:: Página principal
:: Editorial
:: Sobre a revista Histórica
:: Publique seu texto
:: Colaboradores
:: Expediente
:: Imagens de uma época
:: Edições anteriores
:: Cadastre-se
:: Fale conosco
Artigo publicado na edição nº 27 de novembro de 2007.
Café, ferrovias e crescimento populacional:
o florescimento da região noroeste paulista

Diego Francisco de Carvalho

O objetivo deste artigo é mostrar as inter-relações entre a expansão cafeeira, a ampliação da rede ferroviária e o crescimento populacional no estado de São Paulo na virada do século XIX para o século XX, destacando o papel da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil no processo de expansão agrícola, principalmente do café, e de crescimento populacional na região por ela atravessada.

A ferrovia Noroeste do Brasil, que liga as cidades de Bauru (SP) e Corumbá (MS), começou a ser construída em 1905, atingindo Porto Esperança (MS) no ano de 1914, quando completou 1.272 quilômetros de extensão.

O período que compreende as duas últimas décadas do século XIX e o início do século XX marca o fortalecimento no estado de São Paulo do trinômio: cultura cafeeira, expansão ferroviária e crescimento populacional (imigração).

Através do Vale do Paraíba, o café penetra no estado de São Paulo no início do século XIX, vindo da região de Vassouras (RJ). Rapidamente a cultura cafeeira se alastra atingindo o centro-oeste paulista, de modo que, a partir de meados do século XIX, o café já era o principal produto comercial brasileiro, chegando a representar 3/4 do valor das exportações. A introdução das ferrovias, a vinda em massa de imigrantes e a disponibilidade de terras foram fatores decisivos que levaram a esse grande desenvolvimento da cultura cafeeira.[*1]

O decênio de 1880-1890 é o de maior desenvolvimento ferroviário para o estado de São Paulo[*2], e é neste mesmo decênio, não por acaso, que surgem os grandes centros cafeeiros de Limeira, São Carlos, Araraquara, Descalvado, Jaboticabal e Ribeirão Preto. Por outro lado, no que se refere ao povoamento do estado, é nesse momento que ocorre a migração em massa de mineiros e cariocas para o oeste paulista, além da chegada vultosa de imigrantes. Dessa forma, motivada pelo café e ajudada pela expansão das ferrovias, por volta de 1885, toda a região centro-oriental paulista já estava efetivamente ocupada.[*3] O desenvolvimento do estado de São Paulo nesses dez anos foi notável: o comércio aumentou três vezes, houve considerável crescimento populacional, a produção cafeeira do estado representava metade de toda a brasileira, e a imigração apresentava resultados significativos.[*4]

Com o café atingindo regiões cada vez mais distantes do litoral, o que era possível graças à abundância de terras de solo ainda virgem, as ferrovias surgiram para auxiliar a produção cafeeira já existente, tornando o transporte mais rápido, seguro e barato da produção com destino ao porto de Santos.[*5]

Essa estreita ligação explica o fato de a maioria das ferrovias paulistas terem sido construídas com capitais levantados na própria província, com pessoas ligadas ao café. É o caso das estradas de ferro Paulista, Mogiana e Sorocabana, que foram organizadas e financiadas pelos grandes cafeicultores paulistas e seus aliados no comércio e governos locais[*6]; além das pequenas ferrovias que surgiram na década de 1890, construídas para atender aos interesses de grandes fazendeiros, pois as mesmas passavam na frente de suas terras, sendo verdadeiras “cata-café”.[*7]

A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que começa a ser construída apenas em 1905, foi criada, ao contrário das outras grandes ferrovias paulistas, para ser uma ferrovia de penetração, buscando novas áreas para a agricultura e povoamento.

Até 1890, o café era quem ditava o traçado das ferrovias, que eram vistas apenas como auxiliadoras da produção cafeeira. Após 1890, há uma inversão nessa ordem e as estradas de ferro agora passam a ser construídas tendo a função de abrir novas áreas para a expansão agrícola, principalmente do café, e conseqüentemente para o povoamento e comércio de terras. Além da Noroeste, um outro exemplo de ferrovia que penetrou no chamado “sertão desconhecido” foi a Sorocabana, que prolongou seus trilhos atingindo o sudoeste paulista.[*8]

Ao mesmo tempo em que a produção cafeeira crescia e as ferrovias se multiplicavam, o crescimento populacional acompanhava tal expansão. A necessidade de um maior contingente de mão-de-obra para a lavoura leva os cafeicultores a exercerem uma política de incentivo à imigração, sendo os imigrantes “parcela importante da mão-de-obra das fazendas de café”.[*9] O povoamento tendia a acompanhar as ferrovias e a produção cafeeira. Em áreas onde o café já estava em decadência, como é o caso da região do Vale do Paraíba após o início do século XX, a população permaneceu estável ou com um pequeno decréscimo.

