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Artigo publicado na edição nº 39 de dezembro de 2009.
A democracia ameaçada:
repressão política e a cassação do PCB na transição democrática brasileira (1945-1948)

Heber Ricardo da Silva

As discussões acerca da cassação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e de seus mandatos eletivos, ocorrida em maio de 1947 e janeiro de 1948, respectivamente, pautaram as matérias jornalísticas da grande imprensa brasileira a partir de meados da década de 1940. Defendendo o ideário liberal, os jornais O Estado de S. Paulo (OESP), Diário de S. Paulo (DSP), Folha da Manhã (FM), O Globo (OG), Jornal do Brasil (JB) e Correio da Manhã (CM) apresentavam-se aos seus leitores como anticomunistas e defensores da implantação da democracia no Brasil. No entanto, posicionaram-se de forma particular em relação à cassação do PCB e apresentaram diferentes estratégias para a eliminação da ideologia no Brasil. Logo no início das discussões acerca do processo de cassação do PCB, a FM passou a defender a manutenção da legenda e dos mandatos comunistas. Para os dirigentes do jornal paulista, o fechamento do PCB não seria uma medida acertada, pois era mais fácil combatê-lo na legalidade do que como “entidade clandestina e subterrânea”, ou seja, na ilegalidade o partido poderia ter mais forças para provocar rebeliões sociais no país[*1]. Entretanto, à medida que o governo intensificava as suas ações no sentido de cassar o PCB, o jornal de Nabantino Ramos passou a defender as ações do governo contra o partido, mesmo os atos violentos e as perseguições políticas.

Por sua vez, embora se declarassem terminantemente anticomunistas, OESP e CM declararam-se contra o fechamento da legenda, pois acreditavam que a eliminação dos comunistas do cenário político representava um atentado à democracia brasileira. O CM ressaltava o caráter inconstitucional do fechamento da legenda comunista, uma vez que, para a folha, a Constituição garantia o funcionamento legal do partido. Além disso, entendia que seria um erro de graves consequências tirar a existência legal de um partido que representava centenas de milhares de pessoas e que dispunha de um aparelhamento político para atuar na vida política nacional[*2]. Para OESP, caso a cassação do PCB concretizasse-se, a Constituição seria ferida e a situação política brasileira ficaria grave.

Cabe ressaltar que os posicionamentos de OESP e CM diante das discussões acerca da cassação do PCB estavam próximos à posição política emitida pela União Democrática Nacional (UDN). Ciente de que o julgamento do PCB seria muito mais político do que jurídico, a UDN posicionou-se e votou contra a medida, pois entendia que, caso ocorresse a cassação dos comunistas, ficaria no Congresso uma representação sem partido e isso poderia incentivar os comunistas a lutar clandestinamente e provocar mais desordens sociais.

Por outro lado, os jornais DSP, JB e OG, a exemplo de seus dois congêneres acima destacados, publicaram matérias e posicionaram-se diante da apresentação das denúncias contra o PCB e a possibilidade da extinção da legenda comunista. Apresentando posições próximas às do governo, os jornais apoiaram a cassação do partido e emitiram representações contrárias à legenda. Defendendo a cassação da legenda comunista, OG sustentou que o projeto de cassação do partido vinha de encontro à Constituição, pois a mesma não autorizava a propaganda de guerra e nem de ideologias subversivas à ordem social[*3]. Para o DSP, a existência do PCB no cenário político nacional era inconstitucional, pois a agremiação estava a serviço da URSS e lutava contra os interesses nacionais[*4]. Já o JB ressaltava a disposição de Dutra no sentido de legalizar a vida política nacional e lutar contra os totalitarismos. Para a folha carioca, a legalização do país passava pela extinção da legenda comunista da vida político-partidária[*5]. Sendo assim, DSP, OG e JB apresentaram posições bem mais enérgicas contra a permanência do PCB na vida político-partidária e defenderam ações mais consistentes do governo a fim de lançá-lo na ilegalidade.

