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Artigo publicado na edição nº 37 de agosto de 2009.
As condições urbanas da cidade de São Paulo no século XIX
Paulo de Assunção

Nos primeiros anos dos Oitocentos, a cidade possuía ainda feições claras de um arraial de sertanistas, que funcionara como entreposto comercial. As casas, as ruas, as práticas religiosas e culturais são evidências de uma cidade pequena e isolada no planalto. O centro da cidade destacava-se do entorno marcado pelos campos e pela pouca ocupação. A cidade com casas baixas e alguns sobrados era cortada por ruas estreitas e becos que ganhavam dinâmica com o movimento dos transeuntes - entre eles escravos que vendiam os mais diversos produtos -, dos carros de boi e dos animais de sela. Apesar das ruas mal traçadas e esburacadas, das construções irregulares marcadas por características singelas e de um sistema de abastecimento e escoamento de água deficiente, algumas melhorias despontavam na vida da cidade de São Paulo.

Desde os primeiros tempos da vila de São Paulo, o abastecimento de água era precário, o que obrigava os moradores a procurarem as bicas - normalmente localizadas próximas aos declives - para se abastecer. Até a segunda metade do século XIX, pouco havia sido feito em relação ao fornecimento de água. A população supria as suas necessidades indo às bicas e ao próprio rio para obterem a água que consumiam.

O abastecimento de água foi sempre um problema difícil para a cidade e assumiu, algumas vezes, aspectos trágicos. O abastecimento irregular e deficiente foi um pesadelo que afligiu a população. O governo agiu para remediar a situação. O abastecimento de água era feito ainda pelos chafarizes, porém muitos deles viviam danificados, com água infiltrada de sujeira, e por vezes, devido a encanamentos deteriorados, faltava o principal, a água.

A cidade era abastecida por fontes e ribeiros que forneciam água potável à população. Entre elas se destacavam a do Gaio, na Tabatinguera, posteriormente conhecida por Fonte de Santa Luzia. Além desta, encontravam-se outras entre a Rua São Bento e a atual Libero Badaró, na Rua Formosa, etc.

Na segunda metade do século, as antigas bicas, vertendo água que seguia livremente por ruas e becos até encontrar algum curso, foram sendo transformadas em chafarizes. Com o estabelecimento da Companhia de Águas e Esgotos, esta passou a ser responsável pelos chafarizes conforme a deliberação do governo.

O Chafariz da Misericórdia abastecia os moradores do entorno, todavia não era suficiente para atender as necessidades locais, além de ser de qualidade inferior. O Chafariz da Memória, ou do Piques, foi construído no início do século XIX[*1]. Em 1814, o governo da província iniciou alterações na região, remodelando as ladeiras, levantando um muro de arrimo e construindo um obelisco. O engenheiro Daniel Pedro Müller foi o responsável pelas obras e pelas correções feitas no Anhangabaú junto à ponte do Lorena, que unia uma margem à outra. Nos idos de 1866, o Chafariz dava sinais de decadência, fazendo com que a Comissão de Obras Públicas iniciasse uma série de remodelações entre os anos 1867 e 1873, sendo o chafariz demolido anos mais tarde.

O Tanque do Zuniga era outro ponto de referência da cidade. Seguindo pela Rua de São João chegava-se ao Largo do Tanque do Zuniga, atual Largo do Paissandu. As terras no século XVIII haviam pertencido ao sargento-mor Manoel Zuniga. Naquela região localizavam-se as nascentes que formavam o riacho Yacuba.

O excesso de água corria pelos sulcos formados no declive do terreno, permitindo que o largo fosse conhecido como a Praça das Alagoas, que abastecia de água os moradores que habitavam além do riacho do Anhangabaú. Em 1874, as obras referentes ao chafariz e ao tanque tinham sido realizadas pela empresa Simão da Costa & Medeiros. As contas foram apresentadas à Câmara, que as submeteria à aprovação da comissão de obras públicas para examinar com o engenheiro e dar o seu parecer[*2].