A partir do que foi dito até agora, podemos analisar a estreita relação entre o aumento demográfico das diferentes zonas cafeeiras com seus respectivos desenvolvimento econômico e expansão da via férrea.[*10] Nesse sentido, até 1890, as ferrovias buscavam áreas onde a produção cafeeira e a população eram maiores, já estando estabelecidas. Depois de 1890, as ferrovias precedem à produção e à população, abrindo novas áreas para que estas se estabelecessem.

Quanto à ferrovia Noroeste do Brasil, Ghirardello diz que

se compararmos a Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a outras, construídas em solo paulista, teremos como diferenciais o desconhecimento da zona a ser percorrida, a produção agrícola inexistente e, particularmente, a aportagem em lugares sem nenhuma ocupação urbana. As demais ferrovias paulistas, até então, buscavam áreas de plantio e produção cafeeira, a CEFNOB não.[*11]

A zona noroeste do estado, que se desenvolveu rapidamente após 1910 com a chegada da ferrovia Noroeste do Brasil, tinha em 1900 uma população ínfima de 7.815 habitantes e produzia em 1905 apenas 93.821 arrobas de café.[*12] Já na terceira década do século XX, a população da região noroeste se multiplicara em 80 vezes e a sua produção cafeeira atingia 13.200.365 arrobas, conforme as tabelas 1 e 2:

Tabela 1 “ População de São Paulo. Número de habitantes por zona
====================================================================
   ANO      1854       1874       1886         1900          1920           1934          1940
====================================================================
1ª zona    35.670    46.775    74.895      281.256      654.578      1.168.776  1.480.116
2ª zona    123.948  251.603  335.922    405.334      484.699      476.534     472.305
3ª zona    128.257  228.203  295.782    412.741      752.524      843.335     848.659
4ª zona     57.092   122.057  178.795    464.091      811.974      871.389     843.148
5ª zona     21.889    69.614   133.697    275.079      530.257      599.842     576.775
6ª zona     -----          16.347    33.151     148.400      583.771      879.532     943.832
7ª zona     -----           ----         ----              7.815         136.454      618.990     856.506
8ª zona     -----          30.370    71.903     118.905      341.754      599.661     724.017
9ª zona     23.432    40.085    54.805      80.820       134.227      148.365     175.272
10º zona   26.861    32.300    42.430      85.167       161.950      226.903     259.686
====================================================================
TOTAL     417.149  837.354  1.221.380  2.279.608  4.592.188  6.433.327  7.180.316
====================================================================
Fonte: CAMARGO, op. cit., vol. II, Tab. II e Tab. 22.

Tabela 2 “ Produção de café de São Paulo. Arrobas por zona
====================================================================
   ANO     1854           1886              1905            1920            1934            1940
====================================================================
1ª zona    ----               ----                 8.275            1.007           1.220           465
2ª zona    2.737.639   2.117.134     1.804.355     734.387       898.751       556.996
3ª zona    525.296      4.795.850     4.490.684     2.271.763    3.669.253    1.937.219
4ª zona    81.750        2.366.599     2.145.312     8.850.184    8.973.764    9.080.156
5ª zona    223.470      2.458.134     7.417.916     3.263.620    6.146.144    6.225.798
6ª zona    ----               ----                 5.780.946     2.956.700    14.389.620  15.234.061
7ª zona    ----               ----                 93.821          580.139       13.200.365  18.521.470
8ª zona    ----               ----                 3.931.375     1.536.868     7.189.330    9.321.973
9ª zona    ----               ----                 117.403        139.420        85.388         67.437
10ª zona  ----               ----                 28.992          9.860            56.390         39.912
====================================================================
TOTAL    3.579.035   12.371.613   35.819.079   20.243.948   54.610.225  60.985.487
====================================================================
OBS: O total dos anos de 1854 e de 1886 não corresponde à soma; parcelas referentes às outras zonas, como segue: 1854: 10.600 arrobas; 1886: 633.896 arrobas.
Fonte: CAMARGO, op. cit., Vol. II, Tab. 62; Vol. III, Tabs. 107 e 108.

