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Artigo publicado na edição nº 43 de agosto de 2010.
Abordagem do patrimônio histórico de bens culturais arquitetônicos nos planos diretores de pequenos municípios

Antonio Carlos Gaeta

Os planos diretores constituem peça de extraordinária importância, ao menos na sua intenção, para a ordenação dos municípios brasileiros. Esse fato, bastante reconhecido, muitas vezes oculta o igual significado estratégico que eles têm para a organização da administração pública. No espírito da lei, os planos diretores (vide a lei federal 10.257/01, o Estatuto da Cidade) subordinam todo o planejamento orçamentário. Esse é um aspecto pouco destacado e vem fazer justamente a ponte que quase nunca existiu entre a utopia urbanística e os fundos necessários para sua concretização

Em São Paulo, há outro aspecto extraordinário. Diferente da lei federal que limitou – salvo casos especiais – os planos diretores aos municípios com mais de 20 mil habitantes (erroneamente ditos “da cidade”), a Constituição paulista os impôs a todos. E mais do que isso, a experiência também paulista dos anos setenta, baseada nas dificuldades das administrações municipais, particularmente as dos pequenos municípios, para esses novos desafios de ações (e organizativos, note-se bem), movimentou duas instituições públicas para o apoio. Ainda assim a questão não conseguiu ser equacionada na época.

No entanto, é justamente por ter esse universo paulista para os planos diretores totalmente coberto que podemos mergulhar na realidade disciplinadora dos pequenos municípios.

Tomemos como referência uma das regiões mais importantes do interior paulista, a região central administrativa, polarizada pelos municípios de Araraquara e São Carlos. O que essa região representa? De acordo com o IBGE (estudo “Regiões de Influências das Cidades”[*1]), Araraquara é uma das 70 capitais regionais do Brasil. O município é capital regional nível C.

No Estado, em termos hierárquicos do IBGE, o município de Araraquara fica atrás apenas de São Paulo (grande metrópole nacional), Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto (Capitais Regionais B). Está no mesmo nível do conjunto de cidades paulistas que inclui Santos, São José dos Campos, Bauru, Marília, Araçatuba, Presidente Prudente, Piracicaba e Sorocaba.

Na região central, em termos de nível hierárquico e populacional, temos a seguinte distribuição:

Embora a Região Central Administrativa corresponda a 1,8% do PIB do Estado de São Paulo (todos dados de 2007 da Fundação SEADE: Região Metropolitana de São Paulo com 56,4%, Região de Campinas com 15,7%), o eixo Anhanguera/Bandeirantes/Washington Luis é a veia aorta do desenvolvimento paulista, totalizando em 4 regiões mais de 22% do PIB paulista.

Desafios Administrativos

Além da formação de uma cultura do preservar, há o desafio da formação de uma cultura local administrativa do que preservar.

Essa não é uma questão fácil. Pressupõe, inclusive, a definição de ações estratégicas de incentivo e de renúncia fiscal. É preciso desenvolver o savoir-faire na elaboração de projetos: fazer conhecer e facilitar o encaminhamento de pedidos de verba provenientes de leis de incentivo à cultura por parte dos proprietários de bens tombados. O município deve aproveitar e fazer conhecer programas da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (como o Programa de Ação Cultural) nas ações de restauro e conservação de bens protegidos por órgão oficial de preservação. O mesmo pode-se dizer dos programas da União através do IPHAN (como o Programa Monumenta, de recuperação de imóvel privado, bem como cursos e oficinas de capacitação). De sua parte, o município poderá fazer descontos em impostos prediais e territoriais ou outras considerações acordadas pelo interesse social local com apoio do poder público.

O desenvolvimento de uma cultura local administrativa significa tanto definições legislativas quanto ações efetivas de gestão. Cabe aos municípios criar toda ordem jurídica voltada à preservação (definição de patrimônio, definição de tombamento), obedecendo aos parâmetros federais e estaduais, além da regulamentação com normas (órgão responsável, procedimentos tais como: iniciativa, documentação, pareceres, homologação, averbação em cartório, registro de características, etapas, punições e incentivos, limites e diretrizes para o entorno).

