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Artigo publicado na edição nº 27 de novembro de 2007.
Virgindade, moralidade e honra:
concepções sobre a mulher no início do século XX

Edivilson Cardoso Rafaeta

Introdução

Uma jovem de aproximadamente 17 anos de idade é deflorada. Mórbido relato de um acontecimento doméstico? Talvez não! O mais provável é que tenha sido seduzida pelo seu deflorador, o qual lhe fez proposta de um matrimônio feliz e duradouro. Mas o que dizer se o deflorador é na verdade seu padrasto? Crer que certamente o mesmo não a seduziu com propostas de casamento, visto que já é casado com a mãe da jovem? Ou também caberia supor que foi ela quem, valendo-se de suas prerrogativas sexuais, desvelou-se aos olhos do consorte de sua mãe, levando-o à falta de controle de suas pulsões? Mas e se a vítima revelasse aos meios legais que sua mãe se encontrava muito doente, à espera do momento infortúnio de sua morte? Não seria este um forte argumento para crer nas promessas do sedutor e ceder aos seus apelos? Porém, quando todo este relato chegar aos meios legais, donde se espera ver reparado o mal e restabelecida a honra da púbere, muitas outras posições emergirão e discursos acabarão por emoldurar um quadro ao mesmo tempo intricado e interpolado desta situação.[*1]

São estas relações, esses discursos que envolvem a honra nas primeiras décadas do século XX, que se vêm contemplados neste artigo, tendo como base as análises de processos-crime de defloramento na cidade de Piracicaba/SP, entre os anos de 1908 e 1926.

No período, o Brasil convivia com uma série de pressupostos ligados à questão da modernidade. “Ordem e progresso” era o lema positivista que conduzia uma boa parte dos políticos, intelectuais e profissionais liberais – e porque não dizer também pessoas comuns – ao sonho de transformar o Brasil em uma nação moderna, compatível com os moldes europeus ou estadunidenses. Dentro desta perspectiva, noções de honra, moralidade e modernidade, por vezes, se misturaram, permitindo que, ao mesmo tempo, uma diversidade de discursos e posições ganhasse o palco das relações no interior desta sociedade em transformação. Tais prerrogativas aparecem com freqüência em vários trabalhos historiográficos que se ocuparam do Rio de Janeiro – então capital do país -, ou mesmo de São Paulo que se encontrava em amplo desenvolvimento e crescimento demográfico (CHALHOUB, 1996; ESTEVES, 1989; CARVALHO, 1989; BORIS FAUSTO, 1984).

Contudo, como se davam tais questões em uma cidade interiorana? Como apareciam, entre os envolvidos em crimes sexuais, noções de honra, virgindade, família e outras intimamente ligadas a estas? Tais concepções eram divergentes entre si, o que contribuiria para um embate entre os envolvidos durante o transcorrer do processo?

(Des)construindo imagens: a busca por uma outra identidade

Os inquéritos e processos-crime por defloramento nas primeiras décadas do século XX marcam um cenário rico para a compreensão de uma mentalidade constituída sobre o papel da honra e da mulher. Tais procedimentos investigativos mobilizavam uma série de pessoas, as quais passariam a conviver, durante algum tempo, com um contratempo comum. Após tomarem conhecimento do suposto defloramento de uma jovem, pais, parentes, vizinhos e amigos se mobilizavam em prol de uma causa compartilhada: levar o deflorador a reparar o mal feito à donzela, mediante o casamento com a mesma.

Neste ínterim, quer seja na presença do delegado de polícia ou do juiz de direito, as testemunhas favoráveis à vítima procuravam demonstrar a sua honestidade e reafirmar os supostos votos de casamento que o réu lhe fizera. De maneira bastante semelhante, os defensores da integridade do réu tentavam em seus depoimentos, tornar questionável juridicamente a honestidade da moça, atacando seus modos, seus costumes, o ambiente familiar em que residia, as pessoas que a acompanhavam pelas ruas, dentre tantas outras questões que contribuíssem para comprovar sua imoralidade[*2].