Embora diversas forças políticas e parte da imprensa brasileira tivessem defendido a existência legal do PCB, em 7 de maio de 1947, por três votos a dois, o TSE cassou a legenda comunista. Dessa forma, a cassação do PCB dividiu as opiniões dos principais agentes políticos e jornalísticos e proporcionou intensos debates na imprensa e nos círculos políticos nacionais. Próximos à UDN, CM e OESP mantiveram suas posições e criticaram a cassação do PCB, classificando-a como antidemocrática e inconstitucional. Logo após a cassação da legenda, em entrevista concedida à agência France Press em Buenos Aires, o diretor de OESP, Júlio de Mesquita Filho, declarou que considerava “um erro a medida adotada pelo TSE cassando o PCB, pois ela tornaria o governo mais impopular e ao mesmo tempo fortaleceria a legenda comunista que estava com seu prestígio em declínio”. Para Mesquita, a luta contra o comunismo deveria ser feita pelo viés democrático e sem ferir os princípios constitucionais[*6]. Todavia, apesar de ser contrário à cassação do PCB, O Estado de S. Paulo afirmou que, estivesse à decisão certa ou errada, ela não deveria ser desrespeitada e a Justiça Eleitoral não poderia ser pressionada pela opinião pública. Por sua vez, logo após a cassação do PCB, o CM aproveitou a oportunidade para criticar o que classificara como ato antidemocrático, mas também para criticar as dificuldades econômicas encontradas pela população durante o governo Dutra. Para o periódico, o fechamento do PCB criou um caos político, pois aquele ato significou agitação e desconfiança, que poderiam colocar em risco a estrutura e pôr o fim do campo político nacional. Para o jornal carioca, Dutra, desde que assumira a presidência da República, revelava uma vocação arbitrária. Sendo assim, a folha de Bittencourt classificou o ato de cancelamento da legenda comunista como “péssimo exemplo antidemocrático”[*7].

OESP e CM representavam as principais forças opositoras à Dutra na grande imprensa brasileira e, desta forma, desaprovaram a cassação do PCB não apenas porque defendiam o regime democrático, mas, também, porque pertenciam a grupos políticos opostos que disputavam espaço e interesses específicos dentro do campo político e jornalístico com as forças políticas governamentais. Os órgãos paulista e carioca não estavam preocupados em preservar o PCB e o comunismo; preocupavam-se, acima de tudo, com os arranhões sofridos pela Constituição, o que habilitava o governo a agir contra outros setores políticos nacionais. Os periódicos receavam que as arbitrariedades governamentais se estendessem a outros partidos ou grupos políticos, como nos tempos do Estado Novo. Para os jornais, “[...] pairava sobre todos os partidos a ameaça de serem lançados na ilegalidade no momento que o governo desejasse. O golpe contra o Partido Comunista abria caminho para novos golpes contra os demais partidos.”[*8]

Por outro lado, DSP, FM, JB e OG não apresentaram críticas ao governo e ao TSE após o lançamento do PCB na ilegalidade. Logo após a cassação do partido, em editorial publicado no DSP, intitulado “O Epílogo Natural”, Assis Chateaubriand questionava os seus leitores: “Fechou um partido nacional? Era o comunismo um grupo político com raízes nos interesses fundamentais e nos sentimentos profundos do Brasil? Merecia ele o nome de partido brasileiro, identificado com os problemas da base da pátria e da democracia?” Respondendo as questões por ele mesmo formuladas, Chateaubriand asseverava que o PCB acompanhava os desígnios da Rússia, era um partido vassalo de um Estado estrangeiro, obediente às determinações do governo russo. Além de defender a cassação do partido, o DSP tentou, por todos os meios, excluir o presidente de qualquer responsabilidade pela cassação da legenda comunista. Em entrevista publicada pelo jornal, o presidente Dutra defendia a decisão do TSE e afirmava que não fora cometida nenhuma arbitrariedade das autoridades policiais no cumprimento das determinações da justiça que mandaram fechar as sedes dos militantes comunistas nos estados[*9].