Ao analisarmos as tabelas, veremos que a região de Campinas, que compõe a zona Central e que é cortada por várias ferrovias desde a década de 1870, tem um elevado crescimento populacional até a década de 30 do século XX, mas atinge seu auge na produção cafeeira já na década de 1890. Por outro lado, as zonas 5 e 6, Araraquarense e Paulista respectivamente, ao serem atingidas pelo prolongamento das estradas de ferro no final do século XIX, têm para esse mesmo período um grande aumento nas suas taxas de população e de produção cafeeira. Junto com a quarta zona, a Araraquarense e a Paulista representam, até a segunda década do século XX, as maiores regiões produtoras de café do estado, sendo ultrapassadas pela região noroeste na década de 40.

Com o fim da escravidão e o crescimento da produção cafeeira, a necessidade de mão-de-obra para a lavoura foi um dos grandes problemas enfrentados pelos fazendeiros. A solução encontrada foi a vinda de imigrantes.

A partir de 1886, a imigração ganha importância no estado de São Paulo, chegando a registrar, no ano seguinte, a entrada de mais de dez mil estrangeiros.[*13] O primeiro período forte de imigração corresponde aos anos entre 1887 e 1900, sendo o ano recorde o de 1895, com 139.998 entradas.[*14]

Em 1905 foi criada a Agência Oficial de Colonização e Trabalho, órgão controlado pelo Estado cuja função era fazer cumprir os contratos entre imigrantes e fazendeiros.

A origem desses imigrantes era diversificada, predominando até 1925 os italianos, seguidos de espanhóis, portugueses e, em menor quantidade, de eslavos, sírios, japoneses e outras nacionalidades. Após essa data, a migração de brasileiros vindos mormente da região nordeste para o estado de São Paulo ganha força, enquanto que a imigração diminui e se diversifica ainda mais, desembarcando no “cais de Santos homens procedentes dos quatro cantos do mundo”.[*15]

A zona noroeste absorveu mais de 1/4 da imigração paulista, desembarcando na região portugueses, espanhóis, italianos, alemães e japoneses, os quais, segundo Manfredi Neto, “marcarão a fisionomia da região”.[*16] Antes de tudo, chegavam à região os camponeses livres, caipiras e caboclos, que derrubavam a mata e faziam o plantio do cafezal. Em seguida, vinham os imigrantes. Os primeiros foram os italianos e os portugueses, seguidos dos espanhóis e, só depois de 1910, começaram a chegar os japoneses.[*17]

Do exposto, pode-se inferir que a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, ligando as cidades de Bauru (SP) e Corumbá (MS), introduziu toda a região oeste do estado de São Paulo ao sistema agroexportador e ao povoamento, além de integrar e dinamizar as economias do atual estado de Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso.

A particularidade da ferrovia Noroeste do Brasil está no fato de que ela, ao contrário de suas antecessoras que surgiram para auxiliar a produção cafeeira já existente, abriu novos territórios para o cultivo do café e para o povoamento. Na medida em que a ferrovia penetrava no então sertão desconhecido, em toda a região a oeste de Bauru, surgiam estações e, ao redor destas, criavam-se povoados. Os exemplos de cidades que se formaram a partir destes povoados são muitos: Avaí, Presidente Alves, Cafelândia, Lins, Promissão, Avanhandava, Penápolis, Glicério, Birigui e Araçatuba.

Até o presente momento, não se chegou a um consenso sobre os objetivos que deveriam ser atingidos com a construção da Noroeste do Brasil, ou então, quais foram os interesses envolvidos em sua realização. Mas o fato é que a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil desempenhou inúmeras tarefas. Numa época em que o território brasileiro ainda não estava consolidado e disputas territoriais com países vizinhos ainda eram vigentes, a Noroeste do Brasil teve importância estratégica e militar, ligando o extremo oeste do território brasileiro ao litoral atlântico. Isso porque, no início do século XX, a região que hoje compreende os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ainda se encontrava desprovida de ligações rápidas, viáveis e seguras com a região litorânea brasileira.