É comum, por exemplo, aparecerem nos processos julgados na Comarca de Piracicaba, nas primeiras décadas de 1900, declarações como as de Bonardi Aluizo, casado, com 31 anos, que ao testemunhar, salienta que a vítima era moça honesta e que morava em casa de família. Alfredo Alexandre de Castro, solteiro, 21 anos de idade, também faz questão de frisar que a vítima era pessoa respeitada no bairro, onde jamais havia ouvido falar dela senão em virtude do caso ocorrido com o réu, e que somente a ele a vítima dava confiança (AFCP/AHIEP, 1911-1912). Em outro processo, a testemunha, ao referir-se à vítima, novamente faz questão de afirmar que “sabe ser ela uma moça de exemplar comportamento”, mesmo que tivesse ouvido falar que ela havia passado uma noite em casa de seu noivo. Aliás, era este o motivo que levou ao surgimento dos boatos pelo bairro e, pelo qual, requeria-se a reparação da honra diante da lei (AFCP/AHIEP, 1926).

A contínua afirmação desta honestidade tinha um objetivo claro, pois era exatamente contrário a ela que o réu, as testemunhas de defesa e os advogados se posicionariam. Com freqüência, os advogados estabelecem ataques à moral da vítima tentando demonstrar para o juiz que ela não era merecedora do amparo da justiça, tendo em vista que já era uma pessoa desonesta. Estas investidas, em grande parte, eram construídas com base nos relatos de testemunhas que atacavam a imagem da moça.

Em um processo de 1917, a testemunha Crescentino Della Modesta declara que a vítima não era mais virgem e que possuía diversos namorados, “estando um dia com um outro dia com outro”. Outra testemunha do caso também faz questão de dizer que sabia que a “menor tivera relação com vários estudantes” (AFCP/AHIEP, 1917). É fazendo uso destes relatos, que o advogado de defesa constrói sua narrativa e afirma que “a vítima não era honesta. Tinha mau comportamento; andava em companhia de prostitutas; tivera relações sexuais com as testemunhas Ignácio Gusmão e Crescentino Della Modesta, como eles próprios afirmam; tivera relações sexuais com muitos estudantes” (Idem).

Diga-me com quem andas que direis quem tu és

As companhias, tanto da vítima quanto do réu, eram um dos pontos fundamentais durante o transcorrer do processo. Saber com quem cada um andava e a que horas isto acontecia fornecia indícios da moral que eles possuíam. O tipo de pessoa que freqüentava as casas em que viviam também atuava a favor ou contra ao longo do processo. Quando Paulina Baptista declara que Maria José de Oliveira tinha uma tia que era mulher de “vida alegre” (prostituta) e que com ela costumava passear (AFCP/AHIEP, 1917), e, em outro processo, a testemunha José de Abreu diz que ouviu falar que a vítima andava à noite em passeios de automóveis pelas ruas da cidade(AFCP/AHIEP, 1925), mais do que relatar fatos corriqueiros, as testemunhas estavam demonstrando que a moral fazia parte de um controle que excedia o corpo da mulher — e com este sua honra —, ou o ambiente familiar, pois ganhava o espaço público ao submeter-se ao controle popular.

Reputar a moralidade com base no círculo de pessoas que mantêm alguma relação com os envolvidos nos processos de defloramento não era fato comum apenas à pessoa da mulher. Também ao homem era comum atribuir-lhe uma moral constituída com base em suas companhias, pois estas corroborariam para averiguar a proporção da sua honra. Em 1915, um processo envolvendo Silvério de Paula Moraes sinaliza para essa questão. As testemunhas depoentes – ao que tudo indica, amigas do acusado – constroem perante o delegado de polícia a imagem do referido réu, salientando que “o mesmo é pessoa de bons costumes e não poderia ser autor de um crime destes”. O segundo depoente, ressalta “que o mesmo é pessoa que merece toda confiança e consideração no bairro”, e ainda uma terceira testemunha frisa que “pode garantir que o mesmo nunca se embriagou nem tão pouco faltou ao respeito à pessoa alguma, sendo muitíssimo considerado por todos”. Os testemunhos em relação ao réu, ministrados pelos depoentes que conviviam com o acusado, obtiveram o êxito almejado e Silvério acabou absolvido da acusação que lhe era imputada (AFCP/AHIEP, 1915).

