:: Página principal
:: Editorial
:: Sobre a revista Histórica
:: Publique seu texto
:: Colaboradores
:: Expediente
:: Imagens de uma época
:: Edições anteriores
:: Cadastre-se
:: Fale conosco
Artigo publicado na edição nº 36 de junho de 2009.
Agricultura e Civilização no Pará Imperial:
terra, matas e povoamento

Francivaldo Alves Nunes

Introdução

Cultura animada, clima saudável, terreno enxuto e fértil, dividido em lotes de 150 braças de frente sobre 300 de fundo, achando-se cultivados 320 lotes, que ocupam uma área de 1.500.000 braças quadradas.[*1]

Assim o Presidente do Pará, em comunicação apresentada à Assembléia Legislativa Provincial em 1884, expressava todo entusiasmo com a Colônia de Benevides quase dez anos após a sua inauguração. Satisfação que era justificada principalmente com os números que identificavam as áreas de cultivo do Núcleo Colonial.

Fundada em 1875 pelo então Presidente do Pará, Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides - em uma região identificada pelas autoridades provinciais como área de "matas virgens", "vastas terras desertas" e "fecundo e riquíssimo solo"[*2], ao Nordeste do Pará -, essa região ligava-se à capital da Província por alguns furos e igarapés, tendo no rio Tuyassuí sua principal via de comunicação. Para os que se aventuraram a percorrer a pé ou no lombo de animais, a extensão era em média de 30 quilômetros de Belém, em uma "estrada estreita e eriçada de obstáculos"[*3].

Compreendido como associação dos interesses mercantis e políticos, o Núcleo Colonial de Benevides deveria representar um espaço de produção para abastecimento dos mercados do Pará; teria a finalidade de servir de referência enquanto estratégia governamental de conquista e ocupação de uma área predominantemente de floresta. Afirmava-se como uma das ações promovidas pelo poder público em defesa do que se propagava como progresso, civilização, modernidade.

Quando se pensa em modernização do Brasil, costuma-se associar à construção de fábricas, desenvolvimento de transportes, reestruturação das cidades através da construção de prédios, grandes avenidas, implantação de luz elétrica, bondes, entre outros. O estudo sobre a apropriação e uso da terra nas Colônias Agrícolas tem nos possibilitado compreender que a proposta de modernização não pode ser percebida apenas na organização produtiva industrial ou na ordenação dos centros urbanos. O sentido do progresso e civilização, elementos constantes nos discursos sobre o moderno, se concentraria também em exercer um maior controle sobre as atividades agrícolas, rediscutir a importância da terra, promover a organização da grande propriedade, criar condições de abastecimentos dos centros urbanos e exercer a conquista do estado sobre a agricultura.

Na Amazônia, os discursos sobre modernidade envolvem, além da necessidade de um maior controle sobre a atividade agrícola, o inevitável domínio da floresta e ocupação populacional da região. A agricultura e os Núcleos Coloniais, nesse sentido, se constituiriam como elementos fundamentais para trazer a modernidade, uma vez que, se por um lado poderia abastecer os grandes centros urbanos da região, por outro teria a função de promover o desmatamento e a ocupação de grandes áreas florestais.

Dimensões da Agricultura e Núcleos Coloniais

Em relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial em 1876, o Presidente Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides citava os êxitos em procurar promover o progresso da província do Pará através da agricultura, afirmando que:

Prosseguem em seus trabalhos os que perseveraram, grandes derrubadas e algumas plantações já existem, e hoje, quase sem receio de errar se pode asseverar que ali está a semente da colonização na estrada de Bragança.[*4]

Atentando ao depoimento do Presidente do Pará, pode-se compreender que as colônias agrícolas, mais especificamente Benevides, deveriam estar associadas à ideia de modernização da agricultura por meio da criação de novas técnicas de produção, melhor aproveitamento do solo e recursos florestais, além da implantação de uma atividade agrícola mais intensiva[*5].