De todos os jornais analisados, OG foi o que mais apoiou as ações do governo e das autoridades políticas, judiciais e eleitorais que visavam a eliminar a presença do PCB na vida política nacional. Desde o momento em que o projeto de cassação foi apresentado no TSE, o jornal publicou diariamente uma série de matérias e colunas ocupadas em desfavorecer a imagem dos comunistas junto à opinião pública e reforçar o anticomunismo, com vistas a conquistar adeptos à sua causa política, bem como consumidores de seus produtos jornalísticos[*10]. Sendo assim, o jornal congratulou-se com a decisão do TSE de fechar o partido e com as ações governamentais que visavam cumprir as determinações daquele órgão. Ao comentar sobre o fechamento do PCB, Marinho declarou que tinha esperanças de que, ao conquistar a legalidade, o partido pudesse viver dentro da nova configuração política inaugurada no pós-guerra e contribuir com o aprofundamento da democracia no Brasil. No entanto, entendia que, com o passar do tempo, a “legenda vermelha” tinha sido responsável por “semear a discórdia” e representava perigo ao regime de liberdade.

Seguindo a mesma linha de seu congênere carioca, o JB classificara como “memorável” a sessão do Tribunal Superior Eleitoral que se ocupou com a cassação do registro do PCB. Para o jornal carioca, o julgamento do processo despertou interesse da imprensa estrangeira e preconizou que a decisão do Tribunal brasileiro iria estender-se a todos os países onde houvesse agremiações partidárias comunistas organizadas. Defendendo a decisão do TSE e os esforços governamentais em fechar o PCB, o jornal preconizava:

Muitos procuram argumentar que a democracia é um conceito genérico e que qualquer restrição imposta à liberdade de associação política implica em ofensa a esse conceito. Mas a doutrina não pode servir de base para a apreciação de um caso concreto. O que se impõe é saber se o funcionamento desta ou daquela agremiação está em harmonia com os postulados e princípios democráticos julgados essenciais no regime peculiar ao Brasil.[*11]

É importante notar que a cassação do PCB fora entendida pelo JB como a defesa do regime democrático brasileiro e, desta forma, a decisão do TSE deveria merecer o mais absoluto apoio das correntes políticas e da população em geral. O jornal afirmava que não tinha medo das ações dos comunistas posteriores à cassação, pois o Tribunal Superior Eleitoral tinha tomado a decisão dentro da legalidade constitucional, uma vez que a doutrina comunista representava a revolução, a qual tinha por objetivo a transformação da ordem política, econômica, social e moral por meio da ditadura do proletariado, ou seja, conspirava contra a Constituição de 1946. Além disso, a exemplo do DSP, o JB procurou minimizar a responsabilidade e as ações arbitrárias do governo contra os comunistas sustentando que a decisão era meramente judicial e não política, uma vez que o registro do Partido Comunista fora obtido no regime anterior em que vigorava outra Carta Constitucional, diferente da aprovada em 1946[*12].

Diferentemente de OESP e CM, a FM concluiu que a cassação do PCB não alteraria o problema do comunismo no Brasil, pois na ilegalidade ou na legalidade o partido continuaria a utilizar os mesmos métodos subversivos e de persuasão das massas. E reconhecia que, com a cassação do PCB, o governo e as autoridades policiais teriam bases jurídicas legais para reprimir as suas ações. Além disso, o jornal passou a reivindicar ações mais enérgicas do governo no sentido de elevar o nível cultural e social das massas, blindando-as contra os comunistas[*13]. Ou ainda, chegava a pedir empenho de todas as “nações democráticas” na mesma tarefa:

[...] ideologia, uma filosofia de vida que os tempos se encarregaram de fazer particularmente grata às classes menos favorecidas pela fortuna. E por isso, ela incorpora o desejo ardente e irreprimível do operariado, do trabalhador manual e intelectual que luta pela obtenção de coisas mais elementares à sua sobrevivência. É a necessidade do pão, do vestuário, da instrução, da educação para os filhos, os anseios por melhores oportunidades de vida, que fazem os homens destes tempos amargos aceitarem sem mais exame a pregação soviética de tempos melhores. Tudo nos convence, portanto, de que, ao invés de cruzarem os braços diante dessa situação, devem as nações democráticas saírem a campo sem demora, e elas próprias solucionar os angustiantes problemas populares, antes que as massas desesperadas aceitem a terapêutica violenta da revolução.[*14]