Contudo, o peso que o círculo de companhias acarretava nos processos era desigual se considerada a figura do homem e da mulher. É recorrente nos autos constarem alegações contrárias às amizades da moça, bem como o possível convívio público que viesse a ter, enquanto que ao homem tais questões raramente se colocavam como exemplo de má conduta[*3].

Quando João Ferraz de Toledo, vulgo João Mó, foi acusado de deflorar Henriqueta Antonia Marins, a sua defesa foi construída por seu advogado, graças aos testemunhos dados pelos depoentes e pela própria vítima que declarou “que por vezes andou em companhia de João Mó no automóvel deste”. Ocorre que João Mó era casado, motivo que, por si só, desabonava perante a sociedade a pessoa de Henriqueta. Para além desse fato, não se admitia que uma moça honrada pudesse se prestar a tais atos, andando de automóvel em companhia de um homem casado. Quanto a João Mó, durante o transcorrer do processo, não se coloca em questão em nenhum momento o fato de que, sendo casado, andasse em companhia de uma moça solteira pelas ruas e avenidas da cidade (AFCP/AHIEP, 1925).

Ao analisar processos por crimes sexuais entre os anos de 1900 a 1911, Marta Esteves (1989), também observou que saber se uma moça andava sozinha era algo de suma importância para determinar a sua honestidade sexual, não sendo tal fato inferido ao homem, pois cabia à mulher resguardar a sua honra.

Vestes indecentes e passeios solitários? Uma mulher desonrada!

É fato recorrente que, não apenas no tocante à questão das companhias, se atribuía um peso diferenciado ao homem em relação ao dispensado à mulher, sobretudo no processo de “construção/desconstrução” da imagem de ambos. A desonestidade da vítima podia ser construída por meio de um amplo leque de atributos morais, que compreendem desde o modo de vestir-se, de se comunicar, o horário e a companhia (ou falta desta) em seus passeios, a freqüência a certos locais e até mesmo, o fato delas trabalharem fora, eram indícios de uma suposta desonestidade (BORIS FAUSTO, 1984).

Mas ao homem, tais inferências excepcionalmente eram realizadas, pois geralmente se admitia, em meio a uma sociedade marcada por uma visão masculina, que o homem tivesse mais liberdade do que a mulher, possuindo uma vida pública permeada por passeios noturnos, jogatinas, visitas a prostíbulos e, até mesmo, furtivas relações sexuais com moças já desonradas[*4].

Quando em 1916, José Marcon vai à delegacia de polícia para requerer judicialmente a reparação do mal feito a sua filha, Pierrina Guiari, por Rafael Bocchetti, as testemunhas do caso salientam que a menor era vista constantemente no chalet de “jogo do bicho” pertencente a Rafael. É exatamente nesta questão que o advogado de defesa centra seus esforços para demonstrar perante a lei a imoralidade de Pierrina, pois quatro das sete testemunhas haviam declarado que a jovem era vista com freqüência no chalet do Sr. Bocchetti. Desta forma, podemos observar o quanto este espaço (o chalet) era tido pelas testemunhas como um local reservado ao convívio masculino, ainda que Pierrina tenha declarado que suas idas ao referido ambiente, resumiam-se apenas em efetivar os jogos de seu patrão (AFCP/AHIEP, 1916).