A veemência com a experiência de colonização vivenciada em Benevides foi defendida pelo Presidente do Pará na Assembléia Legislativa Provincial, em 1885, e que aqui reproduzimos no início desta comunicação. Embora pudesse contagiar o parlamento provincial, sofreu dura crítica do jornal O Liberal do Pará, que publicou durante três dias (24, 25 e 27 de novembro de 1885) editorias chamando atenção para aquilo que denominou de "vantagens trazidas para a província", cuja finalidade era dar destaque à pouca importância da Colônia de Benevides para a sociedade paraense[*6], o que demonstrava insatisfação de setores da sociedade com as ações promovidas pela presidência do Pará no sentido de promover a colonização da região.

O elevado número de 12 mil pessoas, em 1881, acrescentando a isso os dados sobre a estrutura do Núcleo Colonial de Benevides [*7], constituíam-se em elementos suficientes para o Presidente do Pará demonstrar o êxito da colonização na Província, afinal a Colônia havia se estruturado, tinha um significativo número populacional e já conseguia atender o mercado de Belém através do fornecimento de alguns produtos, como a farinha, o arroz polvilho, a cachaça, a madeira, as aves e frutas[*8].

Os números apresentados pelas autoridades paraenses serviam para demonstrar o sucesso das ações governamentais, sendo utilizados inclusive por Manuel Baena para informar ao Ministério da Justiça o crescimento das comarcas do Pará[*9]. Para parte da Assembléia Legislativa, que expressou sua insatisfação nas colunas de O Liberal do Pará, a Colônia de Benevides, como exemplo do sucesso da política de colonização no Pará, não era motivo para grandes festejos. A Colônia não conseguiu atingir um de seus principais objetivos, que era o de aumentar a produção de alimentos no Pará e consequentemente garantir o abastecimento do mercado de Belém, e acabou estimulando a destruição de áreas de florestas por meio da exploração rudimentar do solo, não aproveitando os recursos florestais, principalmente a madeira. Outra razão é a vinda de trabalhadores "pouco laboriosos como os que se apresentavam para ir às colônias"[*10].

As discussões em torno da criação dos Núcleos Agrícolas e a sua eficácia diante dos problemas que envolviam a agricultura - principalmente o uso do solo, garantindo a utilização de novas técnicas de plantio e o melhor aproveitamento dos recursos florestais - não era uma problemática que envolvia apenas os setores dominantes da sociedade paraense. Segundo Fernando Antonio Lourenço, o debate envolveu os diversos segmentos da sociedade brasileira, e tinha como um dos princípios a proposição de medidas de reformulação da agricultura no Brasil[*11]. Antiescravismo, valorização do trabalho livre, desenvolvimento de técnicas produtivas e ensino agrícola foram alguns dos tópicos do programa de reformulação da agricultura no Brasil.

No Pará, Antonio Ladislau Monteiro Baena é um dos grandes defensores de uma reforma agrícola, principalmente quanto ao plantio. Em O Auxiliador da Industria Nacional, Revista da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, fundada em 1827, e que constitui o marco do movimento reformador[*12], Baena publica um longo discurso sobre a situação da agricultura no Pará e como uma de suas principais propostas defende a substituição daquilo que chama de métodos de derribamento e dos incêndios das matas, utilizados pelos agricultores como "pretexto das terras estarem cansadas, tornando com isso, necessário buscar outro lugar para fazer o plantio" - o que é considerado, segundo Baena, um "péssimo método, que copia o bruto costume, que tinham os silvícolas na sua acanhada agricultura"[*13].

Para Baena a mudança nas técnicas de plantio deveria ser assegurada através da organização dos agricultores com o apoio das autoridades provinciais. As ações reformistas deveriam se concentrar na promoção de estudos e divulgação de novas técnicas de uso da terra. Com essa intenção, participa na manhã de 25 de junho de 1885, da criação da Sociedade Agrícola Paraense, que, segundo o Barão de Igarapé Mirim, então presidente eleito da sociedade, teria a finalidade de:

[...] promover o bem da agricultura da Província; com o aconselhamento a utilização de instrumentos, máquinas e aparelhos mais apropriados aos trabalhadores, assim como prestar aos lavradores auxílios e coadjuvação contra os males que afete a agricultura[*14].