Ademais de toda a dificuldade no desenvolvimento de uma cultura local administrativa pela preservação (e aqui, particularmente, falamos de bens culturais arquitetônicos), há ainda a necessidade da formação de uma cultura vinculada à conduta do como preservar. Ela deverá contemplar e, ao mesmo tempo, encontrar outros caminhos que busquem além das opções museológicas e casas de cultura. E, evidentemente, ir além da simples colocação (necessária) de placas comemorativas ou, um pouco melhor, explicativas. Lemos aponta que, em primeiro lugar, é preciso “manter o bem cultural, especialmente o edifício, em uso constante e sempre que possível satisfazendo a programas originais”[*2].

É preciso criar uma estrutura geral para a cultura e outra parte específica para a defesa do patrimônio. Neste, cabe a constituição e operação dos conselhos municipais de defesa do patrimônio cultural. É preciso não apenas carrear o voluntariado específico cultural como também incorporar na administração os profissionais apropriados, como historiadores e arquitetos, entre outros. É preciso dar suporte operacional para os conselhos, inclusive técnico, com a modernização dos procedimentos, incluindo-se a digitalização e a transparência na consulta, como pela internet.

Na questão da cultura local administrativa também se coloca a construção do compromisso local com a preservação, ou seja, da sociedade em geral, dos grupos organizados, da sociedade civil, da iniciativa privada. Há também, portanto, uma questão de governança a desenvolver. E isso porque, muitas vezes, particularmente nos pequenos municípios, há “a falta de esclarecimento popular sobre a importância da preservação de nosso Patrimônio, para não dizermos deseducação coletiva.[*3]” É preciso, portanto, desenvolver práticas nessa direção, e, para isso, o próprio processo de construção do plano diretor é um bom elemento, assim como ações como a instituição de centros de memória oral e museus da história local.

Há ainda outras questões organizativas e que podem dizer das “boas intenções” e preparo dos municípios em relação à questão da gestão do patrimônio cultural. Trata-se da questão da estrutura própria para o setor. Há pouco tempo, generalizou-se, mesmo entre pequenos municípios, a criação de setor específico para o meio ambiente. É preciso ver essa generalização para o patrimônio histórico. Não é a hora de ter departamentos específicos? E quando será a hora de transformá-los em secretarias, considerando, é claro, os custos, mas relativizando com a necessária ampliação de responsabilidade municipal na questão? Quando o pequeno município assumirá, através de convênios, responsabilidades que se concentram no Estado? Está em pauta uma estrutura maior, um fundo próprio, descentralização, autonomia, normatização e fiscalização.

A consideração de todos os aspectos acima citados já traça elementos para compor e monitorar uma avaliação da política e da prática administrativa em relação ao patrimônio histórico (arquitetônico) nos municípios: estrutura, organização, agilidade, apoio, desdobramento, uso. Uma questão importante é o acompanhamento permanente, com relatórios de conservação e manutenção (um bom exemplo é a documentação do IPHAN com fichas e fotografias com avaliação minuciosa do estado de conservação).

É importante observar que, diferente de outras áreas de atuação (saúde, educação, assistência social e até meio ambiente), não há para o município a orientação de um sistema único nacional de gestão do patrimônio histórico. Há, aqui e ali, algumas orientações. Em São Paulo, a administração estadual, por meio do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), executa uma política de defesa, proteção e divulgação do patrimônio cultural que compreende os municípios. A prática administrativa do CONDEPHAAT tem servido de referência para as ações municipais. Entre elas, podemos destacar a questão da participação direta, como a de entrada (qualquer cidadão pode solicitar a proteção de bens culturais que considere relevante para a memória e para a preservação ambiental) ou da definição e acompanhamento (o colegiado de representantes). O mesmo pode-se dizer do protocolo: solicitação de tombamento e abertura de processo, análise do colegiado, homologação do Secretário e publicação em diário oficial.

Mas há um elemento sábio em tudo isso: a autonomia municipal é que deve definir as suas prioridades de preservação. Na medida em que tal atribuição for assumida pelos municípios, questões especificamente locais de preservação, antes ignoradas pela defesa do patrimônio estadual ou federal, tornar-se-ão relevantes.