As águas que desciam da região do Paraíso em direção à Liberdade seguiam para a região do entorno da Igreja do Carmo. A água passava pelo convento das religiosas carmelitas e se espalhava pela várzea do Tamanduateí[*3]. Em 6 de outubro de 1865, o jornal Diário de São Paulo apresentava o problema e afirmava que o povo da capital sofria com a falta de água. Esta situação não poderia continuar, tendo em vista que a Câmara aumentara os impostos. Por conseguinte, era fundamental um projeto de abastecimento de água mais adequado às necessidades dos moradores. Porém, o descaso do poder público permitia que o valor da pipa de água aumentasse enquanto a sua qualidade era questionável.

A ausência de água encanada fazia com que a população utilizasse as águas do Rio Tamanduateí, que eram vendidas pelas ruas em pipas. Naqueles idos a água do rio já era considerada inadequada para consumo e prejudicial à saúde, pois cada vez mais era utilizada para a lavagem das roupas, sendo depositado nas suas margens todo o tipo de dejetos da cidade. Tal situação permitia que as pipas fossem abastecidas de forma inadequada.

As fontes e os rios eram os locais mais procurados por homens solteiros e casados para assediar as escravas, sendo muito concorridos e focos usuais de desordens. Por conseguinte, eram pouco frequentados por pessoas da elite, que mandavam os escravos buscar a água nesses locais. Quem não fosse aos chafarizes poderia comprar água em barris, vendidos de porta em porta pelos aguadeiros.

Neste período, projetos foram empreendidos para captar as águas de várias nascentes em um só encanamento, como a substituição dos regos de alvenaria na adução pelo sistema de tubos, entre outras propostas. Mediante as dificuldades, o governo da província julgou conveniente estudar a possibilidade de adução das torrentes de água da Serra da Cantareira.

Em 1864, o engenheiro inglês James Brunless estudou a área e elaborou um plano de abastecimento de água e esgotos para São Paulo. A proposta foi considerada inviável, tendo em vista os altos investimentos e a falta de recursos do governo.

Apesar da necessidade de abastecimento de água canalizada na capital, o projeto de canalização não partiu da municipalidade. Em 9 de outubro de 1875, o engenheiro Daniel Fox, juntamente com investidores, realizou um contrato com o governo para o abastecimento da capital, canalizando as águas da Serra da Cantareira.

Por meio da iniciativa privada foi criada, em 1875, a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos, que conquistou o privilégio de abastecimento de água. Essa Companhia foi criada com o objetivo de resolver os problemas referentes ao abastecimento de água para a população.

Em 25 de junho de 1877, foi organizada a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos, sediada na Rua São José (atual Libero Badaró). A empresa foi criada com a finalidade de explorar os serviços de água e esgoto da cidade. Em 27 de setembro do ano seguinte é lançada a pedra fundamental na chácara do Major Benedito Antônio da Silva, no alto da Consolação. As obras foram conduzidas pelo engenheiro inglês Batson Joyner, que construiu o reservatório que captava as águas de diversos ribeirões. Em setembro de 1881, com a conclusão das obras, tem início a distribuição da água. A população passa a ser abastecida de forma regular nas residências pela água captada na Serra da Cantareira. Contudo, a concentração de um número elevado de pessoas na cidade fez com que novas captações de água fossem empreendidas. A rede de abastecimento cresceu rapidamente: de 113 residências abastecidas em 1882 passou para mais de 5 mil domicílios em 1888.

A expansão cafeeira permitiu que o governo da província obtivesse recursos significativos que foram convertidos para a transformação do espaço urbano. A partir de 1850, a entrada de receitas cada vez mais expressivas permitiu que uma série de mudanças fosse realizada para melhorar as condições de vida dos moradores da cidade. O aumento da receita e as novas necessidades urbanas conduziram a um crescimento sensível dos serviços públicos e também à necessidade do recrutamento de mão-de-obra para estas atividades.