No contexto da construção de programas de reformas da agricultura, os jornais e a Assembleia Provincial tornam-se locais de discussão em torno da situação agrícola no Pará e acabam constituindo-se em espaços de debate em torno de um modelo de colonização que garantisse um maior aproveitamento do solo e associasse a atividade agrícola ao comércio e à exploração da madeira. Para setores da sociedade, que expressam suas ideias através de O Liberal do Pará, o êxito com a implantação da Colônia de Benevides não se afirmaria apenas sob o ponto de vista da ocupação populacional e aumento das áreas de plantio, como defendiam os partidários do discurso do Presidente do Pará em 1885; a implantação da Colônia de Benevides deveria servir também como experimento para uso de técnicas de plantio, evitando aquilo que Baena chama de "holocaustos das matas" e "lavoura errática"[*15].

Considerando a implantação das Colônias Agrícolas no século XIX como consequência de uma postura de reorganização da agricultura no Brasil, como nos aconselha Mary Del Priore e Renato Venâncio[*16], isto nos leva à reflexão de que o entendimento do contexto em que o programa de reforma agrícola ganha força no Brasil nos ajudaria a compreender as intenções que provocaram as ações governamentais em torno da agricultura no Pará, como a criação do Núcleo Colonial de Benevides.

Para quem se propõe a analisar o contexto do surgimento dos Núcleos Agrícolas e consequentemente entender as dimensões tomadas pela agricultura nesse período, três aspectos que justificariam uma reorganização da atividade agrícola e que acabariam por demarcar os limites de atuação dos Núcleos Coloniais são fundamentais: o primeiro leva em consideração a necessidade de um aumento produtivo, seja para equilibrar os volumes de importação e exportação, seja para garantir o abastecimento do mercado externo; o segundo aspecto diz respeito à necessidade de uso de novas técnicas de plantio, como a manipulação de sementes, a utilização de adubos e inseticidas, garantindo a exploração intensiva do solo; e um terceiro aspecto diz respeito à implantação das Colônias Agrícolas como espaço que pudesse associar a exploração do solo com os recursos florestais.

A frase a seguir resume bem o contexto de surgimento dos Núcleos Coloniais:

Não houve nunca na Amazônia, como não houve em qualquer parte do Brasil, nenhum método racional de trabalho agrícola. Acolá , como aqui, e por toda a parte do nosso país, tudo tem obedecido ao mais grosseiro empirismo e seguido a mais bronca rotina.[*17]

A estimulação dos debates em torno de uma reforma da atividade agrícola levou à formulação de discursos, como o de José Veríssimo, em defesa da substituição de uma "bronca rotina", baseada principalmente no uso da queima da vegetação como principal instrumento de fertilização do solo, por aquilo que denominou de "uma ciência ou arte da agronomia, uma higiene do trabalho agrícola, métodos mais racionais de cultura"[*18].

Os debates envolvendo o Governo do Pará e parte do Parlamento Provincial, marcado pela crítica ao modelo de colonização desenvolvido no Pará, tinham na substituição da agricultura extensiva - caracterizada pela derrubada da floresta, queima da vegetação e apropriação constante de novas áreas para o plantio - uma das principais questões que alimentavam os debates em torno de se implantar na Amazônia novas técnicas de plantação.

Há no interior desses debates uma defesa de que o processo de colonização na Amazônia não consistiria apenas em promover a ocupação populacional da região, nem tampouco se resumiria ao aumento da área de plantio. O elemento principal de discordância, e que é expresso através da imprensa de Belém, está relacionado à experiência de colonização que não fora capaz de implantar novos métodos de plantio que pudesse melhor aproveitar os recursos do solo, e consequentemente garantir o melhor aproveitamento da fertilidade das terras da região.