O tombamento pelo município também deve ser disciplinado a partir de leis específicas, as quais devem ser complementadas por normas técnicas. É importante uma disciplina geral para que não haja necessidade de leis muito específicas para cada bem que se queira tombar. Quanto aos procedimentos, eles devem ser estabelecidos: órgão responsável, solicitação de tombamento, definição do bem e instrução técnica. O tombamento não retira a propriedade do imóvel, mas soma a ele outro atributo: a garantia da continuidade da memória. Um elemento importante é a montagem do processo de tombamento: devem ser fornecidos os subsídios para a análise do bem cultural, da sua importância para a memória cultural (e sentimental) da cidade; deve ser feita uma síntese introdutória sobre o bem, com a importância para a cidade, os documentos levantados em pesquisa (bibliográfico, gráfico, fotográfico, plantas); a justificativa para o tombamento (a relevância das características do bem cultural e a importância histórica para se preservar); a descrição e análise do bem cultural (se arquitetônico, análise da arquitetura e dos bens que o integram e a delimitação do entorno ou vizinhança, com mapas e esquemas gráficos).

Planos Diretores e Preservação do Patrimônio Histórico

Uma questão específica que deve estar presente nos planos diretores, como conteúdo mínimo, é o da preservação do patrimônio histórico.

Trata-se de um grande desafio para os municípios porque, além do desafio administrativo, requer-se um novo posicionamento diante da memória e da cultura. A questão, em si, já é desafio no âmbito nacional: um dos elementos essenciais é a lei do plano diretor, a qual significa ao mesmo tempo um caminho de gestão. A perspectiva abrangente e diretiva do plano deve ser completada com a legislação básica sobre tombamentos municipais, a criação de órgãos específicos no âmbito local, a incorporação de recursos humanos qualificados e o incentivo aos pesquisadores da história local.

Essa questão da memória social, tão dependente da preservação sistemática de segmentos do Patrimônio Cultural, tem sido tratada com seriedade somente agora nos tempos recentes, a partir dos primeiros movimentos europeus da segunda metade do século XIX. Antes, só manifestações isoladas de estudiosos e colecionadores que, aos poucos, foram envolvendo e interessando as comunidades e os seus próprios governos, levando-os a, oficialmente, promover a preservação dos chamados Patrimônios Históricos e Artísticos [...].[*4]

Impõe-se aos municípios, por meio da questão do patrimônio histórico local, uma questão educativa e congregante: o cultivo de valores locais. É fundamental fazer o município apossar-se de sua história, distinguir e chamar a si a responsabilidade para o tombamento de bens de interesse local, deixando para o Estado os de interesse supramunicipal.

Mas há, também, muitas questões técnicas a serem respondidas:

[...] o que preservar ali na cidade do homem? [...] Cada cidade configura a problemática à sua maneira. Porém, acreditamos que certos parâmetros constantes podem ser definidos para servir de guias iniciais na abordagem do tema em qualquer circunstância que seja.[*5]

Em termos técnicos, a consideração do traçado urbano, os “agenciamentos urbanos originais”, “as construções suas contemporâneas”, “as relações espaciais primitivas” ou, no mínimo, conservação de “cenários”, são questões essenciais na busca da identidade cultural:

Inicialmente, pensamos que devem ser identificados os tipos de relações mantidas entre o traçado urbano e o sítio original, de implantação, fazendo da geomorfologia uma preocupação prevalente. [...] O que interessa é como as cidades se adaptaram ao sítio de estabelecimento e nesse “como” estão implícitos todos os componentes culturais que podemos imaginar.[*6]

[...] depois de identificados os agenciamentos urbanos originais, principalmente ruas e praças, dever-se-ia procurar ali as construções suas contemporâneas, e poderíamos, então, analisar as relações espaciais primitivas ali mantidas. Cremos sejam essas relações prioritárias na definição daquilo a ser preservado, em conjunto, pois aí já pode estar configurada uma identidade cultural.[*7]

[...] restam-nos a conservar cenários compostos de fachadas de casas velhas, como tem sido feito. [...] conservamos alguns cenários, mas eles nos são da maior importância porque foi o pouco que nos restou, já que nunca soubemos preservar outros documentos de nossas antigas populações urbanizadas, enquanto, aos poucos, fomos destruindo nossos elementos da natureza envoltória [...].[*8]

Mas não apenas elas. A preservação é também a busca de uma identidade, e pressupõe muito o apego sentimental, a paixão artística e histórica local: "Se uma praça ou um chafariz tem valor para a memória afetiva da população local, já é possível pedir a preservação da área", aponta Lucila Lacreta, arquiteta, diretora técnica do Movimento Defenda São Paulo.