A preocupação com as condições da via pública datava do século XVI, quando os moradores solicitavam à Câmara que o meio-fio fosse calçado com tijolos para que a água das chuvas pudesse correr a vontade.

A falta de condições adequadas pelos caminhos e ruas era notória. Apesar da existência de legislação específica, recomendando que os dejetos não fossem lançados em locais públicos, o que se pode observar é que muitos moradores lançavam lixo, bem como animais mortos, em locais inadequados, fazendo com que o mau cheiro poluísse os ares da cidade. Cuidado semelhante foi tomado para garantir a saída da água das ruas, criando-se sangradouros e consertando aqueles que porventura tivessem sido danificados pelas enxurradas.

Os problemas em relação ao saneamento da cidade não eram novos. No decorrer do século XVIII, as audiências da Câmara se arrastavam discutindo o tema sem grandes resultados. As denúncias contra moradores que despejavam lixo e imundícies em locais inadequados, em alguns casos passando pelo quintal de terceiros, era comum[*4]. A Câmara Municipal, tendo como objetivo evitar condições impróprias, lançou um edital em 1790 estabelecendo locais para os despejos. Assim, os moradores das Ruas do Colégio, das Flores, do Largo da Sé e do Convento do Carmo deveriam fazer o despejo do lixo na vala fronteiriça ao convento dos carmelitas, e os moradores das Ruas do Rosário dos Pretos, da Boa Vista e de São Bento, na cova junto ao caminho que seguia para o Tamanduateí.

A aplicação de multas àqueles que cometiam faltas nem sempre eram cumpridas, o que permitia que muitos vissem com descrédito a aplicação delas. Em alguns casos, a existência de um contrato e de um fiador não garantiam que o pagamento fosse realizado; nos adágios populares, circulava "mais vale o penhor na arca, que fiador na praça"[*5].

Os locais mais utilizados para despejo das imundícies eram: a várzea do Tamanduateí, na altura da Ladeira do Carmo (atual Avenida Rangel Pestana); a Ladeira do Acu (início da Avenida São João) no Anhangabaú; bem como a Rua da Palha (atual Sete de Abril).

O crescimento da cidade foi irregular. O núcleo central, que crescera de forma diminuta no decorrer dos séculos XVII e XVIII, passou por transformações mais intensas no século XIX. No entorno, a cidade crescia em pequenos núcleos, sendo que muitos deles dariam, posteriormente, origem a alguns bairros. Desta forma, na proximidade da cidade havia uma série de matagais e capoeiras, o que permitia que cobras circulassem pelo núcleo urbano com facilidade. A área compreendida pela várzea do Rio Tamanduateí e do Anhangabaú eram os locais mais comuns em que se poderiam avistar os animais peçonhentos. Essa situação fazia com que os terrenos nestas áreas fossem mais baratos devido às condições insalubres e aos perigos que oferecia.

A Câmara da cidade tentou desde o final do século XVIII melhorar as condições das áreas de várzeas, abrindo valas e retificando o curso do Rio Tamanduateí a fim de que suas margens ficassem em condições mais adequadas.

As cheias do Rio Tamanduateí fizeram com que o governo municipal decidisse adotar medidas que minimizassem os transtornos provocados pelas enchentes na várzea (atual região do Parque Dom Pedro II). A retificação do curso do rio, que naquela região serpenteava a cidade, foi discutida pela Comissão de Saneamento de São Paulo no começo de 1821. Todavia, a ausência de recursos inviabilizou qualquer ação eficaz no sentido de correção do curso do leito do rio.

Em 27 de outubro de 1824, examinando-se a representação do Brigadeiro Joaquim José Pinto de Moraes Leme, o estado da Várzea do Carmo e do Rio Tamanduateí, e as informações obtidas junto à Câmara, levaram à definição da correção do curso do rio. Este, que na região central fazia uma série de curvas, causava enchentes na região. Desta forma, a preocupação com esta obra pública visava dar melhor condição de uso à população. Porém, a Presidência da Província sabia que os recursos para esta intervenção eram elevados e que não seria fácil ser empreendida num curto espaço de tempo[*6].