A Colônia de Benevides, considerada uma das principais medidas de incentivo à colonização do Pará, é utilizada como exemplo das experiências promovidas pelas autoridades provinciais no sentido de implantar um modelo de colonização que deveria assegurar a substituição da "bronca rotina" pela "arte da agronomia".

Embora concordasse com a ideia de que se deveriam implantar novas técnicas de plantio, de forma a desenvolver um melhor aproveitamento do solo, Veríssimo acreditava que esses experimentos, principalmente de origem estrangeira, não eram suficientes para atender às necessidades da agricultura brasileira, nem garantia à defesa dos interesses da Amazônia, uma vez que os meios onde foram concebidos, no caso a Europa, apresentavam uma realidade diferenciada do Brasil.

Apreendidos principalmente de livros estrangeiros, as novas técnicas de plantio, o uso de sementes, fertilizantes e adubagem não levavam em consideração as peculiaridades regionais brasileiras, não eram consequência da experimentação do agricultor nacional. Para Veríssimo, essas novas técnicas, caso fossem implantadas nos Núcleos Coloniais do Pará, "não teriam grande utilidade uma vez que, não eram concebidas consoante aos meios e as condições climáticas, geológicas, econômicas e sociais da Amazônia"[*19].

O trabalho de Veríssimo com o título Interesses da Amazônia tinha, como principal preocupação, destacar os proveitos que pudessem assegurar o desenvolvimento da Amazônia, principalmente os que faziam referência à atividade agrícola. Com a intenção de mostrar as peculiaridades da Amazônia, quanto à situação geográfica, climática e populacional, o trabalho propõe a construção de um programa de reforma para a agricultura que leve em consideração os interesses das diversas regiões do país. No caso da região amazônica, esses interesses estariam concentrados na atividade agrícola, devido, em especial, à fertilidade do solo da região e à exploração intensiva das riquezas disponibilizadas pela floresta, principalmente a madeira.

Com um discurso de defesa das peculiaridades regionais, Veríssimo chama atenção, principalmente das autoridades do Pará, para a construção de um conjunto de ações que possam aproveitar as terras e as riquezas da Amazônia, sendo que o melhor aproveitamento do potencial produtivo da região se daria através do aperfeiçoamento das técnicas de plantio, concebidas através de um "método racional de trabalho agrícola, em que se considerassem as condições climáticas e outras do meio"[*20].

A construção de programa de reformas na agricultura, considerando os aspectos regionais da Amazônia, rompe, em parte, com os discursos de Antonio Ladislau Monteiro Baena, que defendia a adoção de práticas de cultivo de agricultores europeus, chegando inclusive a defender a implantação do uso do arado como processo revolucionário na agricultura paraense[*21]. Se há um rompimento entre os propositores de modificações na atividade agrícola da Amazônia, quanto ao uso de técnicas a ser implantada na região, é justamente a defesa dessas mudanças que os aproxima. Ambos concordavam que o uso de técnicas de plantio apreendidas dos indígenas e caracterizadas pela agricultura extensiva, ou seja, derrubada de partes da floresta a cada período de plantação, chamada por Veríssimo de "bronca rotina" e por Baena de "bruto costume", deveriam ser substituídas. A substituição da agricultura extensiva deveria ser feita por aquilo que Veríssimo denominou de arte da agricultura, que consistia na escolha de uma determinada área específica para a lavoura, sendo que nessa área de plantio deveria costumeiramente ser feito estudo e experimento para uso dos melhores métodos, escolha de adubos e fertilizadores, além da seleção de instrumentos de trabalho.

O estudo das plantas - uma das etapas a serem desenvolvidas para a superação da "bronca rotina" - deveria ter como finalidade a introdução de novos métodos de plantio que pudessem aumentar e melhorar a plantação, o que, segundo Antonio Baena, teria na Amazônia o local mais apropriado, uma vez que a adoção dessas novas técnicas de plantio que haviam funcionado com sucesso em outras regiões teria maior êxito em terras como as do Pará, que apresentavam um diferencial das demais regiões por serem "refrigeradas e umedecidas por infinitos rios"[*23].