O professor Carlos Lemos identifica três situações possíveis urbanas e a preservação de bens culturais[*9].

1)“um traçado urbano qualquer acompanhado de construções originais que podemos chamar de primárias”. Neste caso têm-se edifícios antigos formando ´manchas´, cujos relacionamentos primitivos com as áreas livres originais ainda estão conservados”.

2)“traçados urbanos quaisquer cujas construções lindeiras não são mais as originais”. Neste caso “o que há de preservar é só a trama urbana desacompanhada”.

3)“conjuntos de construções antigas situadas em logradouros públicos alterados devido a intervenções modernas em traçados primitivos”.

Em relação à abordagem do patrimônio cultural nos planos diretores de pequenos municípios, podemos observar, em pesquisa muito preliminar, que na Região Administrativa Central do Estado de São Paulo – e considerando os “centros locais” (classificação IBGE) – têm-se várias situações. Muitos municípios estão atrasados em sua elaboração. Outros não se sentem obrigados nem motivados para tal.

Lembremos que o patrimônio da área geográfica que tratamos (a região administrativa central) está grandemente vinculado à expansão cafeeira a partir da metade do século XIX no interior do Estado. Assim, grosso modo, o patrimônio histórico-arquitetônico desses municípios tende a estar vinculado às seguintes edificações: da ferrovia (as estações em especial), da Igreja Matriz, dos casarões urbanos (e rurais) dos grandes proprietários, dos grupos escolares, dos armazéns e das pousadas (hotéis).

Pois bem. Há casos como o de Ibaté que, em seu Plano Diretor, define zona de ocupação induzida, a qual concentra bens históricos; uma zona de ocupação restrita (5B); uma área de especial interesse histórico na zona de uso predominantemente agrícola (7); e uma abordagem especial das áreas de especial interesse histórico (capítulo V, seção I) com poligonal de interesse histórico (anexo 6).

Em Itápolis, “centro de zona b” ligado à Araraquara, com 40 mil habitantes, há lei que disciplina o tombamento de bens (1.596/93), incluindo-se a criação do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural. Há também uma lei que dispõe sobre os instrumentos de política urbana (2.333/06), definindo o incentivo à proteção e preservação do patrimônio cultural.

Porto Ferreira, centro local vinculado a São Carlos, com 51 mil habitantes, dispõe em seu Plano Diretor (lei complementar 74/07) a necessidade da criação de Conselho Municipal de Patrimônio Histórico; dá tratamento especial aos imóveis de interesse do patrimônio cultural; define patrimônio histórico aventando inclusive o tombamento pelo município; propõe um inventário do patrimônio histórico municipal; aponta incentivos fiscais à preservação, incluindo o instrumento urbanístico da transferência do direito de construir; e, no mapa de zoneamento, faz a identificação de imóveis e áreas que deverão ser objeto de preservação.

Taquaritinga, “centro de zona b” vinculado à Araraquara, com 55 mil habitantes, em seu plano diretor de 2007 (lei complementar 3.601) define como um de seus princípios a recuperação do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural; propõe-se a incorporar de modo permanente a questão no processo de planejamento urbano estabelecendo diretrizes, utilizando-se para tal de instrumentos como operações urbanas consorciadas e o direito de superfície e a consideração nos estudos de impacto de vizinhança; e a criação de um plano específico de preservação do patrimônio cultural.

Ibitinga, “centro local” vinculado à Araraquara, com 53 mil habitantes, em seu plano diretor (lei 2.908/06, alterada pela lei 3.005/07) aponta o direito de preempção nos casos de imóveis com características históricas ou culturais relevantes.

Consideração do Município pelo Estado

O CONDEPHAAT tem tombamentos de patrimônio histórico, além da capital, em municípios do interior paulista[*10]. A abrangência é ampla, mas ainda assim são apenas 90 (incluindo a capital) dos 645 municípios do total do Estado, ou aproximadamente 14%. É um fato que torna ainda mais relevante a intervenção do município na questão.