Esta adequação do comportamento às regras de conduta moral é considerada legítima durante os processos. Testemunhas, réus, vítimas, advogados e juristas reivindicam um padrão moral delimitado por um sistema de normas visto como universal e absoluto. Sendo assim, não é de admirar-se que muitas vezes o deflorador seja absolvido pelo simples fato de que a púbere era considerada “sem moral” pela sociedade. Sidney Chalhoub (2001), ao analisar o modelo dominante de relação entre o homem e a mulher no Rio de Janeiro da Belle Époque, também infere tais pressupostos, valendo-se da leitura de processos-crime. O autor observa que os julgamentos tinham por objetivo reafirmar normas dominantes, com os envolvidos sendo julgados nem tanto pelos crimes cometidos mas pela adequação de seu comportamento às regras de conduta tidas como legítimas.

Virgindade moral: a mulher rotulada

No cadinho das relações que envolvem as experiências vividas pelas personagens inseridas no desdobrar dos processos de defloramento aqui apresentados, os elementos parecem não confluir para uma mistura homogênea. Embora o agente gerador do processo seja a concepção de honra vigente, e os desdobramentos que requeriam quando essa se via ameaçada, os princípios que balizavam a sua defesa eram, senão divergentes, pelo menos ambíguos.

A família, que desde o século XIX vinha ganhando status de mecanismo regulador fundamental da sociedade, via a manutenção – e defesa – de sua honra como um ponto basal para sua sobrevivência[*5]. Em meio a uma sociedade marcada por pressupostos paternalistas e que considerava o homem como o ator principal no palco das relações sociais (PRIORE,1998), os casos de defloramento demonstram o quanto a virgindade da mulher era requisitada, sobretudo como aporte à moral masculina e familiar. Todavia, quando estas questões se confrontavam ante a justiça, opiniões variadas se emolduravam revelando que as personagens pensavam as questões de modo diverso.

A vítima e seus defensores (o pai, a mãe e as testemunhas de acusação) expressavam a consternação que sentiam diante do defloramento da mesma e da negação do réu em reparar a desonra que cometera. Todos estes concordavam que somente o reconhecimento do ato pelo deflorador é que possibilitaria o recobrar da honra perdida, não apenas da jovem, mas do próprio núcleo familiar.

Assim, compreende-se a construção de uma imagem honrada em torno da pessoa da vítima, com as expressões “moça honesta”, “donzela de comportamento exemplar”, “jovem de prendas domésticas”, entre outras, permeando a fala das testemunhas de defesa. Entretanto, a perda física que o defloramento representava, ao que tudo indica, tinha um peso diferenciado para a moça se comparado ao expressado pelas testemunhas. Para a jovem, o não casamento após o ato sexual é que a tornava uma moça desonrada, ainda que o mesmo se desse muito tempo após o seu defloramento. Conquanto, para as testemunhas o simples rompimento do hímen já era motivo, suficientemente grave, para que o casamento ou a prisão do réu fosse efetivado.

Mas o réu e seus defensores (testemunhas e advogado) lutavam exatamente contra esta imagem honrada, procurando a todo custo demonstrar à justiça que não havia motivos para a vítima requerer reparo a sua honra, visto que já a tinha perdido muito tempo antes. Por esse motivo, seu “mau” comportamento era resgatado (ou criado), buscando com isto apresentar indícios de sua imoralidade diante da sociedade. Este ataque à imagem feminina era conduzido por um pressuposto vigente, no qual a moça deveria se resguardar, conservando não apenas o seu hímen, mas, acima de tudo, sua honra social e seu rótulo moral, sustentados por padrões de comedimento conferidos à mulher e vislumbrados através de seu comportamento.

Bibliografia:

CAULFIELD, Sueann. (2000). Em defesa da Honra: Moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940) . Campinas/SP: Editora da Unicamp.
CHALHOUB, Sidney. (2001). Trabalho, lar e botequim. Campinas: Editora da Unicamp.
_____. (1996). Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras.
CARVALHO, José Murilo de. (1989). Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras.
ESTEVES, Martha de Abreu. (1989). Meninas Perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FAUSTO, Boris. (1984). Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924) . São Paulo: Brasiliense.
PERROT, Michelle. (1991). Funções da Família. In: História das Mulheres no Ocidente. Vol 4: O século XIX. Porto: Edições Afrontamento.
PRIORE, Mary Del. (1998). História das mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto.