A proposição da implantação de técnicas de plantio que leva em consideração as peculiaridades da Amazônia, e que ganha força nas palavras de Veríssimo, aumenta o prestígio da agricultura como "a mais nobre, útil e digna profissão do homem livre". Os debates no parlamento provincial, nos jornais e as comunicações entre as autoridades provinciais reforçam a concepção de que o Pará, em função da fertilidade de suas terras, deveria ter na agricultura a sua principal atividade.

Controle e disciplina nas Colônias Agrícolas

Para o sucesso das colônias agrícolas, necessitava-se exercer, por parte das autoridades provinciais, o controle dessas colônias; o que significa demarcar os lotes, definir os produtos a serem cultivados, garantir a distribuição de sementes, ferramentas e alimentação, pelo menos até a primeira colheita. Para isso o governo provincial criara em 1876 uma comissão para organizar a implantação das colônias agrícolas, formada pelo bacharel Antonio Nunes, então presidente da comissão, pelo engenheiro Guilherme Francisco Cruz, pelo coronel Francisco Xavier Pereira de Mello e pelos comerciantes Francisco Gaudêncio da Costa e Fortunato Alves de Souza, além do cônsul dos Estados Unidos, posteriormente substituído pelo cônsul do Império Alemão, e os vice-cônsules da França e Espanha[*23].

Os terrenos marginais à estrada de Bragança são demarcados. Segundo informações do relatório provincial de 1876, foram demarcados "116 lotes de terrenos, ocupando uma área de menos de uma légua quadrada", e que deveriam ser entregues aos colonos. Em 26 de maio do mesmo ano, o engenheiro João Paulo Dias Carneiro foi incumbido de prosseguir na demarcação de lotes de terra, selecionando 600 braças de terras paralelas à estrada de Bragança e dividindo em lotes todos esses terrenos. Ainda em 1876, foram feitas novas medições, uma vez que os lotes anteriormente demarcados estavam todos ocupados, obrigando-se a fazer medições "nos fundos dos lotes concedidos e dentro do território de 2 léguas quadradas já medido, linhas paralelas à estrada, onde serão os novos lotes"[*24].

O controle das autoridades provinciais não se encerrava nas divisões de lotes de terras. Havia também o controle sobre a produção, que era exercido através da distribuição de sementes para o plantio, ficando sob a fiscalização da administração provincial o tipo de semente e a quantidade a ser distribuída, sem contar que era o governo que delimitava a área de plantio. Em contrapartida, o governo provincial ficaria responsável pelo abastecimento de produtos nos núcleos colônias até o início da primeira colheita, além do fornecimento de víveres e outras mercadorias que não são produzidas no núcleo. Fica também por conta da administração provincial a construção de acomodações provisórias. Em 1876, por meio de relatório da Presidência da Província do Pará, relatava-se a construção de cinco barracões no núcleo colonial de Benevides, cuja função era abrigar novos colonos.[*25]

Os colonos residentes nos núcleos agrícolas estavam em constante fiscalização. Qualquer acontecimento deveria ter autorização do governo provincial. A exemplo temos o plano de Augustin Gregoire, imigrante francês, recém-chegado na Província do Pará, que havia proposto ao governo da Província a construção de uma fábrica de telhas, tijolos e vidros na colônia agrícola de Benevides. A instalação da fábrica, que segundo Augustin Gregoire seguia os novos sistemas adaptados na França, precisou de autorização do governo provincial, que encaminhou até a região uma comissão de colonização responsável por verificar as mudanças proporcionadas com a instalação da fábrica, principalmente no que se refere ao ritmo da produção agrícola e à possibilidade de extração de madeiras[*26].