Em 1841, novos estudos foram realizados sobre a retificação do rio pelo engenheiro Carlos Abraão Bresser, sob a determinação do Presidente da Província Conselheiro Miguel de Souza Melo e Alvim. Sete anos mais tarde, sob a gestão de Vicente Pires da Mota, iniciaram-se as obras de canalização do Rio Tamanduateí e a abertura de uma rua à sua margem (atual Rua 25 de Março). Apesar das intervenções feitas, estas não resolveram os problemas das enchentes, exigindo que outras ações fossem tomadas. Nos idos de 1874, João Teodoro Xavier decidiu realizar benfeitorias no local ampliando a Rua 25 de Março, aterrando áreas e fazendo outras melhorias. Nas décadas seguintes, obras, que seriam finalizadas em 1916, foram empreendidas para adequar o terreno - bem como estabelecer um canal profundo para o leito do rio.

No decorrer do século XIX são estabelecidos regulamentos com vista à organização do espaço da cidade, revelando uma preocupação das autoridades com as condições urbanas.

No Cemitério dos Aflitos encontrava-se a capela de mesmo nome na atual Rua dos Estudantes. A existência da capela data de 27 de junho de 1779, quando o Cemitério foi sagrado pelo Bispo Dom Frei Manoel da Ressurreição, sendo considerado o primeiro cemitério público da cidade. O terreno tinha como limites as atuais ruas dos Estudantes, Galvão Bueno e da Glória até a Praça Almeida Júnior. No local eram enterrados os supliciados, indigentes, soldados e moradores da cidade. A inauguração do Cemitério da Consolação e a proibição de sepultamento em outros locais fizeram com que o Cemitério dos Aflitos fosse abandonado, sendo posteriormente o loteamento do terreno autorizado pelo Bispo Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, ficando preservada somente a capela.

Com o crescimento da presença de imigrantes protestantes, a necessidade de construção de um cemitério para atender à comunidade ficou evidente. Em 1851, o vigário José Joaquim Barbosa procedeu a benção de uma necrópole destinada aos estrangeiros não-católicos localizada no início da atual Avenida Tiradentes.

Em 1854, o vereador Carlos José da Silva Teles defendeu a ideia de que fosse construído um cemitério público geral na cidade. A proposta foi aprovada e em seguida foi nomeada uma comissão que teria a incumbência de identificar o local mais adequado para a sua construção. O primeiro local escolhido foi o Campo Redondo (atual Praça Princesa Isabel). Porém, o engenheiro Carlos José Frederico Rath apresentou um relatório apontando os inconvenientes do local, em especial pelo fato de haver na região um povoamento elevado. Como solução, o engenheiro indicou o alto da Consolação, local afastado da cidade e despovoado, que foi aprovado. Em 1855, tiveram início as obras de construção que três anos mais tarde estariam concluídas. A partir de 7 de agosto de 1858, a Câmara definiu que todos os sepultamentos a partir do dia 15 daquele mês fossem feitos no Cemitério da Consolação, ficando proibido o sepultamento em outros locais.

O Regulamento de 3 de maio de 1856 impôs aos cemitérios restrições ao direito de propriedade, definindo onde era lícito ou não fazer sepultamentos. Segundo o regulamento, os cemitérios deveriam ser fechados por muros de 10 palmos pelo menos; determinava também a formação da área em quadriláteros, a largura das ruas, e distinguia duas espécies de sepulturas: sepulturas gerais, e sepulturas ou jazigos particulares para confrarias, irmandades, corporações religiosas e famílias. O regulamento proibia a construção de casas e a abertura de poços junto aos cemitérios. Seguindo a Lei francesa de 7 de março de 1808, que tratava do mesmo assunto, proibiu-se edificar ou cavar poços em distância menor de 100 metros dos cemitérios[*7].