No período em que esteve à frente das Folhas, Nabantino declarava-se defensor do regime democrático e marcava posição contrária a todos os regimes totalitários, como o nazismo, fascismo e, principalmente, o comunismo, pois entendia que a URSS ameaçava a democracia, a liberdade e o desenvolvimento do regime capitalista. É possível indicar que, imediatamente após a Segunda Guerra, o jornal paulista defendia a existência legal do PCB, por conta da colaboração dos comunistas durante o conflito internacional. Entretanto, logo em seguida, passou a clamar por medidas que visavam a eliminar o comunismo do cenário político, pois “sua ação representava um risco de se ver transplantado para o Brasil o regime soviético que era responsável em fuzilar dissidentes ou mandá-los para os campos de concentração”[*15]. O periódico defendia a cassação do PCB e posicionou-se de forma contrária à permanência dos parlamentares comunistas no Congresso. Para o jornal, era perfeitamente democrático que a vontade da maioria do povo brasileiro, tal como expressa na Constituição, prevalecesse sobre a vontade da minoria comunista e a impedisse de interferir na política[*16].

A partir da cassação do PCB, os comunistas procuraram lutar dentro da ordem legal e institucional e se organizaram em torno do Partido Popular Progressista (PPP), agremiação partidária que incorporou as teses centrais do extinto PCB. O novo partido definiu-se como representante das massas e pretendia lutar a favor da democracia, contra o latifúndio e o imperialismo. Ambas as tentativas foram frustradas (PANDOLFI, 1995, p. 168-169).

Consumada a cassação da legenda comunista, as atenções dos agentes políticos e jornalísticos voltaram-se para a batalha travada no Congresso Nacional em torno dos mandatos parlamentares comunistas. Dessa forma, debates acalorados sobre a atuação dos parlamentares comunistas no campo político foram produzidos no Congresso Nacional e reproduzidos nas páginas da imprensa brasileira. Em meio a perseguições policiais e virulentos ataques das forças políticas conservadoras, a continuidade dos parlamentares comunistas na vida política nacional tornou-se difícil, sobretudo após a apresentação do Projeto de Lei nº 900, de autoria do deputado Ivo de Aquino, que requereu a cassação dos mandatos comunistas em todas as esferas de poder. Além disso, o presidente Dutra assinou o Decreto nº 211, de 7 de janeiro de 1948, que regulava os casos de extinção de mandatos dos membros dos corpos legislativos da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios. Assim, em 10 de janeiro de 1948, o projeto de cassação dos mandatos apresentado por Ivo de Aquino foi aprovado na Câmara dos Deputados por 179 votos contra 74. Nesse caso, a Mesa da Câmara dos Deputados, em face do disposto no artigo 2º da Lei número 211, de 1948, declarou extintos os mandatos de 14 deputados federais e seus suplentes e de vários deputados estaduais nas Assembleias Legislativas eleitos sob a legenda do Partido Comunista do Brasil (SANTANA, 2001, p. 57). Encerrava-se, assim, mais uma fase da vida do PCB, que, a partir de então, passou a atuar de forma clandestina.

Sob o impacto da dupla eliminação do jogo político partidário, a partir de janeiro 1948, o PCB alterou sua conduta política e adotou uma postura agressiva com relação ao governo, criticando o regime capitalista e a frágil democracia brasileira. Antes da cassação, o partido classificou Dutra como responsável por um governo de “união nacional”, mas, após a extinção da legenda, o definia como “antidemocrático” e governo da “traição nacional” (PANDOLFI, 1995, p. 170).