O controle das colônias agrícolas será intensificado com a chegada do migrante nordestino. A seca assolou as províncias do nordeste brasileiro, como o Ceará, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e Maranhão[*27]. e, nos dizeres de José Joaquim do Carmo, "esterilizou a terra, empobreceu e lançou na miséria o homem"[*28], motivou o deslocamento de uma grande quantidade de retirantes para a Amazônia, principalmente a partir de 1877. A administração provincial do Pará procurou aliar os interesses da região com a necessidade de garantir abrigo aos que desejassem migrar para o Pará. No entanto, observamos nos pronunciamentos do governo provincial a necessidade de regular e controlar a migração nordestina. Em pronunciamento apresentado à Assembleia Legislativa Provincial, o Presidente do Pará destaca "a necessidade de regularizar o serviço, dando-lhe uma certa organização"[*29], ressaltando ainda a construção, com urgência, de "regras e preceitos que lhe dêem uma certa organização, consentânea assim aos interesses do retirante, com aos da província e aos do estado"[*30].

Ainda em 1878, o engenheiro Martinho Domiense Pinto Braga apresentou um parecer em que destacava a importância da migração nordestina para o Pará desde que houvesse todo um controle de entrada e permanência desses retirantes na Província do Pará.

Observa-se, quando da leitura dos relatórios, mais uma vez, a preocupação em justificar as ações de controle e disciplina dos trabalhadores, agora fazendo referência aos nordestinos. Novamente o governo provincial apela para a retórica, tentando convencer as autoridades provinciais de que a estada de retirantes nordestinos no Pará se sustentaria desde que houvesse uma organização, que implicaria a criação de normas de permanência.

Sobre as providências tomadas pela Presidência do Pará para o recebimento dos migrantes, destaca-se a implantação de um serviço de acolhimento, responsável em garantir alimentos e acomodação aos retirantes, além de estabelecer um conjunto de regras a que estariam submetidos os migrantes nordestinos.

Ao governo provincial cabia a responsabilidade de atender os retirantes nordestinos que desembarcassem na capital do Pará com alojamentos e alimentação, durante:

O tempo restritamente indispensável para que se lhes dê destino, em prédios ou edifícios, em que possam estar sem prejuízo da higiene e da moralidade, e sob imediata inspeção do funcionário encarregado de dirigi-los e encaminhá-los.[*31]

Nos alojamentos, os retirantes deveriam ficar o menor tempo possível. Para os que permanecessem no Pará, teriam o prazo de "três dias para obter o arranjo ou meios de subsistência por trabalho lícito". Caso não conseguissem trabalho nesse período, seriam "empregados em obras públicas compreendidas à abertura e melhoramento de estradas, ou na agricultura". Aos que desejassem se dirigir às colônias agrícolas, o governo provincial garantiria os transportes para os centros agrícolas, além dos "meios de trabalho e arranjo, quer no serviço público quer no serviço particular"[*32].

Além do transporte e instrumentos de trabalho, o retirante nordestino receberia uma espécie de auxílio pecuniário para as suas primeiras despesas conforme o número de pessoas de sua família e o trabalho que se houvesse de fazer. Para os socorros pecuniários aos retirantes e o salário remunerador em obras públicas, a Presidência da Província estabeleceu diversas diárias conforme a quantidade de membros na família e a qualificação do trabalhador.

Nas colônias agrícolas da zona bragantina, o engenheiro Pinto Braga foi encarregado pelo Presidente da Província de executar serviços em que utilizassem os migrantes nordestinos. Em Benevides foi determinada a construção de barracões para serem utilizados como acomodações, além da demarcação de lotes de terras.

Embora ficasse estabelecido o auxílio pecuniário aos retirantes nordestinos, em julho de 1880 o governo imperial ordenou "a suspensão e por outro posterior a diminuição severa das despesas". Assim, para uma despesa que correspondia a 14 contos por semana e 56 por mês, houve uma redução para 20 contos mensais, o que, segundo o Presidente José Coelho da Gama e Abreu, "produziu uma série de irritação na colônia"[*33].

Insatisfeitos com a diminuição dos auxílios fornecidos pelo governo provincial do Pará, os colonos de Benevides ocuparam a sede da diretoria da colônia, o "que dera lugar a lutas pessoais entre o diretor e colonos", houve ainda "espancamento das praças de um destacamento" e ameaçaram o governo provincial propondo uma marcha para a capital para recuperar os recursos que haviam sido diminuídos[*34].