Além disso, foram definidos critérios para a construção de sepulturas e condições para sua aquisição que determinavam três requisitos legais para o sepultamento: o atestado do médico, o sepulte-se da autoridade eclesiástica e o prazo de 24 horas depois do óbito, salvo se o cadáver estivesse em estado de deterioração ou se a morte procedesse de moléstia contagiosa. Os atestados médicos deveriam conter a naturalidade, a idade, a condição, o estado civil, a profissão e residência do finado, a moléstia, sua duração, o dia e a hora do falecimento. Se algum cadáver fosse levado sem esses documentos aos cemitérios, ou fosse encontrado em abandono dentro deles, ou às suas portas, o administrador avisaria a autoridade policial para as diligências legais.

Outras providências além das já mencionadas também foram tomadas, como a profundidade das covas a 7 palmos para adultos, a 6 palmos para menores de 12 anos e a 5 palmos para menores de 7 anos[*8]. A regulamentação definia inclusive que os coveiros deveriam ser escolhidos pelo administrador e teriam residência gratuita em casas próprias[*9]. Orientava sobre as condições de pagamento das sepulturas, o asseio delas, a conservação dos cemitérios, o respeito aos túmulos e a definição sobre o lugar para a sepultura de restos mortais exumados das igrejas paulistas.

As condições de salubridade da cidade eram questionadas em razão da manutenção do matadouro e do curral, que exalavam um mau cheiro que invadia os arredores, dependendo dos ventos dominantes. O Matadouro que existia na região do Bexiga, às margens do Rio Anhangabaú, permitiu que o local recebesse atributos negativos por conta dos detritos dos abates que eram depositados no rio, pois corrompiam as águas e causavam um aspecto repulsivo aos moradores, fosse pela mancha de sangue, fosse pelo cheiro exalado. Tais características reforçavam o aspecto negativo do riacho lodoso e imundo. Não eram apenas os resíduos do matadouro que poluíam o curso de água da primitiva cadeia do Largo de São Gonçalo (atual Praça João Mendes).

Em 21 de agosto de 1850 é elaborado um regulamento referente ao estabelecimento de matadouros na cidade, proibindo o abatimento de rezes fora do matadouro, que deveria abrir diariamente das 10 às 18 horas. Somente durante esse tempo é que as rezes deveriam ser recolhidas.

Nenhuma rês poderia ser morta sem que fosse examinada pelo médico da Câmara (veterinário) e o abate só seria permitido após a verificação da identidade. Entre abril e setembro o abate era feito a partir do meio-dia até às 15 horas, e nos meses de outubro a março entre 14 e 16 horas. O despejo do estrume, a lavagem de roupas e o depósito dos chifres deveriam ser feitos em lugares apropriados, sob a vigilância do fiscal do matadouro[*10].

A guarda e a administração do matadouro eram confiadas a um veterinário, que servia de caseiro e era encarregado de receber os impostos sobre couros e substituir o médico da Câmara. Em 1853 foi inaugurado o Matadouro Humaitá, no seguimento da Rua da Pólvora, nas imediações da atual Rua Santo Amaro e Jacareí. A população do entorno manifestou-se contrária ao matadouro pelas condições de higiene no local.

O código de posturas de 1875 proibiu não só a matança de rezes como a de porcos, cabras e carneiros, mas também providenciou a condução das carnes, o asseio dos açougues e determinou as bases para o contrato de construção de um matadouro novo.

O progresso das edificações entre as Ruas da Liberdade e de Santo Amaro, às margens do Anhangabaú, tornou inconveniente a permanência do dito matadouro, exigindo que o mesmo fosse transferido para longe do centro populoso[*11].

Ante as condições inadequadas de higiene e o mau cheiro que avançava pela cidade, a Câmara construiu um novo matadouro na região da Vila Mariana, inaugurado em 5 de janeiro de 1887.