Arquivos:

AFCP/AHIEP. (1911/12). Juízo de Direito, processo-crime contra Antonio Soares dos Santos, Caixa 12C.
AFCP/AHIEP. (1915). Juízo de Direito, processo-crime contra José Gregório, Caixa 4C.
AFCP/AHIEP. (1916). Juízo de Direito, processo-crime contra Rafael Bocchetti, Caixa 3B.
AFCP/AHIEP. (1917). Juízo de Direito, processo-crime contra Elias Miguel, Caixa 6B.
AFCP/AHIEP. (1922). Juízo de Direito, processo-crime contra Antonio Grillo Fajardo, Caixa 14A.
AFCP/AHIEP. (1925). Juízo de Direito, processo-crime contra Avelino Ferreira de Camargo, Caixa 1A.
AFCP/AHIEP. (1926). Juízo de Direito, processo-crime contra Arlindo Moreira Granja, Caixa 4B.
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É formado em História, mestrando da Faculdade de Educação da UNICAMP, junto ao Grupo Memória. Suas pesquisas, apoiadas pelo CNPq, estão voltadas para as práticas pedagógicas de uma missionária metodista estadunidense que fundou uma instituição escolar especialmente voltada à educação feminina, no último quadrante do século XIX.
Arquivo do Fórum da Comarca de Piracicaba/Arquivo Histórico do Instituto Educacional Piracicabano (AFCP/AHIEP). Obs. A abreviação ao lado será utilizada para referenciar todo o restante deste artigo.
Esta combinação diversa de concepções sobre um objeto comum – no caso a honra – também foi verificada por Sueann Caulfield ao analisar a questão da honra no Rio de Janeiro entre 1918-1940, onde recuperou uma série de discursos, por vezes contraditórios, acerca da concepção de honra, revelando que juristas, advogados, testemunhas, acusados e réus pensavam de maneira diferente os significados da honestidade ou desonestidade no tocante à moralidade sexual constituída. Não havia unicidade sobre a definição do papel da honra sexual, embora esta fosse importante para boa parte da população brasileira durante a primeira metade do século XX. Cf. Caulfield, 2000.
Ver, por exemplo, AFCP/AHIEP. Juízo de Direito, processo-crime contra João da Silva, Caixa 4B, 1925; AFCP/AHIEP. Juízo de Direito, processo-crime contra Francisco Pianelli, Caixa 6B, 1917; AFCP/AHIEP. Juízo de Direito, processo-crime contra Elias Miguel, op.cit. Vale a pena analisar o processo AFCP/AHIEP. Juízo de Direito, processo-crime contra José Pedro Alnino, Caixa 8A, 1908-1911, onde é pouco explorada a moral da moça, mas é amplamente citada a honra do réu, principalmente sua vida social exemplar.
Tanto Caulfield quanto Boris Fausto levantaram tais questões em seus trabalhos demonstrando a recorrência do fato em sociedades distintas, visto que Caulfield está analisando processos no Rio de Janeiro (período entre guerras) e Fausto, crimes sexuais cometidos na cidade de São Paulo. Caulfield relata que era comum, por exemplo, um rapaz chegar em casa de madrugada, pois isto até contribuía para construir a imagem de liberdade que o mesmo já possuía, liberando-se da tutela dos pais. Cf. Caulfield, 2000; Fausto, 1984.
Michelle Perrot ao analisar os “Dramas e conflitos familiares” na França do século XIX, demonstra o quanto a sociedade de fins de século via a família como um dispositivo uniformizador fundamental para a construção de uma sociedade coesa. Dela dependia o controle e garantia de formação de “bons cidadãos”, contidos em seus desejos e pulsões e por este motivo, os seus membros viam a defesa de sua honra como regra elementar do espírito de família. Ver Perrot, 1991.