A diminuição dos recursos de auxílio aos colonos implicava na dificuldade de permanência no núcleo colonial, uma vez que era através desses recursos que se garantiam a aquisição de ferramentas de trabalho, alimentação e vestuário. O movimento foi reprimido pela administração provincial, que buscava justificar a repressão afirmando que a ação dos colonos foi motivada por um grupo de "rixosos e turbulentos" que "não queriam lotes e só estavam agarrados ao trabalho diário ao qual faltavam grandes números de dias, sendo todavia incluídos nas folhas de pagamento"[*35].

Algumas providências foram tomadas para evitar novos movimentos de contestação. Foram despedidos cerca de 200 trabalhadores, considerados como mal intencionados e que estiveram envolvidos diretamente na revolta, inclusive obrigando o diretor Antonio Bernardino Jorge Sobrinho a deixar a colônia de Benevides e partir para Belém[*36].

O Presidente José Coelho da Gama e Abreu, em relatório apresentado a Assembleia Legislativa Provincial, faz algumas considerações sobre o movimento ocorrido na colônia de Benevides, apresentando a posição das autoridades sobre os levantes ocorridos nas colônias agrícolas:

Em conseqüência de terem sido restringidos recursos dados aos retirantes cearenses do núcleo colonial de Benevides, houve receios de uma alteração da ordem pública, receios que depois foram justificados pela insurreição que ali teve lugar contra o diretor atual. Estas alterações do sossego da colônia devem ser atribuídas à malevolência de alguns despeitados, à quem a economia rigorosa que tem reinado na colônia, não permite usufruir os mesmos interesses que até esse tempo alcançaram, e também a persuasão em que outros mantinham os retirantes de que indefinidamente tinham direito a ser socorridos sem por sua parte e com o trabalho procurar aliviar o governo de tão pesado ônus. Felizmente a energia do diretor e as providências tomadas, fizeram entrar tudo na órbita do sossego e tranqüilidade que ali continua a reinar[*37].

Conclusão

Entusiasmados pelas concepções de defesa da reformulação da agricultura, passa-se a cobrar das autoridades provinciais a criação de medidas que promovam a colonização do Pará levando em consideração essas proposições de desenvolvimento da agricultura. A proposta de implantação dos Núcleos Coloniais e o modelo em que são organizados são próprios desta situação. Portanto, as proposições de criação de Colônias Agrícolas ganham força no Pará no momento em que a dimensão da agricultura se valoriza, consequência também dos debates nacionais em torno da reforma da agricultura. Nesse sentido, Benevides será concebida pelas autoridades do Pará como espaço rural onde possa se desenvolver o progresso e a civilização através do aumento da produção agrícola, do povoamento e do controle da floresta.

