade da mão-de-obra escrava estava tão arraigada que, no mesmo livro 28, o Major Francisco de Paula Almeida Prado faz uma doação em avanço de legítima a seu filho, Francisco de Paula Almeida Prado Filho, dando-lhe um escravo de nome Lourenço, de 26 anos, com aptidão para lavoura no valor de 900 mil réis (livro 27, 1886 p.76). Logo em seguida, faz outra doação em avanço de legítima de dois escravos para sua filha Olympia e seu genro Lourenço Ferraz de Almeida Prado. Era um rapaz de quatorze anos, natural do Ceará, chamado Victor e uma moça de dezessete, chamada Francisca, natural de Jaú. Os dois valiam dois contos de réis e tinham aptidão para a lavoura (livro 28, 1886 p.55). Doar escravos para os filhos terem capital humano para iniciar algum negócio já tinha precedente na família Almeida Prado. Frederico Brotero, em seu estudo genealógico da família, transcreve a carta de emancipação do Capitão-Mor de Itu, João de Almeida Prado, em 1792, escrita por seu pai, o Ouvidor Lourenço de Almeida Prado. Nesta carta, ele doa cinco escravos e uma área de terra a ser desbravada para livre comercialização e administração de seu filho João de Almeida Prado (Brotero, 1938 p.15). O Capitão-Mor de Itu, João de Almeida Prado, era o pai de Francisco de Paula Almeida Prado, o Major Prado.

O autor Oswaldo Truzzi confirma esta dependência do escravo em áreas em desenvolvimento devido às plantações de café em seu livro “Café e indústria” (São Carlos, 1950, 185). “Durante mais de 30 anos, os fazendeiros da região continuariam utilizando o trabalho escravo, pois na verdade este representava a garantia de existência do latifúndio, que se esfacelaria sob ausência dos braços que mantivessem sua produção”. (Truzzi, 2000 p.41)

Observou-se também que as transações comerciais e libertação de escravos cessaram a partir do segundo semestre de 1887, quando a Princesa Izabel exerce o terceiro e último período de regência do Império. A exceção está em uma única escritura de compra e venda de um escravo registrada no livro 32, no qual Joaquim Ferraz de Almeida Prado compra uma escrava de 22 anos por apenas 274$ mil réis, valor médio muito abaixo do mercado em ano anterior que era de cerca de um conto e 500$ mil réis. Com certeza esta desvalorização era prenúncio da abolição que estava para vir.

No texto de Fernandes sobre escravos em Jaú, consta a informação de que até o dia 20 de março de 1888, foram alforriados 802 escravos, mais da metade dos cativos. Porém, nos livros de registros do Cartório de Notas e Protestos de Jaú, o número de cartas de liberdade encontrado fui infinitamente menor: somente 22 escravos foram libertados durante os anos de 1868 a 1888. Talvez esta discrepância de números tenha como causa outras formas oficiais de poder registrar cartas de liberdade a qual o pesquisador não teve acesso.

Outro fator determinante na dependência dos escravos nesta região deve ter sido o pequeno número de imigrantes europeus moradores nesta região até a abolição da escravidão. A pesquisadora Flávia Arlanch, em sua tese de mestrado, enumera somente 92 imigrantes italianos, 12 espanhóis e 6 português até o final do ano de 1887, somente no ano seguinte é que chegam 133 italianos e mais 4 de outras nacionalidades para suprir a demanda de trabalhadores exigida nas plantações de café (Arlanch, 1977 p.46)

Podemos inferir deste breve estudo que a mão-de-obra negra foi essencial na formação do povoado e seu crescimento econômico. Foi o grande contingente de cativos que desbravou, plantou e construiu a base da economia local. No ano de 1888 somente 34 escravos moravam na vila de Jahu, os outros 1.384 adultos e 509 crianças (Fernandes, 1954 p.14) habitavam as senzalas das propriedades agrícolas da região, funcionando como verdadeiros motores da economia baseada na monocultura do café voltada para a exportação.

Referências:

ARLANCH, F. Formação do Mercado Interno em São Paulo: O exemplo de Jaú (1870-1914) Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1977
BARROS, M. P. de. Lembranças de Maria, Menina-e-moça Paulistana in Moura, C.E.M (org), Vida Cotidiana em São Paulo no Século XIX, São Paulo: Impressa Oficial do Estado de São Paulo, 1998. p.111 - 119
BENINCASA, V. Velhas fazendas: Arquitetura e cotidiano nos campos de Araraquara 1830 – 1930 São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003
BIERRENBACH, N.B. Como se Vivia nas Vilas e Fazendas Antigas, memórias de Antonio de Pádua Côrrea in Moura, C.E.M (org), Vida Cotidiana em São Paulo no Século XIX, São Paulo: Impressa Oficial do Estado de São Paulo,1998. p.171-181
BINZER, I. V., Os meus Romanos, alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil, 6 ed, São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004
FERNANDES, J. Vultos e fatos da História de Jaú, Capital da Terra Roxa in Edição Conjunta extraordinária do Correio da Noroeste, Correio Da Capital e Correio de Garça em Edição Comemorativa do Centenário de Jaú, São Paulo, 1955
KOSSOY, Boris O Olhar Europeu, O negro na iconografia brasileira do século XIX
CAMPOS, Inventário de Joaquim Pires de Campos, Brotas, 1863, In Inventário de Anna Joaquina de Almeida Prado, São Paulo, 1929: Acervo Fazenda Mandaguahy, Jaú
CAMPOS, Inventário de Joaquim do Amaral Campos, Brotas, 1867, In Inventário de Francisco de Paula Almeida Prado, Jaú, 1904: Arquivo Municipal de Jaú
CAMPOS, Inventário de Carolina Ferraz de Almeida Prado, Jaú, 1901: Arquivo Municipal de Jaú
MARINS, P.C.G. A Vida Cotidiana dos Paulistas: Moradias, Alimentação, Indumentária, in Setúbal, M.A. (coord.) Terra Paulista, histórias, arte, costumes v.2, São Paulo:Impressa oficial do Estado de São Paulo, 2004. p.95
OLIVEIRA, F.A.M. de. Faces da dominação da Terra, Marilia: Editora UNESP, 1999
PRADO, Inventário de Antonia de Almeida, Brotas, 1862, Arquivo Municipal de Jaú
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PRADO, Inventário de Izabel de Almeida, Brotas, 1866, In Inventário de Francisco de Paula Almeida Prado, Jaú, 1904: Arquivo Municipal de Jaú
TEIXEIRA, S. Jahu em 1900. Jaú: Ed. Commércio do Jahu, 1900
SALGUEIRO, H.A Org. Cidades Capitais do Século XIX, São Paulo: Edusp, 2001
SETUBAL, M. A. Famílias paulistas, famílias plurais, in SETUBAL, M.A. (coord.). Terra Paulista, histórias, arte, costumes v.2, São Paulo:Impressa oficial do Estado de São Paulo, 2004.
SILVA, E. Barões e Escravidão, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
TRUZZI, O. Café e Indústria: São Carlos 1850-1950, São Carlos: EdUFSCAR, 2000.
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É bacharel em tradução pela Universidade Federal de Ouro Preto, especialista em Comércio Exterior pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado e professor de Negócios Internacionais na Faculdade do Interior Paulista em Barra Bonita
Nesta época, cerca de 20 alqueires (cerca de 48.4 hectares) na região do Pouso Alegre, onde o Major tinha suas propriedades, podiam ser comprados por apenas um conto de réis, segundo registro no livro 28, página 38 verso da venda de uma área de terra de sessenta alqueires vendida nesta mesma época.