Os jornais analisados não ficaram indiferentes diante da eliminação dos parlamentares comunistas do cenário político nacional e publicaram grande quantidade de matérias entre maio de 1947 e janeiro de 1948 sobre o tema. Alinhados ao governo Dutra e reafirmando sua postura anticomunista DSP, FM, JB e OG aprovaram a ideia de cassar os mandatos comunistas e anular a votação obtida pela legenda nos pleitos de 2 de dezembro de 1945 e 19 de janeiro de 1947. Durante o período em que se discutia a nulidade dos mandatos comunistas no Congresso Nacional e no Tribunal Superior Eleitoral, os jornais publicaram conteúdo jornalístico em que condenavam os protestos dos comunistas, os quais, segundo eles, pretendiam garantir o retorno à legalidade partidária, e as ações políticas que objetivavam blindar as suas representações parlamentares. Além de classificar a cassação do PCB e seus mandatos como constitucional, os quatro jornais argumentaram que os representantes comunistas no Congresso Nacional não representavam o povo brasileiro, mas a nação soviética. Ao opinar sobre a cassação dos mandatos comunistas, OG declarou que, ao contrário do que muitos haviam afirmado, “não havíamos assistido ao enterro da democracia, mas sim a manifestações de sua vitalidade triunfante como ocorre em todos os países livres como o Brasil”. Para o DSP, os comunistas atrapalhavam o desenvolvimento da democracia no Brasil, uma vez que legislavam em nome de ideologias estrangeiras no Congresso brasileiro[*17]. Para o JB, os comunistas conspiravam contra a estrutura democrática no Brasil e a cassação do PCB representava a defesa da ordem democrática, pois a doutrina comunista era revolucionária e tinha por objetivo a transformação da ordem política, econômica e moral do país[*18]. A FM entendeu a extinção dos mandatos comunistas como um simples desdobramento da cassação da legenda efetuada pelo TSE. Porém, a folha paulista entendia que a cassação dos mandatos comunistas não alteraria decisivamente o problema do comunismo no Brasil, pois os comunistas eram perigosos tanto na legalidade como na ilegalidade[*19].

Assim, OG, JB, DSP e FM concordavam com a ideia de que a atuação dos parlamentares comunistas na vida política nacional era como um perigo às instituições democráticas e constituía um empecilho para a construção e implantação do projeto social de cunho liberal-democrático encabeçado pelas correntes políticas liberais. Desse modo, a cassação do PCB e de seus mandatos fora entendida pelos quatro jornais como uma forma de blindar o regime democrático contra as ações subversivas dos comunistas. Podemos dizer que ao conceder a cobiçada publicidade estatal, empréstimos em bancos estatais, privilégios no fornecimento de papel e indicações para ocupar cargos públicos na máquina estatal, Dutra buscava conquistar o apoio dos jornalistas ao seu governo, que, naquele momento, empenhava-se na eliminação do PCB e de seus mandatos da vida política nacional. Assim, o apoio da imprensa era fundamental para legitimar os atos oficiais contra os comunistas. Ao contrário, OESP e CM, apostando ou buscando autonomia em relação ao governo, puderam, mais livremente, noticiar e analisar a ação do governo Dutra contra os comunistas ao publicar noções e ao valer-se de expedientes que destoavam dos emitidos pelo poder oficial.

Entendendo que o comunismo deveria ser combatido dentro da legalidade constitucional e que a cassação dos mandatos comunistas feria mais uma vez os princípios democráticos garantidos pela Carta Constitucional aprovada em 1946, os jornais OESP e CM defenderam a atuação política dos parlamentares comunistas no campo político nacional. Para os órgãos paulistas, a cassação dos mandatos comunistas representava mais uma prova de que os políticos do país ainda não haviam se adaptado a viver em um regime de lei e de direito. Dessa forma, entendia que a cassação dos mandatos comunistas seria legal desde que ocorresse dentro dos princípios constitucionais. Por sua vez, após a cassação dos mandatos comunistas, o CM registrou com tristeza e inquietação o que classificou como “golpe deferido contra a Constituição Federal sobre o pretexto de se combater o comunismo”. Sendo assim, entendia que o governo Dutra não deveria se iludir, pois o problema do comunismo era político e não policial, ou seja, os parlamentares não poderiam perder o mandato quando cassado o registro da legenda, pois, de acordo com a Constituição de 1946, “o poder emana do povo e não do partido político”. Seguindo a mesma linha de OESP, o jornal de Bittencourt asseverava que, para que os mandatos comunistas fossem cassados, era necessária a realização de uma reforma constitucional ou a elaboração de uma nova lei eleitoral. Em acréscimo, afirmou que toda campanha contra o comunismo seria apoiada pelos democratas desde que não se tocasse na Constituição[*20]. Além de OESP e CM, a UDN também se posicionou contra a cassação do PCB, entendida pela agremiação partidária como inconstitucional.