Na Região Administrativa Central, que abrange 26 municípios, apenas quatro têm bens tombados, ou 15%: Araraquara, São Carlos, Descalvado e Santa Rita do Passa Quatro. Observemos que, dos quatro, dois representam os centros regionais (Araraquara e São Carlos).

Se classificarmos tais municípios por porte populacional, teremos: dos 10 municípios com até 10 mil habitantes, nenhum tem bens tombados; dos 6 municípios com população entre 10.001 e 25 mil habitantes, nenhum tem bens tombados; dos 4 municípios com população entre 25.001 e 50 mil habitantes, 2 tem bens tombados; dos 4 municípios com população entre 50.001 e 100 mil habitantes, nenhum tem bens tombados; os 2 municípios com mais de 200 mil habitantes têm bens tombados.

Notemos também quais tipos de bens patrimoniais históricos foram tombados nesses quatro municípios. Das edificações temos: 1 residência de comendador, 1 residência de conde, 1 clube, 1 hotel, 2 estabelecimentos de ensino, 1 câmara municipal, 1 estação ferroviária. Dos logradouros temos: 3 praças, 1 esplanada. Em termos de imóveis rurais, têm-se 2 sedes de fazenda com seus conjuntos.

É um conjunto pequeno diante da história local marcada pela cultura cafeeira (sem esquecer-se da cana-de-açúcar) e pelo avanço das estradas de ferro. E há outros aspectos históricos relevantes que não são representados, como a industrialização, a imigração e até mesmo a escravidão e ocupação primeira pelos povos indígenas. Fica desprotegida igualmente a presença da Igreja.

Atentemos aos casos dos tombamentos do CONDEPHAAT em Santa Rita do Passa Quatro, Descalvado, Araraquara e São Carlos. Descalvado e Santa Rita do Passa Quatro estão na faixa dos 30 mil habitantes e são “centros locais” na classificação do IBGE, vinculados respectivamente a São Carlos e a Ribeirão Preto. Araraquara e São Carlos têm população pouco superior a 200 mil habitantes e são, respectivamente, centro regional e centro sub-regional.

No que se refere ao tipo de patrimônio histórico tombado, a análise preliminar revela no conjunto dos municípios do Estado de São Paulo (excetuando a capital) a absoluta predominância de elementos isolados frente a conjuntos urbanos e arquitetônicos.

Revela, igualmente, que, considerando as edificações individualmente, há o predomínio do tombamento de edifícios de uso original residencial (30,5%), seguidos pelas edificações rurais (quase 14%) e religiosas (10,5%). As edificações ligadas ao poder político-administrativo (incluindo a justiça) e à ferrovia equivalem, respectivamente, a 7% e 5%.


Em levantamento recente[*11], o jornal O Estado de São Paulo revelou que, nos pedidos de novos tombamentos feitos pelos municípios, 15,2% referem-se ao patrimônio religioso, 14,4% aos casarios, 13,7% às estações ferroviárias e construções de seu entorno, 10,1% ao patrimônio natural e 10,1% à infraestrutura urbana. Interessante observar que nos pedidos encaminhados, constam apenas dois municípios da região central (Araraquara e Santa Lúcia). Santa Lúcia solicitou o tombamento de prédios da estação ferroviária.

Consideração do Município pela União

O IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão da União, tem igualmente alguns bens arquitetônicos tombados (vide o Arquivo Central do IPHAN, no site do órgão) nos municípios paulistas. Trata-se de uma lista bem menor, com 31 municípios (excetuando a capital), muitos com os mesmos bens já tombados pelo CONDEPHAAT.

Também neste caso predominam as residências (muitas de fazendas e sítios) com 46% dos bens tombados, seguidos pelos edifícios religiosos com 29%. Em termos da Região Central Administrativa do Estado de São Paulo, apenas São Carlos tem bem tombado (o mesmo pelo CONDEPHAAT).

Conclusões

Os planos diretores são peças importantes do planejamento urbano e oportunidade histórica para reforçar a necessidade dos municípios, particularmente dos pequenos, de atentarem para sua memória. Podem representar o empurrão definitivo para que a administração pública municipal incorpore definitivamente a questão.