Referências

ABREU, José Coelho da Gama. As regiões Amazônicas: Estudos chorográficos dos Estados do Gram Pará e Amazonas. Lisboa: [s.n.], 1896.
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Ensaio Corográfico sobre a província do Pará. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004.
CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém: UFPA, 1963. Coleção Amazônia: Série José Veríssimo.
DAVIS, Mike. Holocaustos Coloniais: Climas, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 16-17.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma História da Vida Rural no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
GERMANO. A Amazônia em 1893. Pará: Typ. P. Barbosa, 1895.
LOURENÇO, Fernando Antonio. Agricultura Ilustrada e escravismo nas origens da questão agrária brasileira. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001.
MOURA, Ignácio; ELEUTERIO, Paulo. A Amazônia do futuro. Pará: Clássica, 1926.
O AGRÁRIO. Ano I, n. 1, setembro de 1885, p 02.
O LIBERAL DO PARÁ. Belém, 24 de novembro de 1885, p. 01.
VERRÍSSIMO, José. Interesses da Amazônia. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Comércio, 1915.
Voltar
Passe o mouse sobre os textos em vermelho para visualizar suas notas de rodapé.
Topo
Professor assistente na Universidade Federal do Pará, Mestre em História Social nesta mesma institição e a ainda doutorando em História Social e pesquisador do Núcleo de Referência Agrária pela Universidade Federal Fluminense, atuando com pesquisas associadas a agricultura, migração, conflitos agrários e propriedade. E-mail para contato francivaldonunes@yahoo.com.br.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de outubro de 1884, p. 28.
Essas expressões foram costumeiramente encontradas na documentação do Governo do Pará como indicação da região onde deveria ser implantada a Colônia Benevides. Como exemplo ver: Relatório do Presidente de Província do Pará, em 17 de janeiro de 1874, p. 15.
CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém: UFPA, 1963. Coleção Amazônia: Série José Veríssimo. p. 674.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1876, p. 49.
Para uma leitura sobre as propostas de modernização da agricultura no século XIX, ver: LOURENÇO, Fernado Antonio. Agricultura Ilustrada e escravismo nas origens da questão agrária brasileira. São Paulo Editora Unicamp, 2001.
O LIBERAL DO PARÁ. Belém, 24 de novembro de 1885, p. 01.
Composto de 2 ruas, 4 travessas, uma praça, 250 casas - a maioria coberta de cavacos -, igreja, cemitério, agência de correio, coletoria provincial, estação, presença de 2 escolas, uma para sexo masculino - com 39 alunos -, outra para feminino - com 37 alunas -, 3 padarias, 30 casas de comércio, açougue - em que se vendia carne verde 3 vezes por semana -, 12 engenhos de cana de açúcar, sendo 3 movidos a vapor, 1 a água e 8 a animais.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de outubro de 1884, p. 29.
Os dados apresentados na "Falla do Presidente do Pará João Silveira de Souza", datada de 15 de outubro de 1884, fizeram parte das informações sobre as Comarcas da Província do Pará organizadas em virtude do aviso circular do Ministério da Justiça, de 20 de setembro de 1883, cuja primeira publicação se deu em 1885, através da Tipografia F. da Costa Júnior.
O LIBERAL DO PARÁ. Belém, 25 de novembro de 1885, p. 01.
LOURENÇO, Fernando Antonio. Agricultura Ilustrada e escravismo nas origens da questão agrária brasileira. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001. p. 12.
LOURENÇO, Fernando Antonio. Agricultura Ilustrada e escravismo nas origens da questão agrária brasileira. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001. p. 15.
O AUXILIADOR DA INDUSTRIA NACIONAL. Ano IX, 1841, p.16. Com o título "Estado Atual da Agricultura", Baena na obra "Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará", reproduz o artigo publicamente na Revista O Auxiliador da Industria Nacional.
O AGRÁRIO. Ano I, n. 1, setembro de 1885, p. 02.
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Ensaio Corográfico sobre a província do Pará. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. p. 70-71.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma História da Vida Rural no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
VERÍSSIMO, José. Interesses da Amazônia. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Comércio, 1915. p. 07.
VERÍSSIMO, José. Interesses da Amazônia. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Comércio, 1915. p. 07.
VERÍSSIMO, José. Interesses da Amazônia. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Comércio, 1915. p. 07.
VERÍSSIMO, José. Interesses da Amazônia. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Comércio, 1915. p. 07.
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Ensaio Corográfico sobre a província do Pará. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. p. 72.
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Ensaio Corográfico sobre a província do Pará. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. p. 71
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1876, p. 49.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 17 de janeiro de 1874, p. 20.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 17 de janeiro de 1874, p. 20.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1874, p. 63.
DAVIS, Mike. Holocaustos Coloniais: Climas, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 16-17.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 22 de abril de 1878, p 06.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 22 de abril de 1878. Anexo A-I.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 22 de abril de 1878, p 06.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 22 de abril de 1878. Anexo A-I.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 22 de abril de 1878. Anexo A-I.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 26.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 25.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 26.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 26.
Relatório do Presidente de Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880, p. 5.