Dessa forma, é possível afirmar que os argumentos apresentados pelo órgão paulista e pelo carioca acerca da cassação da legenda e dos mandatos comunistas estavam bem próximos dos posicionamentos políticos daquele da UDN. Do mesmo modo que a agremiação partidária, os jornais OESP e CM defenderam o respeito aos princípios constitucionais. Ademais, gozando de certa autonomia em relação ao governo, puderam, ao contrário dos outros órgãos consultados, criticar as ações arbitrárias do governo contra os comunistas e exigir que os dispositivos constitucionais fossem respeitados. Sendo assim, ambas as folhas pautaram-se, historicamente, pela defesa inconteste da democracia liberal constitucionalista. A cassação da legenda e dos mandatos comunistas fora considerada, pois, inconstitucional e uma afronta ao regime democrático constitucional que se despontava no pós-Estado Novo.

Por outro lado, ao defenderem a cassação do PCB e dos mandatos comunistas, os jornais DSP, FM, JB e OG estavam defendendo seus interesses específicos dentro do campo político e jornalístico. Os órgãos apoiaram as ações governamentais que visavam banir a atuação dos comunistas da vida política nacional. Assim, mantiveram relações de forças que pretendiam garantir os seus privilégios e os de grupos políticos e jornalísticos no interior dos respectivos campos e, da mesma forma que seus outros concorrentes, objetivavam criar uma representação social de mundo que amalgamasse os interesses particulares do grupo político dominante, os dos dirigentes de cada jornal e, também, os dos principais anunciantes. Desse modo, seus posicionamentos acerca da participação dos comunistas na vida político partidária estavam próximos aos do governo e das correntes políticas conservadoras. Em suma, ao se posicionarem favoravelmente ao lado do grupo político dirigente e servirem como caixa de ressonância dos atos repressivos governamentais, os quatro jornais buscavam garantir seus privilégios dentro do campo, como aqueles relativos a distribuição de papel, a concessões radiofônicas, a informações oficiais exclusivas e, principalmente, a verbas publicitárias governamentais.

Referências bibliográficas

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Mestre em História Política pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, onde defendeu a dissertação intitulada A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do político e a cassação do PCB nas páginas da imprensa brasileira (1945-1948). É vinculado ao Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares de Mídia e Linguagem e à linha de pesquisa do CNPq intitulada Mídia e Política na História do Brasil Contemporâneo. É professor da FAPEPE (Faculdade de Presidente Prudente) e da UNIESP (União das Instituições Educacionais de São Paulo).
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O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo: [s.n.], 9 jan. 1948; CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro: [s.n.], 21 maio 1947.
DIÁRIO DE S. PAULO. São Paulo: [s.n.], 20 maio 1947.
Deixando clara a sua posição anticomunista, o jornal publicou em letras garrafais no dia 27 de outubro de 1947 a seguinte manchete: “TODA A AMÉRICA DEVE ROMPER COM A RÚSSIA DOS SOVIETS”.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro: [s.n.], 8 maio 1947.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro: [s.n.], 8-9 maio 1947.
FOLHA DA MANHÃ. São Paulo: [s.n.], 9 jan. 1947.
FOLHA DA MANHÃ. São Paulo: [s.n.], 28 fev. 1948.
FOLHA DA MANHÃ. São Paulo: [s.n.], 22 jul. 1947.
FOLHA DA MANHÃ. São Paulo: [s.n.],13 jul. 1947.
DIÁRIO DE S. PAULO. São Paulo: [s.n.], 9 jan. 1948.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro: [s.n.], 9 jan. 1948.
FOLHA DA MANHÃ. São Paulo: [s.n.], 9 jan. 1948.
CORREIO DA MANHÃ. São Paulo: [s.n.], 17 e 29 maio 1947; 6, 13, 24, 26 e 27 ago. 1947; 20 set. 1947; 8 e 9 jan. 1948.