O patrimônio local, particularmente dos pequenos municípios, não tem recebido a consideração adequada do âmbito estadual ou federal. É urgente que os municípios acordem para a questão. No interior paulista, o patrimônio histórico-arquitetônico está se perdendo: estações ferroviárias, antigas vilas ferroviárias, casas de colonos, casarões, cadeias públicas, hotéis, igrejas e até mesmo traçados e vazios urbanos.

Mostra-se, assim, relevante a ação dos pequenos municípios na identificação e defesa de seu patrimônio histórico. Já em 1970, o “Compromisso de Brasília”[*12] reconheceu a necessidade da ação supletiva dos municípios na proteção dos bens culturais. Porém, hoje, na Região Central Administrativa do Estado de São Paulo, nenhum dos quinze municípios com até 25 mil habitantes (nove com até 10 mil habitantes) possui bens tombados pelo Estado. São municípios já centenários, que viveram os primórdios da imigração europeia, a onda do café, a urbanização e expulsão do campo. O que restou merece ser considerado, deve servir de referência na construção do futuro.

Referências bibliográficas

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Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista, campus de Araraquara, Departamento de Administração Pública. E-mail para contato: gaeta@fclar.unesp.br.
IBGE identifica 5 classes hierárquicas, de acordo com o nível “rede de influência”: metrópoles, capitais regionais, centros sub-regionais, centros de zonas e centros locais. Há subclasses, perfazendo um total de 11 níveis. A capital regional C corresponde ao sexto nível. No Brasil, são 39 cidades com média de 252 mil habitantes e 162 relacionamentos. Vide: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1246&id_pagina=1.
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LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 49-50. (3ª reimpressão da 5. ed. de 1987).
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LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 61. (3ª reimpressão da 5. ed. de 1987).
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Os municípios são: Álvares Machado, Americana, Amparo, Aparecida, Araraquara, Araras, Areias, Assis, Atibaia, Avaré, Bananal, Barueri, Batatais, Bertioga, Botucatu, Brodowiski, Caçapava, Cachoeira Paulista, Cajamar, Campinas, Cananeia, Capivari, Carapicuíba, Casa Branca, Chavantes, Cotia, Cruzeiro, Cubatão, Descalvado, Dumont, Eldorado, Embu, Espírito Santo do Pinhal, Franca, Guararema, Guaratinguetá, Guarujá, Iguape, Ilha Bela, Iperó, Iracemápolis, Itanhaém, Itapetininga, Itapura, Itatiba, Itu, Jacareí, Jundiaí, Lençóis Paulista, Mairinque, Marília, Mauá, Mogi das Cruzes, Natividade da Serra, Paraibuna, Peruíbe, Pindamonhangaba, Piracicaba, Pirapora do Bom Jesus, Porto Feliz, Presidente Venceslau, Redenção da Serra, Registro, Ribeirão Pires, Ribeirão Preto, Rio Claro, Salto, Santana de Parnaíba, Santa Rita do Passa Quatro, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, São Carlos, São João da Boa Vista, São José do Barreiro, São José do Rio Pardo, São José dos Campos, São Luiz do Paraitinga, São Roque, São Sebastião, São Simão, São Vicente, Serra Negra, Sertãozinho, Sorocaba, Taubaté, Tupã, Ubatuba, Valinhos. Fonte: CONDEPHAAT. Lista de bens tombados disponível no site da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo: .
Levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo junto aos pedidos de tombamentos feitos ao CONDEPHAAT. IGREJAS respondem por 15% de pedidos de tombamento. O Estado de São Paulo, p. C3, 21 jun. 2009. Na contagem d’O Estado estão considerados os pedidos da capital (33%). Sessão ordinária 1536ª, de 22 de junho de 2009, do CONDEPHAAT, trazia na pauta solicitação de tombamento por parte de Taquaritinga da Escola Estadual Domingues da Silva. O pedido foi arquivado.
COMPROMISSO DE BRASÍLIA. 1º. Encontro de Governadores de Estado, Secretários Estaduais da Área Cultural, Prefeitos de Municípios Interessados, Presidentes e Representantes de Instituições Culturais. Abril, 1970. Disponível no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: www.iphan.gov.br.