Além disso, a área que se localizava a oeste da cidade de Bauru no início do século XX era identificada como “zona desconhecida habitada por índios”. Sendo assim, a penetração da ferrovia Noroeste trouxe consigo o povoamento dessa vasta região, criando-se inúmeras cidades ao longo de sua linha.

Entretanto, a principal contribuição da Noroeste do Brasil se deu no campo econômico. Sabe-se que a produção cafeeira foi a base da economia brasileira desde meados do século XIX até a década de 30 do século XX. Porém, na virada do século XIX para o XX, a área plantada de café já absorvia toda a região habitada e conhecida do estado de São Paulo. E a Noroeste do Brasil, como ferrovia de penetração, introduziu toda uma região no processo de expansão da produção cafeeira, que se encontrava até então limitada àquela região já conhecida, permitindo a continuação da supremacia do sistema agro-exportador brasileiro por pelo menos mais três décadas.[*18]

Palavras-chave: ferrovia; complexo cafeeiro, crescimento populacional, imigração, região noroeste paulista.

Referências bibliográficas:

CAMARGO, J. F. Crescimento da população do Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos: ensaio sobre as relações entre a demografia e a economia. São Paulo, 1952. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
GHIRARDELLO, N. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste paulista. São Paulo: Editora Unesp, 2002
HOLLOWAY, T. H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo (1886-1934). Tradução: Eglê Malheiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
MANFREDI NETO, P. O trem da morte: o imaginário do progresso na Noroeste (1905-1930). São Paulo, 1995. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
MATOS, O. N. de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega, 1974.
MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. Tradução: Ary França e Raul de Andrade e Silva. São Paulo: Hucitec/Polis, 1984.
SAES, F. A. M. de. As ferrovias de São Paulo (1870-1940) . São Paulo: Hucitec, 1981.
Voltar
Passe o mouse sobre os textos em vermelho para visualizar suas notas de rodapé.
Clique nas imagens para visualizá-las em tamanho maior.
Topo
É formado em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura) pela UNESP de Araraquara/SP. Atualmente faz mestrado em História Econômica pela USP, sendo orientado pelo Prof. Dr. José Jobson de Andrade Arruda. É bolsista FAPESP.
Vários autores mostraram a estreita relação existente entre o desenvolvimento da produção cafeeira, o crescimento populacional e o surgimento das ferrovias no estado de São Paulo, principalmente a partir da década de 1880: CAMARGO, J. F. Crescimento da população do Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos: ensaio sobre as relações entre a demografia e a economia. São Paulo, 1952. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; MATOS, O. N. de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega, 1974; SAES, F. A. M. de. As ferrovias de São Paulo (1870-1940) . São Paulo: Hucitec, 1981; HOLLOWAY, T. H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo (1886-1934). Tradução: Eglê Malheiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984; MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. Tradução: Ary França e Raul de Andrade e Silva. São Paulo: Hucitec/Polis, 1984.
MATOS, op. cit., cap 4.
MATOS, op. cit., cap. 2.
Ibid., cap. 4.
HOLLOWAY, op. cit., p. 25.
Ibid.
MATOS, op. cit., cap. 4.
Ibid.
SAES, op. cit., p. 42.
José Francisco Camargo dividiu o estado de São Paulo em dez zonas cafeeiras, principalmente com base na influência das maiores ferrovias de cada uma. As zonas são: 1ª- Capital; 2ª- Vale do Paraíba; 3ª- Central; 4ª- Mojiana; 5ª Araraquarense; 6ª- Paulista; 7ª- Noroeste; 8ª- Alta Sorocabana; 9ª- Sorocabana; 10ª- Baixa Sorocabana.
GHIRARDELLO, N. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste paulista. São Paulo: Editora Unesp, 2002. p. 47.
SAES, op. cit., p. 44-45.
MONBEIG, op. cit.,p. 147.
Ibid.
Ibid., p. 153.
MANFREDI NETO, P. O trem da morte: o imaginário do progresso na Noroeste (1905-1930). São Paulo, 1995. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. p. 64.
PINHEIRO, B. O Estado de São Paulo: Zona Noroeste. 1928. apud Manfredi Neto, op. cit., p. 65.
Grande parte da documentação referente à ferrovia Noroeste do Brasil se encontra no Centro de Memória Regional RFFSA/UNESP de Bauru/SP. Uma outra parte da documentação se encontra no Núcleo de Pesquisas Históricas da Universidade do Sagrado Coração, também localizado em Bauru.