A venda de produtos em praça pública foi comum desde os primeiros anos, quando os vendedores expunham as suas mercadorias nos largos em frente à Igreja do Carmo e de São Bento, sem grande controle. No decorrer dos anos, as áreas públicas destinadas à venda de produtos passaram a ser alvo de controle e fiscalização da administração municipal[*12].

O controle sobre a localização das feiras e dos mercados tinha por finalidade facilitar não só a arrecadação dos impostos como também controlar a provisão de mantimentos, evitando o monopólio e o atravessamento de gêneros de primeira necessidade, ao mesmo tempo em que garantia a liberdade do comércio.

Pelo Regulamento de 7 de março de 1872, modificado pela Lei de 27 do mesmo mês e ano, a Praça do mercado, localizada no centro na cidade (atual Praça Fernando Costa), deveria abrir às 5h30 no verão e às 6h30 no inverno, fechando-se ao toque de Ave-Maria. A entrada era franca para todas as pessoas, contanto que estas não obstassem o movimento regular das transações, que seriam inspecionadas pelo fiscal. Era proibido o atravessamento de gêneros de primeira necessidade, os quais não podiam ser vendidos pelas ruas da cidade, devendo ser levados à Praça do Mercado, para ali serem vendidos pelos preços e quantidades que conviesse, tanto ao vendedor como ao comprador[*13].

O crescimento da cidade permitiu que os problemas referentes às condições higiênicas, tanto urbanas como residenciais, aumentassem. O fluxo cada vez maior de pessoas para a cidade, o desenvolvimento da indústria, bem como outros movimentos migratórios internos acabaram por comprometer a saúde pública tendo em vista que a ausência de moradias permitia que os cortiços se proliferassem.

Em suma, podemos afirmar que o crescimento da cidade e a concentração de pessoas fizeram com que as autoridades e a própria elite passassem a discutir a questão urbana com maior intensidade, definindo projetos que dessem soluções para o crescimento desenfreado. Desta forma, era importante melhorar as áreas insalubres, acabar com os focos de contaminação e com a ameaça para a saúde pública. Neste sentido é que devemos compreender uma série de medidas que se intensificam na segunda metade do século XIX quanto a normatizar o funcionamento de cemitérios, matadouros e outros locais que colocavam em risco a saúde. Não bastava apenas fazer as intervenções urbanas, era fundamental alterar o comportamento e os hábitos da população, lição importante até os dias atuais.

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Paulo de Assunção é pós-doutorando em História Ibérica na École des Haute Etudes en Sciences Sociales - EHESS-Paris (França); Doutor em História Econômica e Social pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal) e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Dedicou boa parte da sua investigação a questões de história cultural e econômica, com destaque para a presença jesuítica, a família real portuguesa no Brasil, viajantes estrangeiros no século XIX, a formação de São Paulo e percepções do espaço habitado e da natureza. É autor das seguintes obras: Ritmos da vida - momentos efusivos da família real portuguesa no Brasil (Arquivo Nacional, 2008 - premiado); Religião e Religiosidade (Arké, 2007 - com outros autores); Educação, História e Cultura no Brasil Colônia (Arké, 2007 - com outros autores); Inquisição Portuguesa - tempo, razão e circunstância (org. e autor - Prefácio - Lisboa, 2007); A construção visual entre as artes e a ciência (Arké - com outros autores); Discutindo a Paisagem (Rima, 2006 - com outros autores); Viagem à Istambul (Arké, 2005); São Paulo Imperial: a cidade em transformação (Arké, 2004); A metamorfose de um polvo: religião e política nos regimentos da inquisição portuguesa séculos XVI- XIX (Prefácio - Portugal, 2004); Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos (Edusp, 2004); Os jesuítas no Brasil Colonial (Atual, 2003 - premiado); O Patrimônio (Loyola, 2003); A terra dos brasis: a natureza da América Portuguesa vista pelos primeiros jesuítas 1549-1596 (Annablume, 2001).
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